O ANALFABETO POLÍTICO
( de Bertold Brecht)
O pior analfabeto é o analfabeto político.
Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos.
Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas.
O analfabeto político é tão burro, que se orgulha e estufa o peito, dizendo que odeia a política.
Não sabe o imbecil que, da sua ignorância política, nasce a prostituta, o menor abandonado, o assaltante e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, o corrupto e lacaio das multinacionais.
(Bertolt Brecht)
Doutor em Políticas Públicas e Formação Humana (UERJ); Mestre em Educação (UFF); Licenciado e Bacharel em História (UFF). Trabalho com Assessoria Sindical; Formação Política; Produção de Conteúdos; Planejamento; Gestão; Elaboração e Produção de Cadernos de Formação, Apostilas, Conteúdos Didáticos; Produção e Execução de Cursos, Seminários, Palestras, Aulas, Oficinas; Produção de Projetos Sindicais, professorheldermolina@gmail.com - 21 997694933,Facebook: Helder Molina Molina
domingo, 7 de dezembro de 2008
CONJUNTURA E DESAFIOS AOS MOVIMENTOS SOCIAIS
AS TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO DO TRABALHO
E OS DESAFIOS AOS MOVIMENTOS SOCIAIS
01 DE JUNHO DE 2007 – SISEJUFE/RJ
Tópicos e elementos para uma análise da conjuntura
(Helder Molina)
1 – AS METAMORFOSES NO CAPITALISMO E A VINGANÇA DO CAPITAL CONTRA O TRABALHO
- Esgotamento do socialismo real e do Estado de Bem Estar Social – Final da década de 1980.
- Neoliberalismo como vingança histórica do capital contra o trabalho: Década de 1990.( (Mészáros, Emir Sader, Antunes)
- As transformações no mundo do trabalho, as inovações tecnológicas e aumento da produção de mercadorias e da busca de maior taxa de lucros.
- Internacionalização do capital, aumento da competitividade entre as empresas, abertura desenfreada da economia brasileira.
- Ataque do neoliberalismo aos movimentos sociais, especialmente ao movimento sindical combativo, com criação da Força Sindical.
- Capitalismo que teve uma importância civilizatória ( ao destruir o feudalismo, direitos, Estado laico, revolução das forças produtivas, ( Marx, no manifesto Comunista), assumiu irracionalmente sua vocação destrutiva das forças produtivas, da natureza(meio ambiente e ser humano).
- Capitalismo é fundamentalmente um sistema produtor de barbáries, miséria, guerra e colapso ambiental. (Mèszáros, Marx).
- Capital precisou derrotar os trabalhadores e suas organizações (década de 1990)
- A culpabilização dos trabalhadores pelo desemprego, baixa escolarização e desqualificação tecnológica.
- Esgotamento do Neoliberalismo, e da ilusão do capital eterno e do “fim da história”
2 – CONJUNTURA E MOVIMENTOS SOCIAIS COMO SUJEITOS.
- Conjuntura da América Latina, governos anti neoliberais, resgate dos projetos nacionais e populares.
- Correlação de forças na América Latina e no Brasil.
- O significado da vitória de Lula: Uma geração de lutas e mobilizações chega ao governo.
- Diferença entre ser governo e ter o Estado: A formação histórica do Estado brasileiro, um comitê de negócios das classes dominantes (Marx, sobre o Estado capitalista.)
- Os movimentos sociais no Brasil: A reorganização e a retomada nos anos 80, pós ditadura militar.
- O Novo sindicalismo e as potencialidades da CUT e do PT.
- A ascensão e a consolidação dos movimentos específicos nos anos 80 (Mulheres, negros, ecologia, meio ambiente, reforma agrária, reforma urbana, indígenas, saúde, saneamento, homossexuais, direitos das crianças, etc)
- Recuo dos movimentos diante da ofensiva do neoliberalismo na década de 1990
- A resistência, como o Fórum Social Mundial, os movimentos antiglobalização, o protagonismo político das ONGs e dos movimentos específicos.
- o crescimento do desemprego, da precarização, da informalidade, da violência nas grandes cidades, do narcotráfico como economia política do medo. O que fazer com os sem empregos e sem sindicatos?
- A encruzilhada da CUT: o abandono da estratégia socialista, o pragmatismo e o neocorporatismo sindical cutista, o imeditato, o tático e o economiscismo de resultados.
- A relação da CUT com o governo: Resgatar a independência em relação ao Estado e aos patrões, autonomia dos movimentos, priorizar a mobilização como arma de classe nas negociações.
- A nova correlação de forças na CUT pós saída do PSTU e surgimento do PSOL
- O enfrentamento político com o Conlutas e o sindicalismo sectário, vanguardista e divisionista.
- O exemplo de 23 de maio, unidade dos movimentos e luta contra o Estado e as políticas capitalistas.
Helder Molina - Historiador, professor da faculdade de educação da UERJ, educador sindical e assessor de formação do SINDPDRJ
E OS DESAFIOS AOS MOVIMENTOS SOCIAIS
01 DE JUNHO DE 2007 – SISEJUFE/RJ
Tópicos e elementos para uma análise da conjuntura
(Helder Molina)
1 – AS METAMORFOSES NO CAPITALISMO E A VINGANÇA DO CAPITAL CONTRA O TRABALHO
- Esgotamento do socialismo real e do Estado de Bem Estar Social – Final da década de 1980.
- Neoliberalismo como vingança histórica do capital contra o trabalho: Década de 1990.( (Mészáros, Emir Sader, Antunes)
- As transformações no mundo do trabalho, as inovações tecnológicas e aumento da produção de mercadorias e da busca de maior taxa de lucros.
- Internacionalização do capital, aumento da competitividade entre as empresas, abertura desenfreada da economia brasileira.
- Ataque do neoliberalismo aos movimentos sociais, especialmente ao movimento sindical combativo, com criação da Força Sindical.
- Capitalismo que teve uma importância civilizatória ( ao destruir o feudalismo, direitos, Estado laico, revolução das forças produtivas, ( Marx, no manifesto Comunista), assumiu irracionalmente sua vocação destrutiva das forças produtivas, da natureza(meio ambiente e ser humano).
- Capitalismo é fundamentalmente um sistema produtor de barbáries, miséria, guerra e colapso ambiental. (Mèszáros, Marx).
- Capital precisou derrotar os trabalhadores e suas organizações (década de 1990)
- A culpabilização dos trabalhadores pelo desemprego, baixa escolarização e desqualificação tecnológica.
- Esgotamento do Neoliberalismo, e da ilusão do capital eterno e do “fim da história”
2 – CONJUNTURA E MOVIMENTOS SOCIAIS COMO SUJEITOS.
- Conjuntura da América Latina, governos anti neoliberais, resgate dos projetos nacionais e populares.
- Correlação de forças na América Latina e no Brasil.
- O significado da vitória de Lula: Uma geração de lutas e mobilizações chega ao governo.
- Diferença entre ser governo e ter o Estado: A formação histórica do Estado brasileiro, um comitê de negócios das classes dominantes (Marx, sobre o Estado capitalista.)
- Os movimentos sociais no Brasil: A reorganização e a retomada nos anos 80, pós ditadura militar.
- O Novo sindicalismo e as potencialidades da CUT e do PT.
- A ascensão e a consolidação dos movimentos específicos nos anos 80 (Mulheres, negros, ecologia, meio ambiente, reforma agrária, reforma urbana, indígenas, saúde, saneamento, homossexuais, direitos das crianças, etc)
- Recuo dos movimentos diante da ofensiva do neoliberalismo na década de 1990
- A resistência, como o Fórum Social Mundial, os movimentos antiglobalização, o protagonismo político das ONGs e dos movimentos específicos.
- o crescimento do desemprego, da precarização, da informalidade, da violência nas grandes cidades, do narcotráfico como economia política do medo. O que fazer com os sem empregos e sem sindicatos?
- A encruzilhada da CUT: o abandono da estratégia socialista, o pragmatismo e o neocorporatismo sindical cutista, o imeditato, o tático e o economiscismo de resultados.
- A relação da CUT com o governo: Resgatar a independência em relação ao Estado e aos patrões, autonomia dos movimentos, priorizar a mobilização como arma de classe nas negociações.
- A nova correlação de forças na CUT pós saída do PSTU e surgimento do PSOL
- O enfrentamento político com o Conlutas e o sindicalismo sectário, vanguardista e divisionista.
- O exemplo de 23 de maio, unidade dos movimentos e luta contra o Estado e as políticas capitalistas.
Helder Molina - Historiador, professor da faculdade de educação da UERJ, educador sindical e assessor de formação do SINDPDRJ
ATUALIDADE DO CAPITALISMO NO BRASIL - CENÁRIOS E O FUTURO?
2. 3. – Cenários: Arrancar esperanças ao futuro
(Por Helder Molina)
Capítulo 2, parte 3 e 4, de minha dissertação de Mestrado em Educação, na UFF.
Casttel (2001) nos apresenta uma síntese do que ele identifica como quatro cenários em curso.
a) O primeiro e mais drástico é o de uma radicalização das políticas neoliberais em uma crescente destruição das garantias de proteção ao trabalho e a instalação de um mercado auto-regulado. Este é o cenário dominante nos países periférico e semi-periféricos, na perspectiva que assumem estes conceitos em Arrighi (1998). Neste cenário o número de trabalhadores sobrantes se amplia e suas vidas se precarizam ficando na dependência de planos emergenciais de alívio à pobreza, da filantropia e da caridade social.
b) O segundo cenário, que não elide o primeiro, adotado pela maioria dos países, é o de atacar pelos efeitos. Instauram-se políticas focalizadas [1] de inserção social. As políticas educacionais, e em particular do ensino técnico profissional, na perspectiva que assumiram nos anos 90, clara e intencionalmente se enquadram como parte deste segundo cenário.
c) O terceiro cenário é o da auto organização dos sobrantes mediante uma alternativa de trabalho. Esta realidade vem sendo cunhada com nomes diferentes e com sentidos diversos economia solidária, sócio economia solidária, economia popular, cooperativismo, produção associada, autogestão, economia de sobrevivência e economia informal.
Algumas questões sobre esse tema estão colocadas em debate sobre[2]. Qual a diferenciação de perspectivas que engendram esses conceitos? Uma averiguação sobre qual o alcance global destas alternativas e o que há de romantização ou efetivamente de novo em termos de relações econômicas e cultura do trabalho.
d) Por fim um quarto cenário explicita as teses daqueles daqueles que já decretaram que chegamos à sociedade do conhecimento, sociedade do entretenimento, do lúdico ou do fim do trabalho e a sociedade do tempo livre. Este último cenário encontra uma crescente literatura com formulações que tem origem, aparentemente, muito diversas.
Em um plano mais abertamente conservador encontramos a visão de Toffler (1995) sobre o surgimento da sociedade do conhecimento, e com ela uma possibilidade revolucionária mais contundente, de que o trabalho e os trabalhadores, seus sindicatos e os partidos de esquerda. e com ela o fim das classes sociais. A tese central defendida por estes autores aponta uma pretensa possibilidade revolucionária à chamada sociedade do conhecimento, pois “ o conhecimento se constitui uma ameaça maior a longo prazo para o poder financeiro do que o trabalho organizado ou partidos políticos anticapitalistas. Pois, relativamente falando, a revolução da informação está reduzindo a necessidade de capital por unidade de consumo em uma economia que privilegia o capital. Nada poderia ser mais revolucionário” Toffler, ( 1995).
Essas teses se chocam com as multidões de desempregados e precarizados, marginalizados e miserabilizados, aqueles que Frigotto identifica como “possuidores de uma existência provisória sem prazo”. As políticas neoliberais configuram um quadro histórico de profundo retrocesso, dentro do próprio capitalismo, ao pré-capitalismo ou ao Estado de natureza[3].
2.4. – A metamorfose capitalista no Brasil
Somos um país de absurdos contrastes. Um país de médicos desempregados e de mortos por falta de médicos, de professores sem alunos e milhões de crianças sem escola, de extensos latifúndios de terras sem homens e mulheres e milhões de homens e mulheres sem terras, com produção de alimentos para exportação e de dezenas de milhões de pessoas desnutridas , com território continental e a população amontoada como restos humanos em favelas, incapaz de usar o conhecimento científico e tecnológico de que dispõe, na eliminação de doenças endêmicas, na educação da população.
Diante desse quadro, são acintosos os lucros dos bancos no Brasil, as altas taxas de juros, e a valorização do dólar confirma a lucratividade exorbitante do capital financeiro. Dados publicados no jornal “O Globo(2003:23)”, apontam que a explosão do dólar assegurou ao Citibank lucro e rentabilidade recordes no ano de 2002. Pelo balanço divulgado ao mercado, a instituição registrou lucro líquido de 1.630 bilhão em 2002, 170,3% a mais do que os R$ 603,3 milhões registrados em 2001. A rentabilidadde do Citibank só não foi maior que a do Banespa/Santander, que atingiu 65%, portanto, R$ 2,818 bilhões. O lucro do Itaú foi de R$ 2,376 bilhões, rentabilidade de 26%, o Bradesco foi de R$ 2.022 bilhões, rentabilidade de 19%.
Segundo Boito JR(1999)., processo de adesão da burguesia brasileira ao ideário político e aos fundamentos sócio-econômicos do neoliberalismo, na formação do novo bloco de poder econômico e político que assume a direção do Estado brasileiro no final da década de 1980, e se consolida nos anos 90. O governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso propalou a idéia de que o Plano Real promove a distribuição de renda. Na verdade, a década neoliberal – quase toda tomada pelos anos dos mandatos de FHC - concentrou ainda mais a renda do Brasil. Segundo o IPEA – instituição oficial do governo, portanto, mais “isenta” impossível – na década de 60, os 50% mais pobres detiveram, como média anual, 18% da renda nacional; na década de 70, essa parcela de renda apropriada pelos mais pobres caiu para 15% e na década de 80 para 14%. Os governos neoliberais conseguiram jogar a renda dos mais pobre ainda mais para baixo. Entre 1990 a 1996, a média foi de 12% da renda apropriada pelos 50% mais pobres. O fato de, ao longo dos dois primeiros anos do Plano Real, ter havido uma pequena e efêmera melhoria nos termos da distribuição de renda, foi usada indevidamente como propagando pelos neoliberais.
Porém, como evidenciam os dados disponíveis para 97, esse acidente foi passageiro e não alterou a tendência concentradora da década do neoliberalismo. A desindexação dos salários promovida pelo governo FHC foi decisiva para superar a pequena distribuição acidental ocorrida em 1995. Mais desemprego, mais concentração de renda e menos gastos sociais. Dados de fontes as mais variadas apontam a redução dos gastos sociais e, ao mesmo tempo, o aumento dos gastos financeiros do Estado brasileiro ao longo dos anos 90.
Essa redução dos gastos sociais do Estado apóia-se numa visão produzida pelo neoliberalismo, segundo a qual a política social do Estado deve gastar menos e de modo focalizado: a ordem é concentra os gastos num pacote mínimo de serviços (ensino público somente na etapa fundamental, medicina pública apenas nos cuidados básicos, simples e baratos, etc.) focado apenas na população pobre e miserável.
A nova configuração político-jurídica do capitalismo brasileiro, nascido da transição conservadora em 1985 e legitimada na constituinte de 1988, é produto de um pacto de elite, restabelecendo os direitos civis e garantindo alguns direitos sociais e a manutenção das estruturas econômicas da classe dominante, como o monopólio do capital financeiro, da propriedade privada das terras, dos grandes meios de comunicação, dos conglomerados industriais e comerciais.
Este pacto de elite, que na concepção gramsciana se denomina como “transformismo”[4], se configurou no Brasil, em que a transição da ditadura militar para um regime democrático burguês não significou alteração no conteúdo da dominação de classe e tampouco abalou os alicerces do capitalismo. A transição teve caráter conservador e controlado sob rédeas pelas classe dominante brasileira, para que não fugisse do seu controle e interesses.
O neoliberalismo, desde meados da década de 1970, avançou em nível mundial a partir dos países centrais e se estabeleceu como modelo hegemônico. Segundo Chico de Oliveira(1998)[5], no Brasil começou a ser implantado tardiamente, comparando-se a outros países da América Latina. Somente com a posse de Collor esse modelo começou a ser aplicado de forma orgânica e global em nosso país. Collor se elegeu como o “anjo salvador” da burguesia brasileira, depois do duro embate contra a candidatura de esquerda democrática e popular – Lula – e, ainda segundo Oliveira , com ele foi eleito o primeiro projeto neoliberal conscientemente articulado, tomando o déficit estatal como o fulcro dos problemas a serem atacados, para que o país chegasse à modernidade.
A chegada de Fernando Collor ao governo central ocorreu num contexto internacional de contra ofensiva econômica, política, ideológica e militar do imperialismo[6], fortalecida pelo colapso dos países socialistas do Leste Europeu e da URSS. Nos anos 1980, ainda segundo esse autor, o consenso nacional que presidiu as transformações era o de que o centro dos problemas do país era o déficit social, isto é, o reconhecimento de que a ditadura havia conseguido expandir a economia, sem no entanto distribuir renda. A constituinte (1987-1988) for marcada por esse clima, depois das grandes mobilizações sociais a favor de suas reivindicações.
Esse movimento se dava na contramão da hegemonia neoliberal nos outros países do Continente e em escala mundial. No final da década de 1980 (ainda com Sarney) a tese da “ingovernabilidade”, refletida na idéia de que a nova constituição tornaria o Estado brasileiro impossivel de ser dirigido, pela quantidade excessiva de demanda que aprovara, diante da crise fiscal que se havia desenhado no país desde que a crise da dívida externa, havia feito que esta passasse a comandar as políticas econômicas dos vários governos.
Uma das particularidades da experiência neoliberal no Brasil não está na aplicação desse programa por uma força política que reinvidica a social democracia. Essa experiência (um governo de perfil social democrata aplicando um programa e uma agenda econômica e política de matriz neoliberal) já havia ocorrido com Miterrand, na França, com Felipe Gonzalez, na Espanha, assim como o PRI, no México, com Ménem, na Argentina e com o Partido Socialista, no Chile. A particularidade se dá no fato de que Fernando Henrique Cardoso não derrota uma força de direita – Como se deu nos casos que citamos – mas refunda a direita, unificando todos os seus setores , tendo somente a esquerda como força opositora. FHC reunificou a direita e renovou seu discurso, dando-lhe álibi de modernização liberal, como cobertura para as velhas práticae de privatização do Estado.
Como todas as versões latino americanas, o programa neoliberal brasileiro tomou o combate à inflação e à estabilização como centro. Seu caráter neoliberal ficou caracterizado pela responsabilizaçào do Estado no descontrole inflacionário e pelas medidas de corte de gastos públicos, de privatização das empresas estatais, de abertura da economia ao exterior – supostamente para baratear os preços internos e incentivar a competitividade – e da desregulamentação [7]geral da economia.
No Brasil, como em outros países da América Latina, essa inserção à nova ordem se deu (e se dá) de forma subordinada, dependente e tardia. Os trabalhadores pagaram (e ainda pagam) os efeitos amargos dessa inserção.
O executivo federal – a burocracia técnica e o estamento político que se formou em torno de FHC – cumpriu o papel de agência central de implementação das políticas neoliberais no Brasil. O governo central foi um núcleo forte e compacto, do ponto de vista técnico e político-ideológico do neoliberalismo brasileiro.
É do executivo federal que partem todas as políticas produzidas pelo Banco Mundial e pelo FMI e de onde emanam todas as suas estratégias de implementação das políticas econômicas e sociais compensatórias, sob a forma de privatizações, terceirizações, descentralização e municipalização ( onde os municípios assumem a função de executores e gestores, mas a formulação e o financiamento ficam aprisionados nas mãos do executivo federal) de focalização ( o Estado funciona como um distribuidor compensatório de migalhas sociais , à base de conta gotas e de clientelismo, alívio da exclusão e para impedir a ampliação do esgarçamento do tecido social.
[1] A estratégia da focalização tem por finalidade dirigir as ações governamentais apenas em alguns grupos sociais. Seguindo as diretrizes dos organismos multilateriais de investimentos – Banco Mundial entre eles – trata-se de aliviar os efeito colateral das políticas de ajuste fiscal, e de compensar as populações pobres com medidas de efeitos cosméticos, como distribuição de cestas básicas de alimentos, bolsas de fragmentos de direitos, tais como bolsa-escola, renda mínima, seguro desemprego, medicamentos, etc, cursos aligeirados e superficiais de treinamento profissional, entre outras medidas paliativas, que não enfrentam os perversos mecanismos de produção da pobreza, que é a própria acumulação capitalista e suas lógicas de lucro, exploração e concentração de capital . Segundo Oliveira, no campo educacional, por exemplo, exclui-se o direito a uma educação básica universal e privilegia-se o ensino fundamental. No campo dos direitos sociais, as ações de governo privilegiam o que o neoliberalismo chama de excluídos. Neste trabalho, temos optado pela categoria sobrantes.
[2] Sobre estes temas, que não é o foco de nosso trabalho, há uma vasta bibliografia e iniciativas institucionais e populares em desenvolvimento no Brasil. Como literatura, entre tantas, destacamos três trabalhos bastante visitados: LIA TIRIBA: Economia Popular e Cultura do Trabalho (Pedagogia da Produção Associada), tese de doutoramento, UFF, 1998. PAUL SINGER: Uma Utopia Miliante (Repensando o Socialismo) ,Vozes, RJ, 1998. MARCOS ARRUDA: Globalização da Solidariedade, PACS, 2000. Sugerimos, também, o caderno produzido pela CUT sobre sindicalismo e economia solidária, em 1998, que serviu de base para o desenvolvimento das Agências de Desenmvolvimentro Solidário - ADS/CUT – www.cut.org.br ; a revista PROPOSTA, vários números, publicadas pela FASE; as publicações da ANTEAG; Associação Nacional de Trabalhadores em Empresas Autogestionárias – www.anteag.org.br.
e os trabalhos desenvolvidos pelo Fórum de Cooperativismo do Rio de Janeiro, que tem sua secretaria atual no CEDAC – Centro de Ação Comunitária do RJ. www.cedac.or.br. e o Fórum Social Mundial, que nas tr6es ediçòes brasileiras produziu vasto material, debates, experiências e estudos sobre as alternativas anticapitalistas de enfrentamento do desemprego e da exclusão social.
[3] O capitalismo revolucionou o modo de produção feudal. O seu nascimento e suas formas de estruturar a produção teve como base a constituição de um contrato social, com pressuposto na existência de uma sociedade civil e do Estado. O capitalismo produziu a transição de um mundo jusnaturalista, onde imperavam as paixões, as guerras, o desentendimento, as dominações dos fortes contra os fracos, para um estágio onde a equilíbrio social pressupõe a primazia da razão sobre a paixão, da segurança sobre a guerra, do respeito e garantia da liberdade e da propriedade sobre a dominação e a anarquia, pressupostos estes que só têm possibilidade de existir sob a presença do Estado,. Ver Jefferson (Declaração de Independência dos Estados Unidos) e em Pocrovski (1985), (História da Ideologias), e Locke (2000) . A busca e a manutenção de direitos fundamentais, como a vida, a liberdade e o bem estar, fazem os homens constituírem governos, como escolha soberana do povo para que este venham cuidar de seus interesses, e com o pleno direito de os derrubarem, quando esses direitos são desrespeitados. O Estado estabeleceria um pacto social e político, onde este, com a concordância da sociedade, deve zelar pela tranquilidade dos cidadãos, garantir, de modo racional, os direitos essenciais como a segurança, a propriedade, a liberdade individual, preservação da paz e a proteção contra as guerras. Esse pacto visa garantir o bem público, de interesse da sociedade. O Capitalismo liberal, enquanto modo de produção baseado na propriedade privada, na racionalidade produtiva, no Estado como regulador social, e no mercado como regulador econômico, antítese do modo de produção e da sociedade feudal. As leis regem a vida social e política, a livre competição derruba o monopólio régio no controle da produção e do comércio.
[4] O processo em que, para manter sua hegemonia, as classes dominantes alteram suas formas de dominação política, sem que se modifique seu conteúdo essencial da dominação de classe.
[5] Chico de Oliveira em aula aos alunos da Pós graduação em Educação da UFF (1998)
[6] Utilizamos aqui a categoria imperialismo, recorrente em Petras (2000) , e Boito Jr (1999). conforme já abordamos anteriormente, neste capítulo, como expressão da nova hegemonia capitalista, capitaneada pelos EUA.
[7] Segundo Elizabeth Serra Oliveira, o mecanismo da desregulamentação siginfica a supressão de leis, normas, regulamentos e garantias que possam inibir a livre concorrência e a livre regulamentação da economia e da sociedade pelas leis naturais do mercado. Nela está implícita a retirada do Estado como responsável pela formulação, desenvolvimento e controle das políticas públicas de interesse social.
( Diferentes sujeitos e novas abordagens da educação popular urbana no Brasil, dissertação de Mestrado, defendida em 2002, na Faculdade de Educação da UFF. ) .
(Por Helder Molina)
Capítulo 2, parte 3 e 4, de minha dissertação de Mestrado em Educação, na UFF.
Casttel (2001) nos apresenta uma síntese do que ele identifica como quatro cenários em curso.
a) O primeiro e mais drástico é o de uma radicalização das políticas neoliberais em uma crescente destruição das garantias de proteção ao trabalho e a instalação de um mercado auto-regulado. Este é o cenário dominante nos países periférico e semi-periféricos, na perspectiva que assumem estes conceitos em Arrighi (1998). Neste cenário o número de trabalhadores sobrantes se amplia e suas vidas se precarizam ficando na dependência de planos emergenciais de alívio à pobreza, da filantropia e da caridade social.
b) O segundo cenário, que não elide o primeiro, adotado pela maioria dos países, é o de atacar pelos efeitos. Instauram-se políticas focalizadas [1] de inserção social. As políticas educacionais, e em particular do ensino técnico profissional, na perspectiva que assumiram nos anos 90, clara e intencionalmente se enquadram como parte deste segundo cenário.
c) O terceiro cenário é o da auto organização dos sobrantes mediante uma alternativa de trabalho. Esta realidade vem sendo cunhada com nomes diferentes e com sentidos diversos economia solidária, sócio economia solidária, economia popular, cooperativismo, produção associada, autogestão, economia de sobrevivência e economia informal.
Algumas questões sobre esse tema estão colocadas em debate sobre[2]. Qual a diferenciação de perspectivas que engendram esses conceitos? Uma averiguação sobre qual o alcance global destas alternativas e o que há de romantização ou efetivamente de novo em termos de relações econômicas e cultura do trabalho.
d) Por fim um quarto cenário explicita as teses daqueles daqueles que já decretaram que chegamos à sociedade do conhecimento, sociedade do entretenimento, do lúdico ou do fim do trabalho e a sociedade do tempo livre. Este último cenário encontra uma crescente literatura com formulações que tem origem, aparentemente, muito diversas.
Em um plano mais abertamente conservador encontramos a visão de Toffler (1995) sobre o surgimento da sociedade do conhecimento, e com ela uma possibilidade revolucionária mais contundente, de que o trabalho e os trabalhadores, seus sindicatos e os partidos de esquerda. e com ela o fim das classes sociais. A tese central defendida por estes autores aponta uma pretensa possibilidade revolucionária à chamada sociedade do conhecimento, pois “ o conhecimento se constitui uma ameaça maior a longo prazo para o poder financeiro do que o trabalho organizado ou partidos políticos anticapitalistas. Pois, relativamente falando, a revolução da informação está reduzindo a necessidade de capital por unidade de consumo em uma economia que privilegia o capital. Nada poderia ser mais revolucionário” Toffler, ( 1995).
Essas teses se chocam com as multidões de desempregados e precarizados, marginalizados e miserabilizados, aqueles que Frigotto identifica como “possuidores de uma existência provisória sem prazo”. As políticas neoliberais configuram um quadro histórico de profundo retrocesso, dentro do próprio capitalismo, ao pré-capitalismo ou ao Estado de natureza[3].
2.4. – A metamorfose capitalista no Brasil
Somos um país de absurdos contrastes. Um país de médicos desempregados e de mortos por falta de médicos, de professores sem alunos e milhões de crianças sem escola, de extensos latifúndios de terras sem homens e mulheres e milhões de homens e mulheres sem terras, com produção de alimentos para exportação e de dezenas de milhões de pessoas desnutridas , com território continental e a população amontoada como restos humanos em favelas, incapaz de usar o conhecimento científico e tecnológico de que dispõe, na eliminação de doenças endêmicas, na educação da população.
Diante desse quadro, são acintosos os lucros dos bancos no Brasil, as altas taxas de juros, e a valorização do dólar confirma a lucratividade exorbitante do capital financeiro. Dados publicados no jornal “O Globo(2003:23)”, apontam que a explosão do dólar assegurou ao Citibank lucro e rentabilidade recordes no ano de 2002. Pelo balanço divulgado ao mercado, a instituição registrou lucro líquido de 1.630 bilhão em 2002, 170,3% a mais do que os R$ 603,3 milhões registrados em 2001. A rentabilidadde do Citibank só não foi maior que a do Banespa/Santander, que atingiu 65%, portanto, R$ 2,818 bilhões. O lucro do Itaú foi de R$ 2,376 bilhões, rentabilidade de 26%, o Bradesco foi de R$ 2.022 bilhões, rentabilidade de 19%.
Segundo Boito JR(1999)., processo de adesão da burguesia brasileira ao ideário político e aos fundamentos sócio-econômicos do neoliberalismo, na formação do novo bloco de poder econômico e político que assume a direção do Estado brasileiro no final da década de 1980, e se consolida nos anos 90. O governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso propalou a idéia de que o Plano Real promove a distribuição de renda. Na verdade, a década neoliberal – quase toda tomada pelos anos dos mandatos de FHC - concentrou ainda mais a renda do Brasil. Segundo o IPEA – instituição oficial do governo, portanto, mais “isenta” impossível – na década de 60, os 50% mais pobres detiveram, como média anual, 18% da renda nacional; na década de 70, essa parcela de renda apropriada pelos mais pobres caiu para 15% e na década de 80 para 14%. Os governos neoliberais conseguiram jogar a renda dos mais pobre ainda mais para baixo. Entre 1990 a 1996, a média foi de 12% da renda apropriada pelos 50% mais pobres. O fato de, ao longo dos dois primeiros anos do Plano Real, ter havido uma pequena e efêmera melhoria nos termos da distribuição de renda, foi usada indevidamente como propagando pelos neoliberais.
Porém, como evidenciam os dados disponíveis para 97, esse acidente foi passageiro e não alterou a tendência concentradora da década do neoliberalismo. A desindexação dos salários promovida pelo governo FHC foi decisiva para superar a pequena distribuição acidental ocorrida em 1995. Mais desemprego, mais concentração de renda e menos gastos sociais. Dados de fontes as mais variadas apontam a redução dos gastos sociais e, ao mesmo tempo, o aumento dos gastos financeiros do Estado brasileiro ao longo dos anos 90.
Essa redução dos gastos sociais do Estado apóia-se numa visão produzida pelo neoliberalismo, segundo a qual a política social do Estado deve gastar menos e de modo focalizado: a ordem é concentra os gastos num pacote mínimo de serviços (ensino público somente na etapa fundamental, medicina pública apenas nos cuidados básicos, simples e baratos, etc.) focado apenas na população pobre e miserável.
A nova configuração político-jurídica do capitalismo brasileiro, nascido da transição conservadora em 1985 e legitimada na constituinte de 1988, é produto de um pacto de elite, restabelecendo os direitos civis e garantindo alguns direitos sociais e a manutenção das estruturas econômicas da classe dominante, como o monopólio do capital financeiro, da propriedade privada das terras, dos grandes meios de comunicação, dos conglomerados industriais e comerciais.
Este pacto de elite, que na concepção gramsciana se denomina como “transformismo”[4], se configurou no Brasil, em que a transição da ditadura militar para um regime democrático burguês não significou alteração no conteúdo da dominação de classe e tampouco abalou os alicerces do capitalismo. A transição teve caráter conservador e controlado sob rédeas pelas classe dominante brasileira, para que não fugisse do seu controle e interesses.
O neoliberalismo, desde meados da década de 1970, avançou em nível mundial a partir dos países centrais e se estabeleceu como modelo hegemônico. Segundo Chico de Oliveira(1998)[5], no Brasil começou a ser implantado tardiamente, comparando-se a outros países da América Latina. Somente com a posse de Collor esse modelo começou a ser aplicado de forma orgânica e global em nosso país. Collor se elegeu como o “anjo salvador” da burguesia brasileira, depois do duro embate contra a candidatura de esquerda democrática e popular – Lula – e, ainda segundo Oliveira , com ele foi eleito o primeiro projeto neoliberal conscientemente articulado, tomando o déficit estatal como o fulcro dos problemas a serem atacados, para que o país chegasse à modernidade.
A chegada de Fernando Collor ao governo central ocorreu num contexto internacional de contra ofensiva econômica, política, ideológica e militar do imperialismo[6], fortalecida pelo colapso dos países socialistas do Leste Europeu e da URSS. Nos anos 1980, ainda segundo esse autor, o consenso nacional que presidiu as transformações era o de que o centro dos problemas do país era o déficit social, isto é, o reconhecimento de que a ditadura havia conseguido expandir a economia, sem no entanto distribuir renda. A constituinte (1987-1988) for marcada por esse clima, depois das grandes mobilizações sociais a favor de suas reivindicações.
Esse movimento se dava na contramão da hegemonia neoliberal nos outros países do Continente e em escala mundial. No final da década de 1980 (ainda com Sarney) a tese da “ingovernabilidade”, refletida na idéia de que a nova constituição tornaria o Estado brasileiro impossivel de ser dirigido, pela quantidade excessiva de demanda que aprovara, diante da crise fiscal que se havia desenhado no país desde que a crise da dívida externa, havia feito que esta passasse a comandar as políticas econômicas dos vários governos.
Uma das particularidades da experiência neoliberal no Brasil não está na aplicação desse programa por uma força política que reinvidica a social democracia. Essa experiência (um governo de perfil social democrata aplicando um programa e uma agenda econômica e política de matriz neoliberal) já havia ocorrido com Miterrand, na França, com Felipe Gonzalez, na Espanha, assim como o PRI, no México, com Ménem, na Argentina e com o Partido Socialista, no Chile. A particularidade se dá no fato de que Fernando Henrique Cardoso não derrota uma força de direita – Como se deu nos casos que citamos – mas refunda a direita, unificando todos os seus setores , tendo somente a esquerda como força opositora. FHC reunificou a direita e renovou seu discurso, dando-lhe álibi de modernização liberal, como cobertura para as velhas práticae de privatização do Estado.
Como todas as versões latino americanas, o programa neoliberal brasileiro tomou o combate à inflação e à estabilização como centro. Seu caráter neoliberal ficou caracterizado pela responsabilizaçào do Estado no descontrole inflacionário e pelas medidas de corte de gastos públicos, de privatização das empresas estatais, de abertura da economia ao exterior – supostamente para baratear os preços internos e incentivar a competitividade – e da desregulamentação [7]geral da economia.
No Brasil, como em outros países da América Latina, essa inserção à nova ordem se deu (e se dá) de forma subordinada, dependente e tardia. Os trabalhadores pagaram (e ainda pagam) os efeitos amargos dessa inserção.
O executivo federal – a burocracia técnica e o estamento político que se formou em torno de FHC – cumpriu o papel de agência central de implementação das políticas neoliberais no Brasil. O governo central foi um núcleo forte e compacto, do ponto de vista técnico e político-ideológico do neoliberalismo brasileiro.
É do executivo federal que partem todas as políticas produzidas pelo Banco Mundial e pelo FMI e de onde emanam todas as suas estratégias de implementação das políticas econômicas e sociais compensatórias, sob a forma de privatizações, terceirizações, descentralização e municipalização ( onde os municípios assumem a função de executores e gestores, mas a formulação e o financiamento ficam aprisionados nas mãos do executivo federal) de focalização ( o Estado funciona como um distribuidor compensatório de migalhas sociais , à base de conta gotas e de clientelismo, alívio da exclusão e para impedir a ampliação do esgarçamento do tecido social.
[1] A estratégia da focalização tem por finalidade dirigir as ações governamentais apenas em alguns grupos sociais. Seguindo as diretrizes dos organismos multilateriais de investimentos – Banco Mundial entre eles – trata-se de aliviar os efeito colateral das políticas de ajuste fiscal, e de compensar as populações pobres com medidas de efeitos cosméticos, como distribuição de cestas básicas de alimentos, bolsas de fragmentos de direitos, tais como bolsa-escola, renda mínima, seguro desemprego, medicamentos, etc, cursos aligeirados e superficiais de treinamento profissional, entre outras medidas paliativas, que não enfrentam os perversos mecanismos de produção da pobreza, que é a própria acumulação capitalista e suas lógicas de lucro, exploração e concentração de capital . Segundo Oliveira, no campo educacional, por exemplo, exclui-se o direito a uma educação básica universal e privilegia-se o ensino fundamental. No campo dos direitos sociais, as ações de governo privilegiam o que o neoliberalismo chama de excluídos. Neste trabalho, temos optado pela categoria sobrantes.
[2] Sobre estes temas, que não é o foco de nosso trabalho, há uma vasta bibliografia e iniciativas institucionais e populares em desenvolvimento no Brasil. Como literatura, entre tantas, destacamos três trabalhos bastante visitados: LIA TIRIBA: Economia Popular e Cultura do Trabalho (Pedagogia da Produção Associada), tese de doutoramento, UFF, 1998. PAUL SINGER: Uma Utopia Miliante (Repensando o Socialismo) ,Vozes, RJ, 1998. MARCOS ARRUDA: Globalização da Solidariedade, PACS, 2000. Sugerimos, também, o caderno produzido pela CUT sobre sindicalismo e economia solidária, em 1998, que serviu de base para o desenvolvimento das Agências de Desenmvolvimentro Solidário - ADS/CUT – www.cut.org.br ; a revista PROPOSTA, vários números, publicadas pela FASE; as publicações da ANTEAG; Associação Nacional de Trabalhadores em Empresas Autogestionárias – www.anteag.org.br.
e os trabalhos desenvolvidos pelo Fórum de Cooperativismo do Rio de Janeiro, que tem sua secretaria atual no CEDAC – Centro de Ação Comunitária do RJ. www.cedac.or.br. e o Fórum Social Mundial, que nas tr6es ediçòes brasileiras produziu vasto material, debates, experiências e estudos sobre as alternativas anticapitalistas de enfrentamento do desemprego e da exclusão social.
[3] O capitalismo revolucionou o modo de produção feudal. O seu nascimento e suas formas de estruturar a produção teve como base a constituição de um contrato social, com pressuposto na existência de uma sociedade civil e do Estado. O capitalismo produziu a transição de um mundo jusnaturalista, onde imperavam as paixões, as guerras, o desentendimento, as dominações dos fortes contra os fracos, para um estágio onde a equilíbrio social pressupõe a primazia da razão sobre a paixão, da segurança sobre a guerra, do respeito e garantia da liberdade e da propriedade sobre a dominação e a anarquia, pressupostos estes que só têm possibilidade de existir sob a presença do Estado,. Ver Jefferson (Declaração de Independência dos Estados Unidos) e em Pocrovski (1985), (História da Ideologias), e Locke (2000) . A busca e a manutenção de direitos fundamentais, como a vida, a liberdade e o bem estar, fazem os homens constituírem governos, como escolha soberana do povo para que este venham cuidar de seus interesses, e com o pleno direito de os derrubarem, quando esses direitos são desrespeitados. O Estado estabeleceria um pacto social e político, onde este, com a concordância da sociedade, deve zelar pela tranquilidade dos cidadãos, garantir, de modo racional, os direitos essenciais como a segurança, a propriedade, a liberdade individual, preservação da paz e a proteção contra as guerras. Esse pacto visa garantir o bem público, de interesse da sociedade. O Capitalismo liberal, enquanto modo de produção baseado na propriedade privada, na racionalidade produtiva, no Estado como regulador social, e no mercado como regulador econômico, antítese do modo de produção e da sociedade feudal. As leis regem a vida social e política, a livre competição derruba o monopólio régio no controle da produção e do comércio.
[4] O processo em que, para manter sua hegemonia, as classes dominantes alteram suas formas de dominação política, sem que se modifique seu conteúdo essencial da dominação de classe.
[5] Chico de Oliveira em aula aos alunos da Pós graduação em Educação da UFF (1998)
[6] Utilizamos aqui a categoria imperialismo, recorrente em Petras (2000) , e Boito Jr (1999). conforme já abordamos anteriormente, neste capítulo, como expressão da nova hegemonia capitalista, capitaneada pelos EUA.
[7] Segundo Elizabeth Serra Oliveira, o mecanismo da desregulamentação siginfica a supressão de leis, normas, regulamentos e garantias que possam inibir a livre concorrência e a livre regulamentação da economia e da sociedade pelas leis naturais do mercado. Nela está implícita a retirada do Estado como responsável pela formulação, desenvolvimento e controle das políticas públicas de interesse social.
( Diferentes sujeitos e novas abordagens da educação popular urbana no Brasil, dissertação de Mestrado, defendida em 2002, na Faculdade de Educação da UFF. ) .
ABISMO SOCIAL E DESTRUTIVIDADE CAPITALISTA
2. 2 . 1. – O abismo social da racionalidade destrutiva capitalista
(Por Helder Molina)
Capítulo 2, parte 2.2., de minha dissertação de mestrado em educação UFF
A última década do século XX (1990-2000) foi marcada por uma profunda metamorfose do capital, com uma avassaladora ofensiva da ideologia neoliberal, das políticas de livre mercado e pela tentativa de implementar a ditadura do pensamento único. O retrato do produto social da metamorfose destrutiva do capitalismo é dramático para a humanidade: Ano a ano o fosso separa os incluídos dos excluídos: os ricos ficam mais ricos e os pobres ficam mais pobres. Em 34 anos, o quinhão dos excluídos na economia global minguou 2,3% para 1,1%.
Segundo dados do Banco Mundial (1999)[1] metade da população (pouco mais de 3 bilhões de pessoas) vive com menos de US$ 2,0 por dia e 1,2 bilhão de pessoas vivem com menos de US$ 1,0 ao dia. Menos de 20% da população mundial detém uma renda de mais de 80% do total mundial. O desemprego em massa e empregos precarizados caracterizam hoje a maioria dos mercados de trabalho no mundo – Um bilhão e duzentos mil desempregados no mundo, a taxa aberta de desemprego varia de 10% a 22 % na Europa.
Estatísticas tão alarmantes se explicitam nos países periféricos da América Latina, África e Ásia. Somente em São Paulo há aproximadamente 1.700.000 trabalhadores desempregados. A concentração chegou ao ponto de o patrimônio conjunto de 225 pessoas mais ricas do mundo têm uma renda equivalente a dos 50% mais pobres do mundo, ou seja, 3 bilhões de pessoas. As 200 maiores empresas multinacionais controlam 25%, do PIB mundial (valor total de produtos e serviços realizados anualmente). Assim, consideramos que a globalização ampliou ainda mais a concentração de riqueza e poder.
Desde 1960, quando os ricos ganhavam 30 vezes mais que os pobres, a concentração da renda mundial mais que dobrou. Em 1994, os 20% mais ricos abocanharam 86% de tudo o que foi produzido no mundo. Sua renda era 78 vezes superior dos 20% mais pobres. Menos de 5% da população mundial tem acesso à Internet.
Segundo o relatório da PNUD/2000 da ONU [2], com tantas desvantagens competitivas, a imensa maioria dos perdedores do processo de globalização estão nos países periféricos do capitalismo. Mas os perdedores também estão nos países centrais. Cerca de 100 milhões de pessoas que vivem abaixo da linha de pobreza, vivem no centro da Europa, do Japão, dos antigos Tigres Asiáticos (Coréia do Sul, Singapura, Hong Kong, Taiwam, Indonésia), nos EUA e no Canadá.
Além da concentração de riquezas, o fluxo internacional de recursos aprofunda as disparidades mundiais. Mais de 90% dos investimentos estrangeiros diretos vão para os EUA, Japão, Europa central e oito províncias da China. Os demais países, com 20% da população mundial, ficam com menos de 10% dos investimentos. Isso significa que regiões como a África, Américas Central e do Sul e Oriente Médio, estão excluídas dos avanços tecnológicos.
2. 2. 2 . - Mundialização do capital, neoimperalismo?
A chamada globalização ou mundialização do capital, significou ( e ainda significa) o aprofundamento da situação de pobreza e exclusão para 2/3 da população do planeta, impossibilitados de participar da “nova era” do capital. A ideologia da globalização, surge a partir de uma reconfiguração do domínio dos capitais na ordem mundial neste final do século XX. “O atual processo de globalização é, na realidade, um novo estágio de desenvolvimento do capitalismo, constituindo-se em reestruturação das suas formas de produção e organização social” (Oliveira, 2001: 48).
A partir dos anos 1980, os ajustes estruturais, capitaneados pelo FMI e pelo Banco Mundial, estabeleceram uma nova agenda econômica e sócio-política, de acordo com o chamado Consenso de Washington que, essencialmente, pode ser resumido em redução drástica dos gastos sociais públicos, com vistas ao equilíbrio orçamentário; irrestrita abertura comercial, com eliminação de barreiras e redução de tarifas; predomínio do capital financeiro e seu livre trânsito e ingresso em escala planetária, desregulamentação dos mercados e dos direitos trabalhistas, com revogação de todos os obstáculos e intervenções do Estado nos agentes econômicos, e finalmente um agressivo e amplo processo de privatização das empresas e dos serviços ligados ao Estado. Nessa agenda de liberalização e flexibilização, o mercado é alçado ao papel de regulador de todas as relações econômicas e sociais, e o Estado é reduzido às funções mínimas.
Alguns estudos (Ianni, 1996, Martin & Schumann, 1988, Boito, 1999)[3] destacam as principais conseqüências desse modelo de globalização para os países periféricos são elas: 1) incorporação de empresas de capital nacional por empresas transnacionais; 2) subalternização de empresas de capital nacional; 3) depreciação do valor das matérias-primas; 4) pressão de déficits na balança comercial dos países dependentes; 5) dependência de tecnologias de ponta; 6) enfraquecimento do controle das economias nacionais pelos governos federais; 7) acirramento dos desequilíbrios econômicos regionais; 8) surgimento de ilhas de prosperidade; 9) inchamento de cidades para onde os pobres se deslocam em movimentos migratórios; 10) ampliação do montante das dívidas externa e interna; 11) perda da soberania da nação; 12) desemprego em massa; 13) ampliação da informalidade e de práticas econômicas consideradas contravenção; 14) precarização das condições de saúde pública, e muitas outras conseqüências.
O atual estágio de desenvolvimento e expansão do capitalismo está cercado de polêmicas teóricas sobre sua conceituação. Nesse emaranhado de conceitos e categorias, para nós, trata-se de entender qual o sentido de ser do capitalismo, sua lógica interna e sua expressão enquanto fenômeno. Aqui, numa perspectiva de buscar a totalidade, em seus fenômenos e na sua essência, e nela as suas contradições, procuramos dissecar e discutir os elementos econômicos desse novo estágio de hegemonia do capital e de dominação capitalista, que segundo alguns autores como Petras (2000)[4], pode ser definida como de novo imperialismo.
Segundo Petras (2000), das 500 maiores empresas e bancos do mundo, cerca de 238, quase 48%, são dos Estados Unidos e outras 153, o que equivale a 30 %, são dos países do G7 pertencentes à Comunidade Européia. Somente 10% pertencem ao Japão. Em outras palavras, 90% das maiores corporações que dominam os setores industrial, financeiro e comercial são estadunidenses, européias e japonesas. O poder econômico financeiro se concentra em três unidades econômico- geográficas e constituem um novo imperialismo das corporações multinacionais protegidas e ancoradas em Estados-Nações, com completa hegemonia econômica, política e militar dos Estados Unidos, como o demonstram a recente guerra contra o Iraque.
Os dados analisados por Petras afirmam que cinco dos 10 principais bancos são estadunidenses, assim como seis das 10 maiores empresas farmacêuticas e de biotecnologia, 04 das maiores companhias de gás e petróleo (que dominam 80% do mercado desse setor) e 09 das maiores redes de comércio varejista. A hegemonia estadunidense se concentra também no setor de tecnologia da informação, comunicações e indústria cultural e na chamada “nova economia” (Internet, softwares e computadores).
Essa supremacia fica mais vertebrada quando verificamos a completa ausência da África e da América Latina nessa relação, e que os “Tigres Asiáticos” participam com apenas 1% dela. As implicações desta concentração de poder mostra o quanto é falacioso, um verdadeiro fetiche enganador, o discurso de “liberalismo” pregado pelos Estados Unidos.
O neoliberalismo praticado pelas nações mais ricas do mundo é, na verdade, um protecionismo mercantilista com fortes subsídios dos Estados nacionais. Um exemplo é a proposta aprovada pelos Congresso dos EUA, em maio de 2002, de liberar a quantia de 182 bilhões de dólares como subsídios diretos à sua agricultura, protegendo mais seu mercado interno e aumentando a competitividade no externo. Aumentando mais do que nunca a presença e proteção do Estado para garantir os lucros do grande capital.
Aos outros países e governos da periferia do capitalismo a ordem é severa: Nada de proteção ou subsídios, total abertura econômico-financeira e comercial O livre comércio é um argumento que visa apenas aumentar a competitividade e a ampliação de mercados consumidores para os produtos e serviços estadunidenses. A concentração do capital e do poder econômico configuram um ferrenho monopólio sobre os chamados mercados mundiais. As transações financeiras e o comércio farmacêutico e de produtos de informática e de seguros estão nas mãos de 10 empresas de origem estadunidense e européia.
Mas esse império e seu imperialismo têm os pés atolados em seu próprio gigantismo. O aumento dos gastos militares em quase 20% durante o governo Bush, para responder às exigência da indústria bélica e as reduções de impostos dos mais ricos, vêm provocando cortes de recursos para as áreas sociais e aumentando seu déficit orcamentário. Sua balança de pagamentos tem apresentado índices \negativos e seu déficit comercial alcançou cifras da ordem de 500 milhões de dólares.
Aos movimentos sociais e aos Estados que lutam contra esse novo imperialismo econômico e político-militar, só existe possibilidade de enfrentamento se for colocada a estratégia de socializar esses monopólios nos locais onde eles operam, resistir localmente, desenvolver as economias nacionais, e inverter as regras do comércio internacional, buscando novos parceiros e incentivando a produção e circulação interna.
[1] Banco Mundial, ver dados de 1999, publicados no Caderno “Auditoria da Dívida Externa,” campanha jubileu 2000, um milênio sem dívidas, tribunal da dívida, campanha pelo anulação das dívidas dos países do Hemisfério Sul, Rio de Janeiro, 2000.
[2] Dados da PNUD disponíveis no site do Observatório Social da CUT, agosto de 2002. CUT BRASIL. E no Caderno: Intituições Financeiras Multilaterais, Secretaria Nacional de Formação/Secretaria de Relações Internacionais, SP, julho/2000.
[3] Sobre a noção de globalização ver Ianni, Otávio. A era do Globalismo. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1996. Especialmente o capitulo IV “Nação e globalização. Como também, Martin, Hans-Peter & Schumann, Harald. A armadilha da globalização: O assalto à democracia e ao bem-estar social, ed. Globo, 4ª edição, São Paulo, 1998.
[4] James Petras é um importante intelectual marxista estadunidense, que há mais de duas décadas estuda as economias e as sociedades latino americanas e dos países periféricos do capitalismo, e escreveu, dentre outra obras importantes, “O Brasil de Cardoso.” (2000), uma radiografia da destruição da economia e do patrimônio público nos 0ito anos de seu governo. Sobre o capitalismo mundial, para sustentar sua tese de que presenciamos uma unilateral afirmação da dominação estadunidense, com nome de globalização, que denomina de novo imperialismo, ele cita dados do Financial Times, para comprovar essa supremacia econômico produtiva, finaceiro comercial, tecnológica e geo político-militar.
(Por Helder Molina)
Capítulo 2, parte 2.2., de minha dissertação de mestrado em educação UFF
A última década do século XX (1990-2000) foi marcada por uma profunda metamorfose do capital, com uma avassaladora ofensiva da ideologia neoliberal, das políticas de livre mercado e pela tentativa de implementar a ditadura do pensamento único. O retrato do produto social da metamorfose destrutiva do capitalismo é dramático para a humanidade: Ano a ano o fosso separa os incluídos dos excluídos: os ricos ficam mais ricos e os pobres ficam mais pobres. Em 34 anos, o quinhão dos excluídos na economia global minguou 2,3% para 1,1%.
Segundo dados do Banco Mundial (1999)[1] metade da população (pouco mais de 3 bilhões de pessoas) vive com menos de US$ 2,0 por dia e 1,2 bilhão de pessoas vivem com menos de US$ 1,0 ao dia. Menos de 20% da população mundial detém uma renda de mais de 80% do total mundial. O desemprego em massa e empregos precarizados caracterizam hoje a maioria dos mercados de trabalho no mundo – Um bilhão e duzentos mil desempregados no mundo, a taxa aberta de desemprego varia de 10% a 22 % na Europa.
Estatísticas tão alarmantes se explicitam nos países periféricos da América Latina, África e Ásia. Somente em São Paulo há aproximadamente 1.700.000 trabalhadores desempregados. A concentração chegou ao ponto de o patrimônio conjunto de 225 pessoas mais ricas do mundo têm uma renda equivalente a dos 50% mais pobres do mundo, ou seja, 3 bilhões de pessoas. As 200 maiores empresas multinacionais controlam 25%, do PIB mundial (valor total de produtos e serviços realizados anualmente). Assim, consideramos que a globalização ampliou ainda mais a concentração de riqueza e poder.
Desde 1960, quando os ricos ganhavam 30 vezes mais que os pobres, a concentração da renda mundial mais que dobrou. Em 1994, os 20% mais ricos abocanharam 86% de tudo o que foi produzido no mundo. Sua renda era 78 vezes superior dos 20% mais pobres. Menos de 5% da população mundial tem acesso à Internet.
Segundo o relatório da PNUD/2000 da ONU [2], com tantas desvantagens competitivas, a imensa maioria dos perdedores do processo de globalização estão nos países periféricos do capitalismo. Mas os perdedores também estão nos países centrais. Cerca de 100 milhões de pessoas que vivem abaixo da linha de pobreza, vivem no centro da Europa, do Japão, dos antigos Tigres Asiáticos (Coréia do Sul, Singapura, Hong Kong, Taiwam, Indonésia), nos EUA e no Canadá.
Além da concentração de riquezas, o fluxo internacional de recursos aprofunda as disparidades mundiais. Mais de 90% dos investimentos estrangeiros diretos vão para os EUA, Japão, Europa central e oito províncias da China. Os demais países, com 20% da população mundial, ficam com menos de 10% dos investimentos. Isso significa que regiões como a África, Américas Central e do Sul e Oriente Médio, estão excluídas dos avanços tecnológicos.
2. 2. 2 . - Mundialização do capital, neoimperalismo?
A chamada globalização ou mundialização do capital, significou ( e ainda significa) o aprofundamento da situação de pobreza e exclusão para 2/3 da população do planeta, impossibilitados de participar da “nova era” do capital. A ideologia da globalização, surge a partir de uma reconfiguração do domínio dos capitais na ordem mundial neste final do século XX. “O atual processo de globalização é, na realidade, um novo estágio de desenvolvimento do capitalismo, constituindo-se em reestruturação das suas formas de produção e organização social” (Oliveira, 2001: 48).
A partir dos anos 1980, os ajustes estruturais, capitaneados pelo FMI e pelo Banco Mundial, estabeleceram uma nova agenda econômica e sócio-política, de acordo com o chamado Consenso de Washington que, essencialmente, pode ser resumido em redução drástica dos gastos sociais públicos, com vistas ao equilíbrio orçamentário; irrestrita abertura comercial, com eliminação de barreiras e redução de tarifas; predomínio do capital financeiro e seu livre trânsito e ingresso em escala planetária, desregulamentação dos mercados e dos direitos trabalhistas, com revogação de todos os obstáculos e intervenções do Estado nos agentes econômicos, e finalmente um agressivo e amplo processo de privatização das empresas e dos serviços ligados ao Estado. Nessa agenda de liberalização e flexibilização, o mercado é alçado ao papel de regulador de todas as relações econômicas e sociais, e o Estado é reduzido às funções mínimas.
Alguns estudos (Ianni, 1996, Martin & Schumann, 1988, Boito, 1999)[3] destacam as principais conseqüências desse modelo de globalização para os países periféricos são elas: 1) incorporação de empresas de capital nacional por empresas transnacionais; 2) subalternização de empresas de capital nacional; 3) depreciação do valor das matérias-primas; 4) pressão de déficits na balança comercial dos países dependentes; 5) dependência de tecnologias de ponta; 6) enfraquecimento do controle das economias nacionais pelos governos federais; 7) acirramento dos desequilíbrios econômicos regionais; 8) surgimento de ilhas de prosperidade; 9) inchamento de cidades para onde os pobres se deslocam em movimentos migratórios; 10) ampliação do montante das dívidas externa e interna; 11) perda da soberania da nação; 12) desemprego em massa; 13) ampliação da informalidade e de práticas econômicas consideradas contravenção; 14) precarização das condições de saúde pública, e muitas outras conseqüências.
O atual estágio de desenvolvimento e expansão do capitalismo está cercado de polêmicas teóricas sobre sua conceituação. Nesse emaranhado de conceitos e categorias, para nós, trata-se de entender qual o sentido de ser do capitalismo, sua lógica interna e sua expressão enquanto fenômeno. Aqui, numa perspectiva de buscar a totalidade, em seus fenômenos e na sua essência, e nela as suas contradições, procuramos dissecar e discutir os elementos econômicos desse novo estágio de hegemonia do capital e de dominação capitalista, que segundo alguns autores como Petras (2000)[4], pode ser definida como de novo imperialismo.
Segundo Petras (2000), das 500 maiores empresas e bancos do mundo, cerca de 238, quase 48%, são dos Estados Unidos e outras 153, o que equivale a 30 %, são dos países do G7 pertencentes à Comunidade Européia. Somente 10% pertencem ao Japão. Em outras palavras, 90% das maiores corporações que dominam os setores industrial, financeiro e comercial são estadunidenses, européias e japonesas. O poder econômico financeiro se concentra em três unidades econômico- geográficas e constituem um novo imperialismo das corporações multinacionais protegidas e ancoradas em Estados-Nações, com completa hegemonia econômica, política e militar dos Estados Unidos, como o demonstram a recente guerra contra o Iraque.
Os dados analisados por Petras afirmam que cinco dos 10 principais bancos são estadunidenses, assim como seis das 10 maiores empresas farmacêuticas e de biotecnologia, 04 das maiores companhias de gás e petróleo (que dominam 80% do mercado desse setor) e 09 das maiores redes de comércio varejista. A hegemonia estadunidense se concentra também no setor de tecnologia da informação, comunicações e indústria cultural e na chamada “nova economia” (Internet, softwares e computadores).
Essa supremacia fica mais vertebrada quando verificamos a completa ausência da África e da América Latina nessa relação, e que os “Tigres Asiáticos” participam com apenas 1% dela. As implicações desta concentração de poder mostra o quanto é falacioso, um verdadeiro fetiche enganador, o discurso de “liberalismo” pregado pelos Estados Unidos.
O neoliberalismo praticado pelas nações mais ricas do mundo é, na verdade, um protecionismo mercantilista com fortes subsídios dos Estados nacionais. Um exemplo é a proposta aprovada pelos Congresso dos EUA, em maio de 2002, de liberar a quantia de 182 bilhões de dólares como subsídios diretos à sua agricultura, protegendo mais seu mercado interno e aumentando a competitividade no externo. Aumentando mais do que nunca a presença e proteção do Estado para garantir os lucros do grande capital.
Aos outros países e governos da periferia do capitalismo a ordem é severa: Nada de proteção ou subsídios, total abertura econômico-financeira e comercial O livre comércio é um argumento que visa apenas aumentar a competitividade e a ampliação de mercados consumidores para os produtos e serviços estadunidenses. A concentração do capital e do poder econômico configuram um ferrenho monopólio sobre os chamados mercados mundiais. As transações financeiras e o comércio farmacêutico e de produtos de informática e de seguros estão nas mãos de 10 empresas de origem estadunidense e européia.
Mas esse império e seu imperialismo têm os pés atolados em seu próprio gigantismo. O aumento dos gastos militares em quase 20% durante o governo Bush, para responder às exigência da indústria bélica e as reduções de impostos dos mais ricos, vêm provocando cortes de recursos para as áreas sociais e aumentando seu déficit orcamentário. Sua balança de pagamentos tem apresentado índices \negativos e seu déficit comercial alcançou cifras da ordem de 500 milhões de dólares.
Aos movimentos sociais e aos Estados que lutam contra esse novo imperialismo econômico e político-militar, só existe possibilidade de enfrentamento se for colocada a estratégia de socializar esses monopólios nos locais onde eles operam, resistir localmente, desenvolver as economias nacionais, e inverter as regras do comércio internacional, buscando novos parceiros e incentivando a produção e circulação interna.
[1] Banco Mundial, ver dados de 1999, publicados no Caderno “Auditoria da Dívida Externa,” campanha jubileu 2000, um milênio sem dívidas, tribunal da dívida, campanha pelo anulação das dívidas dos países do Hemisfério Sul, Rio de Janeiro, 2000.
[2] Dados da PNUD disponíveis no site do Observatório Social da CUT, agosto de 2002. CUT BRASIL. E no Caderno: Intituições Financeiras Multilaterais, Secretaria Nacional de Formação/Secretaria de Relações Internacionais, SP, julho/2000.
[3] Sobre a noção de globalização ver Ianni, Otávio. A era do Globalismo. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1996. Especialmente o capitulo IV “Nação e globalização. Como também, Martin, Hans-Peter & Schumann, Harald. A armadilha da globalização: O assalto à democracia e ao bem-estar social, ed. Globo, 4ª edição, São Paulo, 1998.
[4] James Petras é um importante intelectual marxista estadunidense, que há mais de duas décadas estuda as economias e as sociedades latino americanas e dos países periféricos do capitalismo, e escreveu, dentre outra obras importantes, “O Brasil de Cardoso.” (2000), uma radiografia da destruição da economia e do patrimônio público nos 0ito anos de seu governo. Sobre o capitalismo mundial, para sustentar sua tese de que presenciamos uma unilateral afirmação da dominação estadunidense, com nome de globalização, que denomina de novo imperialismo, ele cita dados do Financial Times, para comprovar essa supremacia econômico produtiva, finaceiro comercial, tecnológica e geo político-militar.
O DEUS MERCADO E A RELIGIÃO DO DINHEIRO
2. 1. 1. - O deus mercado e a religião do dinheiro:
(Por Helder Molina)
Catítulo 2, parte 2.1, de minha dissertação de mestrado em educação UFF
A antropologia explica que,
“em algumas religiões pagãs, os deuses manifestam seus sentimentos por meio de seus oráculos ou, em casos extremos, por meio de fenômenos agressivos da natureza, como furações, hecatombes, maremotos ou terremotos. Para conter suas fúrias destrutivas, é preciso agradá-los com oferendas ou eles mandam secas sobre as plantações e pestes sobre os animais. Os Incas, por exemplo, sacrificavam meninas virgens, emparedavam-nas para aquietar e saciar a ira dos deuses”( Veríssimo, 1997:06) .
O capitalismo contemporâneo, no seu estágio do fundamentalismo do dinheiro e da fetichização absoluta da mercadoria, ungiu o mercado como um deus vingativo e ameaçador. Os capitalistas, em resposta às exigências do seu deus, oferecem a essas divindades como presentes os direitos fundamentais da vida humana, comer, beber, vestir-se, trabalhar, morar e se educar. Mais que isso, oferece o sacrifício de milhões de vidas, para satisfazer sua sanha destrutiva.
O mercado, nestes tempos de fundamentalismos, é interpretado pelos seus oráculos, como um ser genioso, temperamental, ansioso, intempestivo, assumindo “comportamentos” imaginários de seres humanos, esparramado em sua poltrona, ansioso, ajeitando os óculos para ler, sério, carrancudo, as resenhas dos jornais e revistas, preparadas por seus assessores do FMI, Banco Mundial, Federal Reserve e OMC. À noite, antes de dormir seu sono sem remorsos, liga aos assessores que, como porta-vozes, dizem: Corta, ajusta, demite, enxuga, aumenta taxa de lucro, acumula mais. Os grandes sacerdotes do mercado, os banqueiros, as grandes corporações empresariais transnacionais, os latifundiários e os financistas das bolsas de valores cuidam para que ele não adoeça, e ficam de um lado para outro, examinando sua pressão e sua gula.
Os ideólogos do capital psicologizaram o mercado e antropomofizaram suas relações. Seus oráculos, tal como num balcão de negócios, faturam alto com sua fome insaciável e sua ameaçadora presença.
“os cotações nas bolsas caíram no final da tarde, e o dólar voltou a subir. O mercado amanheceu calmo, ao longo do dia, em função dos acontecimentos de um documento secreto do MST, propondo invadir bancos e orgãos do governo, o mercado ficou nervoso, impaciente, e os investidores resolveram ter cautela, para não correr riscos”. ( FSP, P. A 5, )
O espetáculo da mercadoria e sua relação com os indivíduos se tece em meio a um sistema articulado que inclui a estética dos corpos, mentes, fios, antenas, tinta, papel, propaganda e máquinas complexas e diversificadas. Uma nova cultura do consumo e da reprodutibilidade descartável. Um anúncio de uma agência de empregos, diz: “Você é um produto, venda você, não seja descartável, faça-se ver, apresenta-se com convincente embalagem, o mercado te procura!”
Ela depende da consciência das pessoas, e das sociedades, de mudanças de seus valores, símbolos. Só a cultura dá solidez às convicções e produz a maturação de novas mentalidades. Para Konder
“a cultura deixou de ser uma forma de produção que comportava determinadas características artesanais, tornando-se uma forma de produção claramente industrial. A cultura passou a ser um dos pilares da arquitetura dessa nova ordem. Nunca uma sociedade investiu tanto em publicidade e em propaganda como a capitalista contemporânea. Existe uma manipulação do desejo, um condicionamento do apetite, do tesão. Tudo é muito condicionado pela indústria cultural. O capitalismo demonstra grande capacidade de se metamorfosear, e a cultura, ou a indústria cultural - para usar um conceito de Adorno - é um dos principais fatores dessa mudança de forma e conteúdo. (Konder, 2000)
Para Luckács, segundo Konder (2000), “a política é o meio; a cultura é o fim.”. Isso, justamente porque a política pode transforma as instituições em ritmo mais rápido, mas as mudanças mais profundas, estruturais, brotam suas raízes e ganham corpo, afloram, amadurecem e dão frutos no terreno do tempo longo, na história de longa duração.
A indústria da cultura, principalmente com as novas mídias eletrônicas, revitalizou seu modo de produção, através da manipulação do consumo. Se no século XIX o capitalismo dominava a produção, a partir do século XX ele podia fazer concessões ao trabalhador porque em seguida ele explorava o trabalhador pelo consumo.
– O sócio metabolismo destrutivo do capital.
“As injustiças multiplicam-se, as desigualdades agravam-se, a ignorância cresce, a miséria se alastra. A mesma esquizofrênica humanidade, capaz de enviar instrumentos a um planeta, para estudar a composição das suas rochas, assiste indiferente a morte de milhões de crianças pela fome. Chega-se mais facilmente a Marte, do que ao nosso próprio semelhante (Saramago, em discurso no Prêmio Nobel de Literatura, 2000)
Mészaros (2002) vê no capitalismo uma propensão destrutiva. Para ele, no atual padrão societário está em vigência um sócio metabolismo que confere aos bens duráveis um peso muito maior do que os bens não duráveis. O sistema de capital movido pela lei do lucro e pelo seu imperativo genético de expandir e acumular, alimentada pela extração de trabalho excedente , revolucionou a composição orgânica do capital, com enorme desenvolvimento do capital fixo e da capacidade produtiva dos meios de produção, como maquinarias de ponta, ciência e tecnologia, em detrimento do capital variável, que tem se tornado cada vez mais descartável.
Produto disso é a manifestação do seu caráter destrutivo, com esgotamento da natureza e seus ecossistemas, suportes fundamentais do metabolismo universal, comprometendo o próprio futuro da humanidade. A contradição absoluta desse processo é que o próprio capitalismo, enquanto sistema político-jurídico e sócio-cultural, foi fundado com base na relação capital-trabalho e assim se consolidou, e agora descarta a força de trabalho como o elemento que era fundamental na sua composição e reprodução. Com a acumulação de trabalho morto, o sistema de capital descarta enorme contingentes de trabalho vivo e expurga no ambiente social capitalista massas gigantescas de seres humanos.
É cada vez mais abreviada a durabilidade dos bens duráveis. Trata-se de uma operação deliberada pelo capital com o objetivo de amplia, no mercado, a saída para a oferta dos bens em expansão crescente. Porque aí estaria outra característica essencial do capital: sua tendência à expansão ilimitada e descontrolada. Meszáros( 2002) expõe a sociedade capitalista, largamente hegemônico no planeta, como uma sociedade perdulária, caracterizada por desperdícios cada vez maiores, atolada na massa crescente de produtos rapidamente descartáveis. É, sob este aspectos, uma sociedade não só destrutiva, mas também auto destrutiva.
Essa destrutividade, segundo Souza Junior (2000), faz parte da normalidade do modo de produção capitalista capitalista, evidenciadas em suas épocas de crises cíclicas, manifestando-se assim na forma de eliminação de capital acumulado, como um preço amargo que se paga pelo progresso. Entretanto, a destrutividade do sistema de capital não se limita aos preços do progresso, como se poderia aceitar acríticamente.
Ele ameaça a própria sobrevivência da humanidade enquanto perdurar sua hegemonia histórica enquanto estruturante do metabolismo global, se agravando ainda mais com o aprofundamento de sua crise. Nesse processo, são produzidos um labirinto de contradições, dificuldades e desastres para os quais não existem resposta sob o sistema de capital e sob o modo de produção capitalista.
A ênfase no desperdício e no descartável se constitui, segundo Gorender, uma novidade em relação à Marx, que focalizou a destrutividade das crises cíclica sem se deter na destrutividade cotidiana, corrente na sociedade capitalista. o atual sócio metabolismo do capital traz uma série de destruições do interesse coletivo da humanidade.
Nessa lógica destrutiva, e para aumentar de maneira acelerada sua acumulação o capital teve que desenvolver algumas estratégias, dentre as quais:
a) – Fazer diminuir a parte do trabalho no produto social, o que se realizou por uma verdadeira ofensiva contra o trabalho, que alguns autores como Mészáros, e Fiori e Frigotto denominam de “A vingança do capital contra o trabalho”: diminuição de sua parte no produto social, pela queda nos salários reais; desregulamentação; diminuição do seguro social e enfraquecimento das organizações dos trabalhadores. Frigotto (2001) argumenta que
“Esses novos paradigmas evidenciam aquilo que Mészaros, Hobsbawn, Antunes caracterizam com uma “crise civilizatória do capitalismo”, que esgotou sua capacidade de civilizar a humanidade, iniciada na Revolução Industrial e na superação do Antigo Regime, e se tornou produtor de catástrofes, misérias e barbáries, que envolvem quase 60% da humanidade. É a lógica destrutiva das forças produtivas, e uma vingança histórica e estrutural do capital sobre o trabalho”. ( Frigotto, 2000)
b) – Fazer diminuir a parte do Estado como redistribuidor de riquezas e árbitro social, o que se fez pelas ondas de privatizaçòes, não somente nos setores econômicos, mas também dos serviços públicos com as políticas de austeridade impostas pelas organizaçòes financeiras internacionais , via programa de ajustes estruturais. Se analisarmos os principais mecanismos da globalização econômica atual podemos notar que realiza-se uma integração dos processos de produção e de distribuição que não têm de levar em conta as fronteiras. Assistimos também a uma concentração da produção, da distribuição e da comunicação nas mãos de grandes empresas cada vez menos numerosas
c) - Destruição da economia: Se a economia é a açào humana destinada a estabelecer as bases materiais da vida e cultural de todos os seres humanos no mundo inteiro, o capitalismo é o sistema mais ineficaz da história humana. Nunca houve tantos pobres, nunca houve tantas distâncias sociais. Isso constitui a primeira base dos atuais fundamentalismos , das intolerâncias, revoltas e resistências.
d) - Destruição da natureza: A exploração da natureza ( e dela fazendo parte os seres humanos) com a idéia de proveito a curto prazo significa desastres ecológicos, destruição de ecossistemas, desajustes climáticos, e o cada acelerado esgotamento dos recursos naturais, como a água, o que tem provocado, nos últimos anos, o desenvolvimento de muitos movimentos ecologistas e mobilizado as cada vez mais contundentes manifestações dos diversos movimentos contra a globalização e anti capitalistas. Faz parte desse processo, entre outros, a persistente recusa do governo estadunidense em assinar o Protocolo de Kioto, de controle da poluição ambiental global, provocada principalmente por suas indústrias, dentro ou fora dos EUA.
e) - Destruição social: Extensão das relações diretas capital/trabalho, o que quer dizer o assalariado, que agora extende-se ao mundo inteiro, mesmo se não de maneira majoritária em todos os setores da atividade coletiva. Movimentos sindicais e camponeses têm aparecido em novas áreas geográficas e em novos setores das atividades econômicas.Extensão da relação indireta capital/trabalho, que afeta sempre cada vez mais grupos sociais no mundo, como a fixaçào dos preços das matérias primas, a dívida externa, a reexportação de capital, os paraísos fiscais, etc., todos obstáculos ao verdadeiro desenvolvimento das economias locais e cujas as consequências afetam bilhões de pessoas.
Trata-se, por exemplo, das mulheres, particularmente afetadas pela feminização da pobreza e o aumento da violência ou, simplesmente, porque a lógica do sistema de exploração capitalista utiliza as relações de gênero em função de seus próprios interesses (por exemplo, salários mais baixos, contabilidade nacional que não leva em conta o trabalho de reconstituição das forças produtivas realizado pelas mulheres, para falar em termos econômicos). Trata-se das resistências dos povos indígenas, que são as primeiras vítimas das novas políticas econômicas e que em suas resistências redefinem seu sentido de intentidade.
Evidentemente não é o capitalismo que inventou o machismo ou patriarcado, a opressão dos povos indígenas, os conflitos étnicos, a marginalização dos jovens. Porém, o capitalismo agravou os conflitos e muitas vezes os utilizou para construir suas estratégias de dominação e absorção de mais valia e sobreproduto.
(Por Helder Molina)
Catítulo 2, parte 2.1, de minha dissertação de mestrado em educação UFF
A antropologia explica que,
“em algumas religiões pagãs, os deuses manifestam seus sentimentos por meio de seus oráculos ou, em casos extremos, por meio de fenômenos agressivos da natureza, como furações, hecatombes, maremotos ou terremotos. Para conter suas fúrias destrutivas, é preciso agradá-los com oferendas ou eles mandam secas sobre as plantações e pestes sobre os animais. Os Incas, por exemplo, sacrificavam meninas virgens, emparedavam-nas para aquietar e saciar a ira dos deuses”( Veríssimo, 1997:06) .
O capitalismo contemporâneo, no seu estágio do fundamentalismo do dinheiro e da fetichização absoluta da mercadoria, ungiu o mercado como um deus vingativo e ameaçador. Os capitalistas, em resposta às exigências do seu deus, oferecem a essas divindades como presentes os direitos fundamentais da vida humana, comer, beber, vestir-se, trabalhar, morar e se educar. Mais que isso, oferece o sacrifício de milhões de vidas, para satisfazer sua sanha destrutiva.
O mercado, nestes tempos de fundamentalismos, é interpretado pelos seus oráculos, como um ser genioso, temperamental, ansioso, intempestivo, assumindo “comportamentos” imaginários de seres humanos, esparramado em sua poltrona, ansioso, ajeitando os óculos para ler, sério, carrancudo, as resenhas dos jornais e revistas, preparadas por seus assessores do FMI, Banco Mundial, Federal Reserve e OMC. À noite, antes de dormir seu sono sem remorsos, liga aos assessores que, como porta-vozes, dizem: Corta, ajusta, demite, enxuga, aumenta taxa de lucro, acumula mais. Os grandes sacerdotes do mercado, os banqueiros, as grandes corporações empresariais transnacionais, os latifundiários e os financistas das bolsas de valores cuidam para que ele não adoeça, e ficam de um lado para outro, examinando sua pressão e sua gula.
Os ideólogos do capital psicologizaram o mercado e antropomofizaram suas relações. Seus oráculos, tal como num balcão de negócios, faturam alto com sua fome insaciável e sua ameaçadora presença.
“os cotações nas bolsas caíram no final da tarde, e o dólar voltou a subir. O mercado amanheceu calmo, ao longo do dia, em função dos acontecimentos de um documento secreto do MST, propondo invadir bancos e orgãos do governo, o mercado ficou nervoso, impaciente, e os investidores resolveram ter cautela, para não correr riscos”. ( FSP, P. A 5, )
O espetáculo da mercadoria e sua relação com os indivíduos se tece em meio a um sistema articulado que inclui a estética dos corpos, mentes, fios, antenas, tinta, papel, propaganda e máquinas complexas e diversificadas. Uma nova cultura do consumo e da reprodutibilidade descartável. Um anúncio de uma agência de empregos, diz: “Você é um produto, venda você, não seja descartável, faça-se ver, apresenta-se com convincente embalagem, o mercado te procura!”
Ela depende da consciência das pessoas, e das sociedades, de mudanças de seus valores, símbolos. Só a cultura dá solidez às convicções e produz a maturação de novas mentalidades. Para Konder
“a cultura deixou de ser uma forma de produção que comportava determinadas características artesanais, tornando-se uma forma de produção claramente industrial. A cultura passou a ser um dos pilares da arquitetura dessa nova ordem. Nunca uma sociedade investiu tanto em publicidade e em propaganda como a capitalista contemporânea. Existe uma manipulação do desejo, um condicionamento do apetite, do tesão. Tudo é muito condicionado pela indústria cultural. O capitalismo demonstra grande capacidade de se metamorfosear, e a cultura, ou a indústria cultural - para usar um conceito de Adorno - é um dos principais fatores dessa mudança de forma e conteúdo. (Konder, 2000)
Para Luckács, segundo Konder (2000), “a política é o meio; a cultura é o fim.”. Isso, justamente porque a política pode transforma as instituições em ritmo mais rápido, mas as mudanças mais profundas, estruturais, brotam suas raízes e ganham corpo, afloram, amadurecem e dão frutos no terreno do tempo longo, na história de longa duração.
A indústria da cultura, principalmente com as novas mídias eletrônicas, revitalizou seu modo de produção, através da manipulação do consumo. Se no século XIX o capitalismo dominava a produção, a partir do século XX ele podia fazer concessões ao trabalhador porque em seguida ele explorava o trabalhador pelo consumo.
– O sócio metabolismo destrutivo do capital.
“As injustiças multiplicam-se, as desigualdades agravam-se, a ignorância cresce, a miséria se alastra. A mesma esquizofrênica humanidade, capaz de enviar instrumentos a um planeta, para estudar a composição das suas rochas, assiste indiferente a morte de milhões de crianças pela fome. Chega-se mais facilmente a Marte, do que ao nosso próprio semelhante (Saramago, em discurso no Prêmio Nobel de Literatura, 2000)
Mészaros (2002) vê no capitalismo uma propensão destrutiva. Para ele, no atual padrão societário está em vigência um sócio metabolismo que confere aos bens duráveis um peso muito maior do que os bens não duráveis. O sistema de capital movido pela lei do lucro e pelo seu imperativo genético de expandir e acumular, alimentada pela extração de trabalho excedente , revolucionou a composição orgânica do capital, com enorme desenvolvimento do capital fixo e da capacidade produtiva dos meios de produção, como maquinarias de ponta, ciência e tecnologia, em detrimento do capital variável, que tem se tornado cada vez mais descartável.
Produto disso é a manifestação do seu caráter destrutivo, com esgotamento da natureza e seus ecossistemas, suportes fundamentais do metabolismo universal, comprometendo o próprio futuro da humanidade. A contradição absoluta desse processo é que o próprio capitalismo, enquanto sistema político-jurídico e sócio-cultural, foi fundado com base na relação capital-trabalho e assim se consolidou, e agora descarta a força de trabalho como o elemento que era fundamental na sua composição e reprodução. Com a acumulação de trabalho morto, o sistema de capital descarta enorme contingentes de trabalho vivo e expurga no ambiente social capitalista massas gigantescas de seres humanos.
É cada vez mais abreviada a durabilidade dos bens duráveis. Trata-se de uma operação deliberada pelo capital com o objetivo de amplia, no mercado, a saída para a oferta dos bens em expansão crescente. Porque aí estaria outra característica essencial do capital: sua tendência à expansão ilimitada e descontrolada. Meszáros( 2002) expõe a sociedade capitalista, largamente hegemônico no planeta, como uma sociedade perdulária, caracterizada por desperdícios cada vez maiores, atolada na massa crescente de produtos rapidamente descartáveis. É, sob este aspectos, uma sociedade não só destrutiva, mas também auto destrutiva.
Essa destrutividade, segundo Souza Junior (2000), faz parte da normalidade do modo de produção capitalista capitalista, evidenciadas em suas épocas de crises cíclicas, manifestando-se assim na forma de eliminação de capital acumulado, como um preço amargo que se paga pelo progresso. Entretanto, a destrutividade do sistema de capital não se limita aos preços do progresso, como se poderia aceitar acríticamente.
Ele ameaça a própria sobrevivência da humanidade enquanto perdurar sua hegemonia histórica enquanto estruturante do metabolismo global, se agravando ainda mais com o aprofundamento de sua crise. Nesse processo, são produzidos um labirinto de contradições, dificuldades e desastres para os quais não existem resposta sob o sistema de capital e sob o modo de produção capitalista.
A ênfase no desperdício e no descartável se constitui, segundo Gorender, uma novidade em relação à Marx, que focalizou a destrutividade das crises cíclica sem se deter na destrutividade cotidiana, corrente na sociedade capitalista. o atual sócio metabolismo do capital traz uma série de destruições do interesse coletivo da humanidade.
Nessa lógica destrutiva, e para aumentar de maneira acelerada sua acumulação o capital teve que desenvolver algumas estratégias, dentre as quais:
a) – Fazer diminuir a parte do trabalho no produto social, o que se realizou por uma verdadeira ofensiva contra o trabalho, que alguns autores como Mészáros, e Fiori e Frigotto denominam de “A vingança do capital contra o trabalho”: diminuição de sua parte no produto social, pela queda nos salários reais; desregulamentação; diminuição do seguro social e enfraquecimento das organizações dos trabalhadores. Frigotto (2001) argumenta que
“Esses novos paradigmas evidenciam aquilo que Mészaros, Hobsbawn, Antunes caracterizam com uma “crise civilizatória do capitalismo”, que esgotou sua capacidade de civilizar a humanidade, iniciada na Revolução Industrial e na superação do Antigo Regime, e se tornou produtor de catástrofes, misérias e barbáries, que envolvem quase 60% da humanidade. É a lógica destrutiva das forças produtivas, e uma vingança histórica e estrutural do capital sobre o trabalho”. ( Frigotto, 2000)
b) – Fazer diminuir a parte do Estado como redistribuidor de riquezas e árbitro social, o que se fez pelas ondas de privatizaçòes, não somente nos setores econômicos, mas também dos serviços públicos com as políticas de austeridade impostas pelas organizaçòes financeiras internacionais , via programa de ajustes estruturais. Se analisarmos os principais mecanismos da globalização econômica atual podemos notar que realiza-se uma integração dos processos de produção e de distribuição que não têm de levar em conta as fronteiras. Assistimos também a uma concentração da produção, da distribuição e da comunicação nas mãos de grandes empresas cada vez menos numerosas
c) - Destruição da economia: Se a economia é a açào humana destinada a estabelecer as bases materiais da vida e cultural de todos os seres humanos no mundo inteiro, o capitalismo é o sistema mais ineficaz da história humana. Nunca houve tantos pobres, nunca houve tantas distâncias sociais. Isso constitui a primeira base dos atuais fundamentalismos , das intolerâncias, revoltas e resistências.
d) - Destruição da natureza: A exploração da natureza ( e dela fazendo parte os seres humanos) com a idéia de proveito a curto prazo significa desastres ecológicos, destruição de ecossistemas, desajustes climáticos, e o cada acelerado esgotamento dos recursos naturais, como a água, o que tem provocado, nos últimos anos, o desenvolvimento de muitos movimentos ecologistas e mobilizado as cada vez mais contundentes manifestações dos diversos movimentos contra a globalização e anti capitalistas. Faz parte desse processo, entre outros, a persistente recusa do governo estadunidense em assinar o Protocolo de Kioto, de controle da poluição ambiental global, provocada principalmente por suas indústrias, dentro ou fora dos EUA.
e) - Destruição social: Extensão das relações diretas capital/trabalho, o que quer dizer o assalariado, que agora extende-se ao mundo inteiro, mesmo se não de maneira majoritária em todos os setores da atividade coletiva. Movimentos sindicais e camponeses têm aparecido em novas áreas geográficas e em novos setores das atividades econômicas.Extensão da relação indireta capital/trabalho, que afeta sempre cada vez mais grupos sociais no mundo, como a fixaçào dos preços das matérias primas, a dívida externa, a reexportação de capital, os paraísos fiscais, etc., todos obstáculos ao verdadeiro desenvolvimento das economias locais e cujas as consequências afetam bilhões de pessoas.
Trata-se, por exemplo, das mulheres, particularmente afetadas pela feminização da pobreza e o aumento da violência ou, simplesmente, porque a lógica do sistema de exploração capitalista utiliza as relações de gênero em função de seus próprios interesses (por exemplo, salários mais baixos, contabilidade nacional que não leva em conta o trabalho de reconstituição das forças produtivas realizado pelas mulheres, para falar em termos econômicos). Trata-se das resistências dos povos indígenas, que são as primeiras vítimas das novas políticas econômicas e que em suas resistências redefinem seu sentido de intentidade.
Evidentemente não é o capitalismo que inventou o machismo ou patriarcado, a opressão dos povos indígenas, os conflitos étnicos, a marginalização dos jovens. Porém, o capitalismo agravou os conflitos e muitas vezes os utilizou para construir suas estratégias de dominação e absorção de mais valia e sobreproduto.
MERCADORIA, FETICHE, ESPETÁCULO DO CONSUMO
2. 1. – A eternização do presente, o fetiche da mercadoria e o espetáculo do consumo
(Helder Molina)
Capítulo 2, parte 2, de minha dissertação de Mestrado em Educação - UFF
A hegemonia do capital no final do século XX e início do XXI se consolidou por via de fenômenos complexos e contraditórios, mas complementares. Esses fenômenos se distribuem em vários esferas, numa totalidade que tem sua gênese na materialidade produtiva e reprodutiva do capital e do capitalismo.
Portanto, relacionamos os fenômenos específicos e os abrangentes da totalidade em movimento; no caso, o modo de produção capitalista em seu estágio atual de desenvolvimento, com hegemonia de sua esfera econômico-financeira e da ressignificação da mercadoria nessa atual hegemonia, numa tentativa de compreender a essência dele em acordo com a argumentação de Jameson (2001, 14) de que
“a economia acabou por coincidir com a cultura, fazendo com que tudo, inclusive a produção de mercadorias e a alta especulação financeira, se tornasse cultural, enquanto que a cultura tornou-se profundamente econômica, e igualmente orientada para a produção de mercadorias.”
As esferas cultural, ideológica, ética e estética é o que buscaremos analisar aqui. No plano ético e cultural, o neoliberalismo ocupou-se de engendrar novos códigos culturais e valores simbólicos, baseados no mercado, na mercadoria e na mercantilização de todas as relações entre os homens. personificando as coisas e coisificando as pessoas.
Lopes (2001) afirmam existirem contemporaneamente duas idéias-espetáculo[1] hegemonizaram (e ainda hegemonizam) os anos presentes, de grande força e apelo social com que a mídia nos bombardeia sistematicamente:
1) O “presentismo”, que consiste em admitir que tudo que hoje ocorre nada tem a ver com o passado. O senso comum vigora, predomina e propaga– com exclamações eventuais – a crença de que o atual se explica como coisa nova, inédita e inaudita, e não relacionada com a História, com raízes suspensas no ar.
2) O “pensamento único”, mais difuso que o “presentismo”, que é a via escolhida pelos “novos liberais”. Sua ideologia – visão do mundo social - e suas propostas políticas buscam nos convencer que é a única possível, o mundo é um grande mercado, lugar de negócios.
Esse inquietante tempo desenraizado da história, é questionado nas palavras de Saramago (2002)[2], porque, para a lógica da descartabilidadade e do supérfluo da atual etapa da lógica capitalista
“...existência do presente é o que basta, o sentido de viver não merece reflexão mais séria. Aos mais pobres, com ênfase aos da periferia do capitalismo, da América Latina em particular, o sentido da vida é consumir, sem distinguir o que é preciso do que é supérfluo; aceitar o desemprego como natural ou como fatalidade, como punição por sua baixa qualificação ou escolarização; pensar a violência e a criminalidade como algo estranho à estrutura social e econômica; modular o corpo e individualizar o espírito; pagar juros altos e taxas bancárias cem vezes maiores que a remuneração da poupança; aceitar a desigualdade como natural, com desígnio do destino e dificilmente alterável, ou mesmo imutável.”
Para Rummert(2001), a hegemonia neoliberal produziu o que ela denomina de um novo projeto identificatório do capital que cria suas próprias categorias explicativas da realidade, ressignificando e recodificando novos padrões regulatórios para a vida social e pessoal. Esse novo projeto identicatório neoliberal , segundo essa autora, se constitui de uma excessiva ênfase no indivíduo e no individualismo, onde cada indivíduo pode agir de acordo com seus desejos e potencialidades, e vencer é seu único limite. Nestas condições rompem-se quaisquer compromissos coletivos ou associativos, e os conflitos passam a ser resolvidos nas esferas pessoais e interpessoais.
Como vencer é uma questão individual, o estímulo à competição e à atomização social destrói laços de solidariedade e tecidos de identidade de classe dos trabalhadores, inexistindo a sociedade, e sim os indivíduos competitivos entre si. Predomina uma supervalorização da diferença e da busca da superioridade individual,
Ainda na concepção de Rummert, outro ítem desse projeto de identidade forjado ideologicamente pelo capital é a construção simbólica de “culpados” pelas diversas formas de exclusão e pelas carências vividas pela sociedade. Ao enfatizar a política deliberada de desgaste e negatividade da esfera pública e suas ações, e de culpabilização das instituições públicas, do Estado e de seus funcionários como responsáveis pela falência das políticas e do atendimento aos usuários, o capital afirma uma suposta positividade de tudo que é privado, estimulando assim as privatizações do patrimônio público, das políticas de interesses sociais e a própria privatização da vida e das relações sociais.
Aqui se apresentam com força as teses da apocalipse neoliberal: do fim da história, fim da luta de classes, fim das ideologias, fim do trabalho e de tudo que seja coletivo e que cause conflito Este eficaz mecanismo de regulação social procura se sustentar no ideológico discurso de combate às ideologias e à ideologização dos movimentos sociais, procura descaracterizar as reivindicações e destruir as conquistas sociais produzidas pelas lutas coletivas e organizadas dos trabalhadores.
Esta culpabilização é também transferida aos trabalhadores desempregados e aos demais setores sociais excluidos. Eles são os responsáveis por não terem direitos humanos e sociais respeitados, culpados por não terem educação, não terem emprego e por estarem marginalizados do consumo e da vida na sociedade de mercado.
Há ainda, segundo a autora que tomamos como referência, um hiperdimensionamento do valor do mérito segundo a lógica do mercado, onde o progresso material é uma questão de competência, da vitória do bem contra o mal, do forte e capaz contra o fraco e medíocre. Que considera natural a opulência, a miséria, a desigualdade.
Para ilustrar tudo isso, mostramos aqui um fragmento das palavras de Roberto Campos(1988), um dos principais ideólogos do liberalismo no Brasil, em uma de suas diretas defesas do liberalismo e desigualdade como natural nos seres humanos e nas relações sociais.
“Obviamente, o mundo é desigual. Há quem nasce inteligente e há quem nasce burro. Há quem nasce atleta e há quem nasce aleijado. O mundo se compões de empreendedores e de preguiçosos, de fortes e fracos, de pequenas e grandes empresas. Uns morrem cedo, no primor da vida; outros se arrastam, criminosamente, às custas da caridade alheia ou do Estado, por uma longa existência inútil. Há uma desigualdade fundamental na natureza humana, na condição das coisas(...)”. ( Campos, 1998:18)
Como o presente assume um caráter do sempre, o “presentismo” tem caráter hedonista, de culto à competição desenfreada, e questionamento de valores que possam propiciar uma nova solidariedade. Evidentemente, a perplexidade diante da velocidade das mutações apresentadas ao tempo presente são preponderantes. A dificuldade de reflexão encontra seu complemento na anestesia inoculada pela cultura do entretenimento ou explode em manifestações como a violência ao vazio do sentido.
Nesse mosaico de fragmentação e descontinuidade, fica naturalizada a dispersão e a descontinuidade dos processos vividos na sociedade e dos projetos, sejam individuais ou coletivos, de inserção da vida socioeconômica.
De fato, o resultado das políticas neoliberais tem sido o surgimento, Conforme Santos (1999) de um quadro de “fascismo social” que se explicita, segundo este autor, pelas formas do Apartheid Social, do Estado paralelo, fascismo paraestatal, fascismo contratual, fascismo da insegurança e o fascismo financeiro.
A fragilização do trabalhador é sobretudo ampliada pelo fascismo da insegurança. Este, como nos mostra Boaventura Santos, P. 54-55, se manifesta, de forma absurda, em
“grupos sociais vulnerabilizados pela precariedade do trabalho que manifestam elevados níveis de ansiedade e insegurança quanto ao presente e ao futuro, de modo a fazer baixar o horizonte de expectativas e a cria a disponibilidade para suportar grandes encargos, de modo a obter reduçòes mínimas dos riscos e da insegurança”
Da precarização das relações, flexibilização de valores e de direitos , descartabilidade ética e moral , empregabilidade sem emprego. O permanente desafio, oferecido aos indivíduos, de viverem jogos competitivos: vencer é uma questão de competência pessoal, uma vitória da persistência pessoal, do treinamento exaustivo e da disciplina competitiva. A lógica mercantil e a racionalização econômica são apresentadas como totalizadoras da realidade, únicas capazes de superar todos os conflitos e as contradições, negando o aporte político que rege as relações sociais.
O poder espetacular da sociedade de mercado e seu mundo de aparências enganadoras é um fenômeno universal. Porém, rejeitamos as teses da assim chamada Pós modernidade, para as quais vivemos numa situação de ausência de paradigmas, de uma realidade fragmentada e fragmentária, inexistindo a realidade em totalidade e sem seu lugar uma vida em partículas, o tempo do espetáculo, a supremacia da imagem, o império do instantâneo, a ética da simulação dando coerência à definição de Karel Kosik (1998) de que “o mundo da pseudoconcreticidade é um claro-escuro de verdade e engano. A essência se manifesta do fenômeno, Mas só de modo inadequado, parcial. Ou apenas sob certos ângulos e aspectos”. que encontra estupenda força nos países periféricos do capitalismo, com maiores desigualdades sociais e profundo atraso educacional.
A mercadoria se transforma num fetiche, e sua utilidade é tornada convincente pela propaganda. Vemos e acreditamos se o que se reflete no espelho da propaganda, nela, o verdadeiro se torna desprezado e o falso vira útil e pode ser seguido. Nela se fazem as consciências dos homens e mulheres; magicamente o fenômeno se transforma em real.
Para Konder,
Vivemos a sociedade que forjou um instrumental de hegemonia ideológica, que se revela mais potentes que as religiões do passado, mais do que a escrita depositada nas estantes, com seu caráter patrimonial-estático impossibilitada de competir com o dinamismo imagético-sonoro-tecnológico contemporâneo. Essa dominação cultural faz renascer das cinzas costumes esquecidos ou, se necessário, o resignificam e o rearticulam a novas crenças e novos códigos éticos e morais. Dela sai o que julgamos belo e feio, certo e errado.”
[1] Tomei por coerente e extremamente pertinente ao contexto do meu trabalho, as reflexões de Luis Carlos Lopes, professor de Instituto de Artes e Comunicação Social da Universidade Federal Fluminense-UFF, que atualmente desenvolve pesquisas e estudos analisando a produção da subjetividade humana numa sociedade dominada pelos signos da propaganda e do consumo, da mercantilização das relações sociais, do fetiche do tempo presente e do autoritarismo do pensamento único. Algumas de suas idéias estão no artigo, “Sociedade Midiática”, publicado pelo Público, Jornal do Sintrasef – Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Federal no Rio de Janeiro, em Maio de 2000.
[2] José Saramago produziu uma memorável crônica de saudação aos participantes do III Fórum Social Mundial, realizado em janeiro de 2002, onde conclama os seres humanos indignados com a miserabilidade produzida pelo capitalismo, a lutarem pela reconstrução, e preservação onde ainda existam, dos laços de ética, justiça e solidariedade, condição única para garantia do futuro da humanidade. O manifesto “Aos que lutam no tempo presente”, de José Saramago, foi publicado em agosto de 2002, na Internet– Rede Brasileira de Economia Solidária.
(Helder Molina)
Capítulo 2, parte 2, de minha dissertação de Mestrado em Educação - UFF
A hegemonia do capital no final do século XX e início do XXI se consolidou por via de fenômenos complexos e contraditórios, mas complementares. Esses fenômenos se distribuem em vários esferas, numa totalidade que tem sua gênese na materialidade produtiva e reprodutiva do capital e do capitalismo.
Portanto, relacionamos os fenômenos específicos e os abrangentes da totalidade em movimento; no caso, o modo de produção capitalista em seu estágio atual de desenvolvimento, com hegemonia de sua esfera econômico-financeira e da ressignificação da mercadoria nessa atual hegemonia, numa tentativa de compreender a essência dele em acordo com a argumentação de Jameson (2001, 14) de que
“a economia acabou por coincidir com a cultura, fazendo com que tudo, inclusive a produção de mercadorias e a alta especulação financeira, se tornasse cultural, enquanto que a cultura tornou-se profundamente econômica, e igualmente orientada para a produção de mercadorias.”
As esferas cultural, ideológica, ética e estética é o que buscaremos analisar aqui. No plano ético e cultural, o neoliberalismo ocupou-se de engendrar novos códigos culturais e valores simbólicos, baseados no mercado, na mercadoria e na mercantilização de todas as relações entre os homens. personificando as coisas e coisificando as pessoas.
Lopes (2001) afirmam existirem contemporaneamente duas idéias-espetáculo[1] hegemonizaram (e ainda hegemonizam) os anos presentes, de grande força e apelo social com que a mídia nos bombardeia sistematicamente:
1) O “presentismo”, que consiste em admitir que tudo que hoje ocorre nada tem a ver com o passado. O senso comum vigora, predomina e propaga– com exclamações eventuais – a crença de que o atual se explica como coisa nova, inédita e inaudita, e não relacionada com a História, com raízes suspensas no ar.
2) O “pensamento único”, mais difuso que o “presentismo”, que é a via escolhida pelos “novos liberais”. Sua ideologia – visão do mundo social - e suas propostas políticas buscam nos convencer que é a única possível, o mundo é um grande mercado, lugar de negócios.
Esse inquietante tempo desenraizado da história, é questionado nas palavras de Saramago (2002)[2], porque, para a lógica da descartabilidadade e do supérfluo da atual etapa da lógica capitalista
“...existência do presente é o que basta, o sentido de viver não merece reflexão mais séria. Aos mais pobres, com ênfase aos da periferia do capitalismo, da América Latina em particular, o sentido da vida é consumir, sem distinguir o que é preciso do que é supérfluo; aceitar o desemprego como natural ou como fatalidade, como punição por sua baixa qualificação ou escolarização; pensar a violência e a criminalidade como algo estranho à estrutura social e econômica; modular o corpo e individualizar o espírito; pagar juros altos e taxas bancárias cem vezes maiores que a remuneração da poupança; aceitar a desigualdade como natural, com desígnio do destino e dificilmente alterável, ou mesmo imutável.”
Para Rummert(2001), a hegemonia neoliberal produziu o que ela denomina de um novo projeto identificatório do capital que cria suas próprias categorias explicativas da realidade, ressignificando e recodificando novos padrões regulatórios para a vida social e pessoal. Esse novo projeto identicatório neoliberal , segundo essa autora, se constitui de uma excessiva ênfase no indivíduo e no individualismo, onde cada indivíduo pode agir de acordo com seus desejos e potencialidades, e vencer é seu único limite. Nestas condições rompem-se quaisquer compromissos coletivos ou associativos, e os conflitos passam a ser resolvidos nas esferas pessoais e interpessoais.
Como vencer é uma questão individual, o estímulo à competição e à atomização social destrói laços de solidariedade e tecidos de identidade de classe dos trabalhadores, inexistindo a sociedade, e sim os indivíduos competitivos entre si. Predomina uma supervalorização da diferença e da busca da superioridade individual,
Ainda na concepção de Rummert, outro ítem desse projeto de identidade forjado ideologicamente pelo capital é a construção simbólica de “culpados” pelas diversas formas de exclusão e pelas carências vividas pela sociedade. Ao enfatizar a política deliberada de desgaste e negatividade da esfera pública e suas ações, e de culpabilização das instituições públicas, do Estado e de seus funcionários como responsáveis pela falência das políticas e do atendimento aos usuários, o capital afirma uma suposta positividade de tudo que é privado, estimulando assim as privatizações do patrimônio público, das políticas de interesses sociais e a própria privatização da vida e das relações sociais.
Aqui se apresentam com força as teses da apocalipse neoliberal: do fim da história, fim da luta de classes, fim das ideologias, fim do trabalho e de tudo que seja coletivo e que cause conflito Este eficaz mecanismo de regulação social procura se sustentar no ideológico discurso de combate às ideologias e à ideologização dos movimentos sociais, procura descaracterizar as reivindicações e destruir as conquistas sociais produzidas pelas lutas coletivas e organizadas dos trabalhadores.
Esta culpabilização é também transferida aos trabalhadores desempregados e aos demais setores sociais excluidos. Eles são os responsáveis por não terem direitos humanos e sociais respeitados, culpados por não terem educação, não terem emprego e por estarem marginalizados do consumo e da vida na sociedade de mercado.
Há ainda, segundo a autora que tomamos como referência, um hiperdimensionamento do valor do mérito segundo a lógica do mercado, onde o progresso material é uma questão de competência, da vitória do bem contra o mal, do forte e capaz contra o fraco e medíocre. Que considera natural a opulência, a miséria, a desigualdade.
Para ilustrar tudo isso, mostramos aqui um fragmento das palavras de Roberto Campos(1988), um dos principais ideólogos do liberalismo no Brasil, em uma de suas diretas defesas do liberalismo e desigualdade como natural nos seres humanos e nas relações sociais.
“Obviamente, o mundo é desigual. Há quem nasce inteligente e há quem nasce burro. Há quem nasce atleta e há quem nasce aleijado. O mundo se compões de empreendedores e de preguiçosos, de fortes e fracos, de pequenas e grandes empresas. Uns morrem cedo, no primor da vida; outros se arrastam, criminosamente, às custas da caridade alheia ou do Estado, por uma longa existência inútil. Há uma desigualdade fundamental na natureza humana, na condição das coisas(...)”. ( Campos, 1998:18)
Como o presente assume um caráter do sempre, o “presentismo” tem caráter hedonista, de culto à competição desenfreada, e questionamento de valores que possam propiciar uma nova solidariedade. Evidentemente, a perplexidade diante da velocidade das mutações apresentadas ao tempo presente são preponderantes. A dificuldade de reflexão encontra seu complemento na anestesia inoculada pela cultura do entretenimento ou explode em manifestações como a violência ao vazio do sentido.
Nesse mosaico de fragmentação e descontinuidade, fica naturalizada a dispersão e a descontinuidade dos processos vividos na sociedade e dos projetos, sejam individuais ou coletivos, de inserção da vida socioeconômica.
De fato, o resultado das políticas neoliberais tem sido o surgimento, Conforme Santos (1999) de um quadro de “fascismo social” que se explicita, segundo este autor, pelas formas do Apartheid Social, do Estado paralelo, fascismo paraestatal, fascismo contratual, fascismo da insegurança e o fascismo financeiro.
A fragilização do trabalhador é sobretudo ampliada pelo fascismo da insegurança. Este, como nos mostra Boaventura Santos, P. 54-55, se manifesta, de forma absurda, em
“grupos sociais vulnerabilizados pela precariedade do trabalho que manifestam elevados níveis de ansiedade e insegurança quanto ao presente e ao futuro, de modo a fazer baixar o horizonte de expectativas e a cria a disponibilidade para suportar grandes encargos, de modo a obter reduçòes mínimas dos riscos e da insegurança”
Da precarização das relações, flexibilização de valores e de direitos , descartabilidade ética e moral , empregabilidade sem emprego. O permanente desafio, oferecido aos indivíduos, de viverem jogos competitivos: vencer é uma questão de competência pessoal, uma vitória da persistência pessoal, do treinamento exaustivo e da disciplina competitiva. A lógica mercantil e a racionalização econômica são apresentadas como totalizadoras da realidade, únicas capazes de superar todos os conflitos e as contradições, negando o aporte político que rege as relações sociais.
O poder espetacular da sociedade de mercado e seu mundo de aparências enganadoras é um fenômeno universal. Porém, rejeitamos as teses da assim chamada Pós modernidade, para as quais vivemos numa situação de ausência de paradigmas, de uma realidade fragmentada e fragmentária, inexistindo a realidade em totalidade e sem seu lugar uma vida em partículas, o tempo do espetáculo, a supremacia da imagem, o império do instantâneo, a ética da simulação dando coerência à definição de Karel Kosik (1998) de que “o mundo da pseudoconcreticidade é um claro-escuro de verdade e engano. A essência se manifesta do fenômeno, Mas só de modo inadequado, parcial. Ou apenas sob certos ângulos e aspectos”. que encontra estupenda força nos países periféricos do capitalismo, com maiores desigualdades sociais e profundo atraso educacional.
A mercadoria se transforma num fetiche, e sua utilidade é tornada convincente pela propaganda. Vemos e acreditamos se o que se reflete no espelho da propaganda, nela, o verdadeiro se torna desprezado e o falso vira útil e pode ser seguido. Nela se fazem as consciências dos homens e mulheres; magicamente o fenômeno se transforma em real.
Para Konder,
Vivemos a sociedade que forjou um instrumental de hegemonia ideológica, que se revela mais potentes que as religiões do passado, mais do que a escrita depositada nas estantes, com seu caráter patrimonial-estático impossibilitada de competir com o dinamismo imagético-sonoro-tecnológico contemporâneo. Essa dominação cultural faz renascer das cinzas costumes esquecidos ou, se necessário, o resignificam e o rearticulam a novas crenças e novos códigos éticos e morais. Dela sai o que julgamos belo e feio, certo e errado.”
[1] Tomei por coerente e extremamente pertinente ao contexto do meu trabalho, as reflexões de Luis Carlos Lopes, professor de Instituto de Artes e Comunicação Social da Universidade Federal Fluminense-UFF, que atualmente desenvolve pesquisas e estudos analisando a produção da subjetividade humana numa sociedade dominada pelos signos da propaganda e do consumo, da mercantilização das relações sociais, do fetiche do tempo presente e do autoritarismo do pensamento único. Algumas de suas idéias estão no artigo, “Sociedade Midiática”, publicado pelo Público, Jornal do Sintrasef – Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Federal no Rio de Janeiro, em Maio de 2000.
[2] José Saramago produziu uma memorável crônica de saudação aos participantes do III Fórum Social Mundial, realizado em janeiro de 2002, onde conclama os seres humanos indignados com a miserabilidade produzida pelo capitalismo, a lutarem pela reconstrução, e preservação onde ainda existam, dos laços de ética, justiça e solidariedade, condição única para garantia do futuro da humanidade. O manifesto “Aos que lutam no tempo presente”, de José Saramago, foi publicado em agosto de 2002, na Internet– Rede Brasileira de Economia Solidária.
METAMORFOSES DO CAPITAL MUNDIALIZADO
Capítulo 2 –
As metamorfoses do capitalismo mundializado
(Helder Molina)
Capítulo 2, parte 1, de minha dissertação de Mestrado em Educação - UFF.
O espectro do capitalismo ronda o mundo, o espectro da miséria social e moral, da degradação da natureza e recursos essenciais à continuidade da vida no planeta, como diz Sader (2002:159) )
“Um fantasma ronda o mundo – o fantasma do capitalismo. Para persegui-lo se unem os trabalhadores e seus sindicatos, os cidadãos e o Estado de direito, os artistas e intelectuais com sua independência de criação e de crítica, os estudantes e os jovens que buscam emprego, os idosos, os negros, as mulheres, os índios, os homossexuais, os deficientes físicos, as nacionalidades oprimidas, os países espoliados e endividados.
No capítulo anterior tentamos fazer uma um estudo teórico político sobre a contradição presente entre a concepção do trabalho em sua gênese ontológica e histórico social e suas formas históricas. Nele, analisamos o seu sentido emancipatório, sua centralidade na vida social e sua apropriação pelo capital, o assalariamento e sua crise, polemizamos com as apologias do fim do trabalho e a insuficiência material de suas teses. Na parte final discutimos algumas alternativas à crise do assalariamento e da chamada sociedade industrial, ou sociedade do emprego, para além do trabalho assalariado.
Neste capítulo, nosso intento é fazer uma breve análise das metamorfoses históricas, econômicas, sócio políticas, culturais, ético estéticas do capitalismo nas últimas décadas do século XX, particularmente nas de 1980 e 1990. Procuramos situá-las na totalidade das relações sociais, considerando a mundialização do capital e suas atuais formas sociais e ideológicas de produção e reprodução – a chamada globalização, ou neo imperialismo, como afirmam alguns autores, como Petras (1998), a crise do Estado de Bem Estar Social e a hegemonia do “novo liberalismo”. Metamorfoses estas que se refletem nas condições de vida da população do planeta, em geral, e do Brasil.
A principal referência nessa análise é a perspectiva da totalidade. Nessa perspectiva, coerente com método materialista histórico dialético, buscamos alcançar o conhecimento da realidade, do concreto, além da aparência e no seu movimento, negando a interpretação superficial, procurando na materialidade as contradições e as mediações do que estamos investigando com a totalidade das relações sociais na sociedade analisada, com seus vínculos econômicos, políticos e culturais, nisso, presenciamos uma “rica totalidade de determinações e revelações diversas” (Marx, 1982: 14)
Captar o objeto em sua totalidade, num complexo geral estruturado e historicamente determinado
“...nas e através das mediações e transições múltiplas pelas quais suas partes específicas ou complexas – isto é, as ‘totalidades parciais’ - estão relacionadas entre si, numa série de interrelações e determinações recíprocas que variam constantemente e se modificam (...) e não podem ser avaliados, exceto em relação a apreensão dialética da estrutura da totalidade.” (Bottomore, 1988:381).
Lowy tem a totalidade com parte da realidade, assim sendo
“a categoria metodológica da totalidade significa a percepção da realidade social como um todo orgânico, estruturado, no qual não se pode entender um elemento, um aspecto, uma dimensão, sem perder a sua relação com o conjunto” ( 1998:16).
Luckacs entende que
“a concepção dialético-materialista da totalidade significa, primeiro, a unidade concreta de contradições que interagem (...) segundo, a relatividade sistemática de toda a totalidade tanto no sentido ascendente quanto no descendente ( o que significa que a totalidade é feita de totalidades a elas subordinadas, e também que a totalidade em questão é, ao mesmo tempo sobredeterminada por totalidades de complexidade superior...) e, terceiro, a relatividade histórica de toda totalidade, ou seja , que o caráter de totalidade de toda totalidade é mutável, desintegrável e limitado a um período histórico concreto e determinado.”( Luckacs, 1948:12, Apud. Bottomore1998:38)
Para Franco(1990), mesmo concebendo as totalidades relativas, cada uma delas é constituida por partes interrelacionadas. No materialismo histórico, as partes não são elementos simples, isolados, são processos sociais complexos, mediações históricas.
As metamorfoses do capitalismo mundializado
(Helder Molina)
Capítulo 2, parte 1, de minha dissertação de Mestrado em Educação - UFF.
O espectro do capitalismo ronda o mundo, o espectro da miséria social e moral, da degradação da natureza e recursos essenciais à continuidade da vida no planeta, como diz Sader (2002:159) )
“Um fantasma ronda o mundo – o fantasma do capitalismo. Para persegui-lo se unem os trabalhadores e seus sindicatos, os cidadãos e o Estado de direito, os artistas e intelectuais com sua independência de criação e de crítica, os estudantes e os jovens que buscam emprego, os idosos, os negros, as mulheres, os índios, os homossexuais, os deficientes físicos, as nacionalidades oprimidas, os países espoliados e endividados.
No capítulo anterior tentamos fazer uma um estudo teórico político sobre a contradição presente entre a concepção do trabalho em sua gênese ontológica e histórico social e suas formas históricas. Nele, analisamos o seu sentido emancipatório, sua centralidade na vida social e sua apropriação pelo capital, o assalariamento e sua crise, polemizamos com as apologias do fim do trabalho e a insuficiência material de suas teses. Na parte final discutimos algumas alternativas à crise do assalariamento e da chamada sociedade industrial, ou sociedade do emprego, para além do trabalho assalariado.
Neste capítulo, nosso intento é fazer uma breve análise das metamorfoses históricas, econômicas, sócio políticas, culturais, ético estéticas do capitalismo nas últimas décadas do século XX, particularmente nas de 1980 e 1990. Procuramos situá-las na totalidade das relações sociais, considerando a mundialização do capital e suas atuais formas sociais e ideológicas de produção e reprodução – a chamada globalização, ou neo imperialismo, como afirmam alguns autores, como Petras (1998), a crise do Estado de Bem Estar Social e a hegemonia do “novo liberalismo”. Metamorfoses estas que se refletem nas condições de vida da população do planeta, em geral, e do Brasil.
A principal referência nessa análise é a perspectiva da totalidade. Nessa perspectiva, coerente com método materialista histórico dialético, buscamos alcançar o conhecimento da realidade, do concreto, além da aparência e no seu movimento, negando a interpretação superficial, procurando na materialidade as contradições e as mediações do que estamos investigando com a totalidade das relações sociais na sociedade analisada, com seus vínculos econômicos, políticos e culturais, nisso, presenciamos uma “rica totalidade de determinações e revelações diversas” (Marx, 1982: 14)
Captar o objeto em sua totalidade, num complexo geral estruturado e historicamente determinado
“...nas e através das mediações e transições múltiplas pelas quais suas partes específicas ou complexas – isto é, as ‘totalidades parciais’ - estão relacionadas entre si, numa série de interrelações e determinações recíprocas que variam constantemente e se modificam (...) e não podem ser avaliados, exceto em relação a apreensão dialética da estrutura da totalidade.” (Bottomore, 1988:381).
Lowy tem a totalidade com parte da realidade, assim sendo
“a categoria metodológica da totalidade significa a percepção da realidade social como um todo orgânico, estruturado, no qual não se pode entender um elemento, um aspecto, uma dimensão, sem perder a sua relação com o conjunto” ( 1998:16).
Luckacs entende que
“a concepção dialético-materialista da totalidade significa, primeiro, a unidade concreta de contradições que interagem (...) segundo, a relatividade sistemática de toda a totalidade tanto no sentido ascendente quanto no descendente ( o que significa que a totalidade é feita de totalidades a elas subordinadas, e também que a totalidade em questão é, ao mesmo tempo sobredeterminada por totalidades de complexidade superior...) e, terceiro, a relatividade histórica de toda totalidade, ou seja , que o caráter de totalidade de toda totalidade é mutável, desintegrável e limitado a um período histórico concreto e determinado.”( Luckacs, 1948:12, Apud. Bottomore1998:38)
Para Franco(1990), mesmo concebendo as totalidades relativas, cada uma delas é constituida por partes interrelacionadas. No materialismo histórico, as partes não são elementos simples, isolados, são processos sociais complexos, mediações históricas.
FLAGELO CAPITALISTA E FUTURO DO TRABALHO
1.4.2 – O flagelo capitalista e o futuro do trabalho
( Helder Molina)
Capítulo 1, parte 4, de minha dissertação de Mestrado em Educação, na UFF
Outras questões estão envolvidas neste debate, que envolvem a previdência e a seguridade social, idade da aposentadoria, redução da quantidade de horas da jornada e de dias da semana de trabalho ( sem redução de salários), pagamento de horas extras, adequação dos horários ou ritmos escolares, trabalho dominical, e a luta por dividir tempo de trabalho em tempo necessário e sobretrabalho são atuais.
Mas esse tempo abstrato médio (jornada), estabelecido pelo jogo do mercado, reflete de forma cada vez pior a heterogeneidade e a complexidade de um trabalho socializado, no qual parte de trabalho morto ( o trabalho das gerações precedentes acumulado de forma de técnicas e saberes) é cada vez mais importante.
O custo social do trabalho se afasta, cada vez mais, da medida mercantil de seu custo imediato. Gorz propõe, nesse sentido, a noção de “composição orgânica do trabalho”, expressando a relação entre trabalho vivo e trabalho morto, no próprio processo de trabalho. Realça, assim um aspecto particular da tendência geral de evolução orgânica do capital. Contudo, o trabalho abstrato não desaparece pois, movido por sua lógica de acumulação de taxas de lucro, o capital necessita cada vêz mais de trabalho vivo, tal qual o vampiro necessita de sangue, ainda que deva mobilizar uma parte crescente de trabalho morto para transforma-lo em valor.
A redução de parte do trabalho industrial diretamente produtivo em relação à soma do trabalho coletivo e ao desenvolvimento dos serviços não significa, portanto, fim do trabalho, mas sim uma profunda modificação histórica na sua composição orgânica. Nessa nova composição histórica, porém, os ganhos de produtividade obtidos nos setores de produção de bens de produção não são facilmente transferíveis aos setores de serviços, a não ser que estes serviços, ainda que públicos, sejam disponibilizados socialmente segundo uma lógica mercadológica estrita. Aos possuídos, os serviços de melhor qualidade, privatizados e produzindo lucros para o capital; aos despossuídos, a lógica caritativa e compensatória mínima , por conta do Estado.
Gorz insiste que no ato de trabalhar a atividade prático-sensorial fica reduzida a uma pobreza extrema, e que o trabalho já não é uma atividade de apropriação do mundo objetivo. Para ele, a sociedade do trabalho converteu-se em um fantasma sobrevivendo os estertores de sua extinção. A pergunta que agora se coloca, para além da renúncia política de lutar contra o desemprego, como propõe este autor, é o que há, então a fazer?
O advento do trabalho assalariado determina as modalidade de não trabalho. Como sabemos, com o surgimento do capital, do modo de produção capitalista e, posteriormente do capitalismo as palavras ganham novo significado. As categorias, e suas mudanças, são construídas historicamente, e acompanham os processos sociais. O repouso corresponde, mais ou menos, ao tempo necessário para recomposição das energias humanas da força de trabalho. Mas a sociedade do lucro e o fetiche da mercadoria confundem repouso, tempo livre e ócio, mistura-os, integrando a cultura, o lazer e o ócio ao ritual do intercâmbio mercantil. Diferente do tempo livre, o tempo de ócio, sem o aprisionamento mercantil, seria o da fluição, o “tempo emancipado”.
Sob o regime do capital, o trabalho alienado, a divisão social do trabalho, a lei do mercado, o fetiche da mercadoria, a reificação das coisas, e a propriedade privada formam um quadro terrivelmente coerente. Não se pode escapar da alienação da relação salarial sem postular, ao mesmo tempo, a questão da apropriação social, da planificação democrática da economia e da revogação da divisão do trabalho.
Caberia indagar, como Arendt (1988), como seria uma sociedade de trabalhadores sem trabalho? Se “o advento da automatização esvaziará, provavelmente em décadas, as fábricas e liberará a humanidade de sua carga mais antiga e mais natural, a servidão perante a necessidade”.Se assim for, estará em jogo “um aspecto fundamental da condição humana” mas, prossegue Arendt
“ isso acontece nos contos de fadas, nos quais o desejo resulta em um engano. Uma sociedade de trabalhadores vai se livrar das cadeias do trabalho, e esta sociedade não sabe nada das atividades elevadas e enriquecedoras para as quais valeria a pena ganhar a liberdade”.
Uma grande indagação ao futuro... ou ao presente?
“Que a emancipação do trabalho na época moderna, não só fracasse na hora de instaurar uma era de liberdade universal, mas conduza, pelo contrario, toda a humanidade a se inclinar pela primeira vez sob o jugo da necessidade”(Arendt, 1988)
Eis uma possibilidade perigosa que Marx se deu conta quando afirmava que o objetivo da revolução não poderia ser a emancipação, já realizada, dos trabalhadores e que devia consistir na emancipação do homem do trabalho. Considerar somente a dimensão antropológica do trabalho, abstraindo seu caráter historicamente determinado ou considerá-lo somente em seu caráter alienado e alienante, abstraindo sua potencialidade criadores, parece-nos dois extremos problemáticos.
As dimensões antropológicas e históricas do trabalho estão estreitamente combinadas. Ainda que a alienação domine o trabalho assalariado há, concomitantemente, um processo de socialização. Não se trata de negar essa contradição, mas de se instalar nela para enfrenta-la. Por trás do trabalho imposto persiste, ainda que de forma débil, surda, cega, essa necessidade do possível, que diferencia a atividade humana da simples existência vegetativa ou animalesca.
Um projeto estratégico de emancipação humana da maldição do trabalho sob o capital tem no horizonte perspectivas generosas de Marx e Engels em “A Ideologia Alemã”:
“Desde o momento em que o trabalho começa a ser repartido, cada um tem sua esfera de atividade exclusiva e determinada, que lhe vem imposta e da qual não pode fugir; ser caçador, pescador ou pastor ou crítico, e deve continuar sendo se não quiser perder os meios de sua existência; enquanto que na sociedade comunista, onde cada não tem uma esfera exclusiva.
Ainda que possa aperfeiçoar-se no ramo que deseje, a sociedade regulamenta a produção geral, o que cria a possibilidade para mim de fazer hoje esta coisa, amanha outra, caçar pela manha, pescar à tarde, cuidar do gado ao entardecer, fazer crítica depois do jantar , segundo minhas vontades, sem me converter, por isso, em caçador, pescador ou crítico”
Olhando assim, parecemos tomados de romantismo, alimentados pela d utopia. A escrupulosa e radical utopia que povoa a produção intelectual de Marx, como que fogo a galvanizar o sentido de ser da luta contra o capitalismo e suas formas de opressão, encarceramento material e espiritual, e exploração. Diante dessa prostração de uma crescente rede de intelectuais e de militantes sindicais, desenvolve-se a perversa concepção de desvincular o trabalho dos direitos, ou, do direito a ter direitos. Uma teoria sobre o cansaço provocado nos trabalhadores rumo ao improvável, como que numa corrida sem ponto de chegada entre estes e o emprego.
Vejamos a complexidade da teia que tece o tecido atual do mundo do trabalho, seguindo os argumentos de Gorz, o principal expoente da concepção contra a qual nos posicionamos. Sendo coerente com este autor, diríamos que, ainda que não se admita a idéia do fim do trabalho, pode-se indagar sua transformação, no sentido de uma redução dos postos de trabalho estáveis e por toda vida, em favor de uma flexível alternância de empregos.
O uso do trabalho tende a converter-se em uma sequência de trabalhos intermitentes, empregos temporários, esperas, conversões e reconversões, tornando permanente o temporário, e estável a instabilidade.O salário se converteria em um salário da disponibilidade, pago tanto durante os períodos de espera de emprego, como durante o próprio emprego. Tudo flexível, tudo ao sabor da ondulações, típicas de um tempo provisório. Quem garantiria um pacto entre o capital e o trabalho em torno de uma pauta dessas?
Em verdade, existe uma idéia fixa entre os defensores do paradigma de acumulação flexível e os teóricos do fim do trabalho de que a ideologia do pleno emprego salarial é o maior obstáculo à resolução da crise atual do capital...e do trabalho. Uma sociedade em que se tivesse a obrigação, ou um direito de cidadania, como diria Rifkin (1997), à garantia de uma renda social primária distribuída aos mais pobres e aos desempregados, apenas aumentaria as necessidades de se buscar um emprego assalariado.
A questão se complexifica ainda mais quando se aventura num tortuoso exercício de quantificação de direitos. Gorz rejeita a proposta de uma renda de subsistência suficiente. Prudentemente pergunta o que determina a suficiência: um salário mínimo interprofissional? Ajuda social complementar?
Ou as chamadas políticas de renda mínima, tão em voga nos governos neoliberais dos anos 90, e que são advogados por governos de corte reformista e popular?
As fórmulas quantificadoras de um direito que deveria ser universal, que substitua os mínimos sociais dentro de uma lógica liberal conduzem a uma institucionalização e permanência de uma nova legião daquilo que Casttel (1997) denomina de “sobrantes”[1] do capital, amparados por políticas de renda mínima de inserção precarizada, como compensação ao fato de que dificilmente serão reintegrados ao mercado de trabalho, atenuando o fenômeno do desemprego.
Caberia sublinhar a falta de sentido humano emancipatório de um sistema que realiza economia de tempo de trabalho sem precedentes, mas que converte o tempo assim liberado em um flagelo social, porque não se propõe a reparti-lo, nem repartir as riquezas produzidas ou produtivas, nem reconhece o valor intrínsico do tempo livre e do tempo para atividades superiores.
Os “sobrantes” dessa lógica perversa, sem um horizonte utópico ou sem as perspectivas concretas de combate contra ela, tenderiam a desanimar de suas lutas imediatas pelo emprego capitalista, e, na sua falta, lutariam pelo direito de uma renda mínima , com a ilusão de que a alcançariam sem que para isso houvesse uma correlação de forças que pudesse fazer com que ela se aproxime ao nível de um mínimo socialmente concebível, a saber, o direito ao trabalho e aos direitos dele advindo.
A oposição entre o direito a uma renda e o direito ao emprego torna-se ironicamente perversa quando se busca explicar que o problema já não é de exploração, mas sim de exclusão, como se segunda não fosse produto da primeira, e como se ambas não fossem resultado da própria lógica salarial imposta pelo capital em sua relação com o trabalho.
Esse argumento de que o mercado não tem nada a ver com isso, e que ao Estado compete políticas de alívio da exclusão, provocados pela competição “natural” dos agentes econômicos são sustentados por uma centena de profissionais de Marketing, economistas, administradores, psicólogos e pedagogos que assessoram o capital e dão consultoria às empresas, na nova modalidade de pedagogia do capital e de domesticação do trabalho, chamadas pós modernamente de “gestão estratégica das empresas e empreendimentos”, “gestão de pessoas”, “gestão de recursos humanos”, “gestão por competências” ou “gestão da empregabilidade”, para não deixar de citar nomes, Idalberto Chiavennato, Jeremy Rifkin, Peter Brucker, Domênico de Masi, José Pastore, etc.
No próximo capítulo, procuraremos mostrar a função orgânica dessa nova ideologia do capital, o neoliberalismo, seus pressupostos teóricos, tanto econômicos, políticicos, quanto éticos e culturais e como seus intelectuais orgânicos (coletivos e/ou individuais) alguns dos quais citados acima, a propagam e como sua hegemonia se espraia pelo tecido social e impregna corações e mentes das populações mais pobres do planeta.
[1] Há uma razoável divergência entre os autores em relação ao termo “excluídos” “excluídos socialmente” ou “exclusão social”. Castell utiliza o conceito “sobrantes”, para designar a imensa parcela da população mundial que se encontra descartada pelo capital e seu sistema.. No capítulo 2 deste trabalho buscaremos analisar estas questões, cotejando estes termos com a própria história e lógica de reprodução do modo de produção capitalista – como herança da lógica escravocrata e da mundialização do capital e do mercado.
( Helder Molina)
Capítulo 1, parte 4, de minha dissertação de Mestrado em Educação, na UFF
Outras questões estão envolvidas neste debate, que envolvem a previdência e a seguridade social, idade da aposentadoria, redução da quantidade de horas da jornada e de dias da semana de trabalho ( sem redução de salários), pagamento de horas extras, adequação dos horários ou ritmos escolares, trabalho dominical, e a luta por dividir tempo de trabalho em tempo necessário e sobretrabalho são atuais.
Mas esse tempo abstrato médio (jornada), estabelecido pelo jogo do mercado, reflete de forma cada vez pior a heterogeneidade e a complexidade de um trabalho socializado, no qual parte de trabalho morto ( o trabalho das gerações precedentes acumulado de forma de técnicas e saberes) é cada vez mais importante.
O custo social do trabalho se afasta, cada vez mais, da medida mercantil de seu custo imediato. Gorz propõe, nesse sentido, a noção de “composição orgânica do trabalho”, expressando a relação entre trabalho vivo e trabalho morto, no próprio processo de trabalho. Realça, assim um aspecto particular da tendência geral de evolução orgânica do capital. Contudo, o trabalho abstrato não desaparece pois, movido por sua lógica de acumulação de taxas de lucro, o capital necessita cada vêz mais de trabalho vivo, tal qual o vampiro necessita de sangue, ainda que deva mobilizar uma parte crescente de trabalho morto para transforma-lo em valor.
A redução de parte do trabalho industrial diretamente produtivo em relação à soma do trabalho coletivo e ao desenvolvimento dos serviços não significa, portanto, fim do trabalho, mas sim uma profunda modificação histórica na sua composição orgânica. Nessa nova composição histórica, porém, os ganhos de produtividade obtidos nos setores de produção de bens de produção não são facilmente transferíveis aos setores de serviços, a não ser que estes serviços, ainda que públicos, sejam disponibilizados socialmente segundo uma lógica mercadológica estrita. Aos possuídos, os serviços de melhor qualidade, privatizados e produzindo lucros para o capital; aos despossuídos, a lógica caritativa e compensatória mínima , por conta do Estado.
Gorz insiste que no ato de trabalhar a atividade prático-sensorial fica reduzida a uma pobreza extrema, e que o trabalho já não é uma atividade de apropriação do mundo objetivo. Para ele, a sociedade do trabalho converteu-se em um fantasma sobrevivendo os estertores de sua extinção. A pergunta que agora se coloca, para além da renúncia política de lutar contra o desemprego, como propõe este autor, é o que há, então a fazer?
O advento do trabalho assalariado determina as modalidade de não trabalho. Como sabemos, com o surgimento do capital, do modo de produção capitalista e, posteriormente do capitalismo as palavras ganham novo significado. As categorias, e suas mudanças, são construídas historicamente, e acompanham os processos sociais. O repouso corresponde, mais ou menos, ao tempo necessário para recomposição das energias humanas da força de trabalho. Mas a sociedade do lucro e o fetiche da mercadoria confundem repouso, tempo livre e ócio, mistura-os, integrando a cultura, o lazer e o ócio ao ritual do intercâmbio mercantil. Diferente do tempo livre, o tempo de ócio, sem o aprisionamento mercantil, seria o da fluição, o “tempo emancipado”.
Sob o regime do capital, o trabalho alienado, a divisão social do trabalho, a lei do mercado, o fetiche da mercadoria, a reificação das coisas, e a propriedade privada formam um quadro terrivelmente coerente. Não se pode escapar da alienação da relação salarial sem postular, ao mesmo tempo, a questão da apropriação social, da planificação democrática da economia e da revogação da divisão do trabalho.
Caberia indagar, como Arendt (1988), como seria uma sociedade de trabalhadores sem trabalho? Se “o advento da automatização esvaziará, provavelmente em décadas, as fábricas e liberará a humanidade de sua carga mais antiga e mais natural, a servidão perante a necessidade”.Se assim for, estará em jogo “um aspecto fundamental da condição humana” mas, prossegue Arendt
“ isso acontece nos contos de fadas, nos quais o desejo resulta em um engano. Uma sociedade de trabalhadores vai se livrar das cadeias do trabalho, e esta sociedade não sabe nada das atividades elevadas e enriquecedoras para as quais valeria a pena ganhar a liberdade”.
Uma grande indagação ao futuro... ou ao presente?
“Que a emancipação do trabalho na época moderna, não só fracasse na hora de instaurar uma era de liberdade universal, mas conduza, pelo contrario, toda a humanidade a se inclinar pela primeira vez sob o jugo da necessidade”(Arendt, 1988)
Eis uma possibilidade perigosa que Marx se deu conta quando afirmava que o objetivo da revolução não poderia ser a emancipação, já realizada, dos trabalhadores e que devia consistir na emancipação do homem do trabalho. Considerar somente a dimensão antropológica do trabalho, abstraindo seu caráter historicamente determinado ou considerá-lo somente em seu caráter alienado e alienante, abstraindo sua potencialidade criadores, parece-nos dois extremos problemáticos.
As dimensões antropológicas e históricas do trabalho estão estreitamente combinadas. Ainda que a alienação domine o trabalho assalariado há, concomitantemente, um processo de socialização. Não se trata de negar essa contradição, mas de se instalar nela para enfrenta-la. Por trás do trabalho imposto persiste, ainda que de forma débil, surda, cega, essa necessidade do possível, que diferencia a atividade humana da simples existência vegetativa ou animalesca.
Um projeto estratégico de emancipação humana da maldição do trabalho sob o capital tem no horizonte perspectivas generosas de Marx e Engels em “A Ideologia Alemã”:
“Desde o momento em que o trabalho começa a ser repartido, cada um tem sua esfera de atividade exclusiva e determinada, que lhe vem imposta e da qual não pode fugir; ser caçador, pescador ou pastor ou crítico, e deve continuar sendo se não quiser perder os meios de sua existência; enquanto que na sociedade comunista, onde cada não tem uma esfera exclusiva.
Ainda que possa aperfeiçoar-se no ramo que deseje, a sociedade regulamenta a produção geral, o que cria a possibilidade para mim de fazer hoje esta coisa, amanha outra, caçar pela manha, pescar à tarde, cuidar do gado ao entardecer, fazer crítica depois do jantar , segundo minhas vontades, sem me converter, por isso, em caçador, pescador ou crítico”
Olhando assim, parecemos tomados de romantismo, alimentados pela d utopia. A escrupulosa e radical utopia que povoa a produção intelectual de Marx, como que fogo a galvanizar o sentido de ser da luta contra o capitalismo e suas formas de opressão, encarceramento material e espiritual, e exploração. Diante dessa prostração de uma crescente rede de intelectuais e de militantes sindicais, desenvolve-se a perversa concepção de desvincular o trabalho dos direitos, ou, do direito a ter direitos. Uma teoria sobre o cansaço provocado nos trabalhadores rumo ao improvável, como que numa corrida sem ponto de chegada entre estes e o emprego.
Vejamos a complexidade da teia que tece o tecido atual do mundo do trabalho, seguindo os argumentos de Gorz, o principal expoente da concepção contra a qual nos posicionamos. Sendo coerente com este autor, diríamos que, ainda que não se admita a idéia do fim do trabalho, pode-se indagar sua transformação, no sentido de uma redução dos postos de trabalho estáveis e por toda vida, em favor de uma flexível alternância de empregos.
O uso do trabalho tende a converter-se em uma sequência de trabalhos intermitentes, empregos temporários, esperas, conversões e reconversões, tornando permanente o temporário, e estável a instabilidade.O salário se converteria em um salário da disponibilidade, pago tanto durante os períodos de espera de emprego, como durante o próprio emprego. Tudo flexível, tudo ao sabor da ondulações, típicas de um tempo provisório. Quem garantiria um pacto entre o capital e o trabalho em torno de uma pauta dessas?
Em verdade, existe uma idéia fixa entre os defensores do paradigma de acumulação flexível e os teóricos do fim do trabalho de que a ideologia do pleno emprego salarial é o maior obstáculo à resolução da crise atual do capital...e do trabalho. Uma sociedade em que se tivesse a obrigação, ou um direito de cidadania, como diria Rifkin (1997), à garantia de uma renda social primária distribuída aos mais pobres e aos desempregados, apenas aumentaria as necessidades de se buscar um emprego assalariado.
A questão se complexifica ainda mais quando se aventura num tortuoso exercício de quantificação de direitos. Gorz rejeita a proposta de uma renda de subsistência suficiente. Prudentemente pergunta o que determina a suficiência: um salário mínimo interprofissional? Ajuda social complementar?
Ou as chamadas políticas de renda mínima, tão em voga nos governos neoliberais dos anos 90, e que são advogados por governos de corte reformista e popular?
As fórmulas quantificadoras de um direito que deveria ser universal, que substitua os mínimos sociais dentro de uma lógica liberal conduzem a uma institucionalização e permanência de uma nova legião daquilo que Casttel (1997) denomina de “sobrantes”[1] do capital, amparados por políticas de renda mínima de inserção precarizada, como compensação ao fato de que dificilmente serão reintegrados ao mercado de trabalho, atenuando o fenômeno do desemprego.
Caberia sublinhar a falta de sentido humano emancipatório de um sistema que realiza economia de tempo de trabalho sem precedentes, mas que converte o tempo assim liberado em um flagelo social, porque não se propõe a reparti-lo, nem repartir as riquezas produzidas ou produtivas, nem reconhece o valor intrínsico do tempo livre e do tempo para atividades superiores.
Os “sobrantes” dessa lógica perversa, sem um horizonte utópico ou sem as perspectivas concretas de combate contra ela, tenderiam a desanimar de suas lutas imediatas pelo emprego capitalista, e, na sua falta, lutariam pelo direito de uma renda mínima , com a ilusão de que a alcançariam sem que para isso houvesse uma correlação de forças que pudesse fazer com que ela se aproxime ao nível de um mínimo socialmente concebível, a saber, o direito ao trabalho e aos direitos dele advindo.
A oposição entre o direito a uma renda e o direito ao emprego torna-se ironicamente perversa quando se busca explicar que o problema já não é de exploração, mas sim de exclusão, como se segunda não fosse produto da primeira, e como se ambas não fossem resultado da própria lógica salarial imposta pelo capital em sua relação com o trabalho.
Esse argumento de que o mercado não tem nada a ver com isso, e que ao Estado compete políticas de alívio da exclusão, provocados pela competição “natural” dos agentes econômicos são sustentados por uma centena de profissionais de Marketing, economistas, administradores, psicólogos e pedagogos que assessoram o capital e dão consultoria às empresas, na nova modalidade de pedagogia do capital e de domesticação do trabalho, chamadas pós modernamente de “gestão estratégica das empresas e empreendimentos”, “gestão de pessoas”, “gestão de recursos humanos”, “gestão por competências” ou “gestão da empregabilidade”, para não deixar de citar nomes, Idalberto Chiavennato, Jeremy Rifkin, Peter Brucker, Domênico de Masi, José Pastore, etc.
No próximo capítulo, procuraremos mostrar a função orgânica dessa nova ideologia do capital, o neoliberalismo, seus pressupostos teóricos, tanto econômicos, políticicos, quanto éticos e culturais e como seus intelectuais orgânicos (coletivos e/ou individuais) alguns dos quais citados acima, a propagam e como sua hegemonia se espraia pelo tecido social e impregna corações e mentes das populações mais pobres do planeta.
[1] Há uma razoável divergência entre os autores em relação ao termo “excluídos” “excluídos socialmente” ou “exclusão social”. Castell utiliza o conceito “sobrantes”, para designar a imensa parcela da população mundial que se encontra descartada pelo capital e seu sistema.. No capítulo 2 deste trabalho buscaremos analisar estas questões, cotejando estes termos com a própria história e lógica de reprodução do modo de produção capitalista – como herança da lógica escravocrata e da mundialização do capital e do mercado.
APOLOGIAS SOBRE O FIM DO TRABALHO - TESES INSUFICIENTES
1.3 - As apologias do fim do trabalho e a insuficiência material de suas teses
(Por Helder Molina)
Cápítulo 1, parte 3, de minha dissertação de mestrado em Educação, UFF.
“Nada mais corrompeu o movimento operário alemão do que a convicção de nadar a favor da corrente. Considerou o desenvolvimento técnico como o sentido da corrente. A partir daí, só precisou dar um passo para imaginar que o trabalho industrial representava uma conquista política. Às custas dos operários alemães, a velha ética protestante do trabalho celebrou, de uma forma secularizada, sua ressurreição. Esta concepção de trabalho não se preocupa em saber em que medida os produtos desta trabalho servem aos próprios produtores, que não podem dispor deles. Só se preocupa com o progresso no domínio sobre a natureza, não com as regressões da sociedade.” (Walter Benjamim, Teses sobre o conceito de história, 1940)
Na severa crítica de Benjamim, admitir a hipótese e a tese do fim do trabalho significa aos trabalhadores se renderem à eternidade do capital e de suas formas e conteúdos de dominação. Esta é, portanto, uma questão política e ideológica central na disputa contra o capital e o capitalismo.
A crise do trabalho, portanto, não anuncia o “fim do trabalho” no sentido geral do termo, mas designa uma crise da relação capitalista de produção. Crise esta que forma cada vez pior a heterogeneidade e a complexidade de um trabalho socializado, na qual a parte do trabalho morto, aquele realizado pelas gerações precedentes acumulado na forma de saberes e técnicas, é cada vez mais importante.
Como diz Bensaid (1999),
“..esse não é um debate apenas teórico. Redução do emprego não significa, portanto, o fim do trabalho, mas uma modificação histórica na sua composição orgânica, onde o trabalho morto, passado, ganha prevalência sobre o trabalho vivo, presente. Os desafios sobre o trabalho são muito concretos. As questões da redução do tempo de trabalho ou de garantia de uma renda universal, entre outras”.
Segundo Frigotto,
“dentro do capitalismo o fim do trabalho escravo é uma necessidade tanto em relação à materialidade das relações quanto à ideologia que a sustente. Sem trabalhadores duplamente livres – não escravos, mas sem meios e instrumentos de produção, apenas proprietários de sua força de trabalho, a relação mercantil não se efetiva, assim como não se mascara a farsa da liberdade de escolha. Hoje, no contexto da crise estrutural do emprego, comumente faz-se elogio e apologia do trabalho informal como sendo uma forma de não ter patrões.
Uma primeira distinção fundamental a ser feita e sobre a qual ainda se faz confusão na literatura atual é entre o conceito de trabalho e o conceito de trabalho assalariado ou venda de força de trabalho. O fim do trabalho – e da sua ontológica centralidade na reprodução da vida social – encontra-se proclamado à direita e à esquerda, sem preconceitos. À direita, pelo senso comum produzido pela mídia e por uma gama de autores de algum modo vinculado ao ideário liberal exposto tão efusivamente por Francis Fukuyama[1] para quem “não existe alternativa à democracia liberal, ou ao sistema econômico capitalista global” e Jeremy Rifkin (1990)[2] e para o sociólogo do capital e consultor empresarial sobre o “Ócio Criativo” Domênico De Masi[3]. E no espectro intelectual que se reivindica à esquerda, a do filósofo Habermas (1987) e a dos sociólogos Offe (1985) e Gorz (1990) - todos eles autores que pensam a sociedade e o capitalismo contemporâneo e suas processualidades a partir dos países centrais do modo de produção capitalista.
Segundo Hirata (1996) , as duas primeiras obras representativas desse debate foram produzidas por Piore e Sabel (1987) em “A segunda divisão industrial: possibilidades para prosperidade” e em “O fim da divisão do trabalho? A racionalização da produção industrial” de Kern e Schumann (1989) . O tema do final ou desaparecimento do trabalho é um debate que se repete. Para Hirata, essas teses surgiram na esteira da intensa inovação tecnológica verificada a partir do final da década de 1970 e na década de 1980 e com a emergência dos novos paradigmas organizacionais que se desenvolveram nesse processo, com desdobramentos na requalificação dos trabalhadores e na recomposição das tarefas, ao contrário do aprofundamento a divisão taylorista do trabalho.
Essas mudanças de paradigmas e o acelerado progresso técnico, e a consequente supressão dos empregos, principalmente na indústria, explicariam a perda de centralidade do trabalho nas sociedades contemporâneas. Mas, de que está se falando exatamente? Do trabalho em sentido amplo, ontológico e antropológico do termo? Ou do trabalho historicamente determinado pelo modo de produção capitalista, o trabalho assalariado? Quando se diz fim do trabalho, traduza-se o definhamento do trabalho sobre determinada forma histórica – o trabalho assalariado. É inadequado e equivocado, em uma perspectiva ontológica, falar-se do fim do trabalho.
O capital eterno é a fantasia burguesa que projeta prescindir do trabalho ou no mínimo deseja concebê-lo como coisa inerte, incapaz de produzir interesses ou valores , além de mercadorias. Eis uma escatologia conservadora, numa versão intelectualmente mais “respeitável” do que o brado histérico de algumas seitas religiosas, metafísicas e apocalípticas que lhe seguem os passos, que decretam o esfacelamento degenerativo das utopias, para, incoerentemente articular um discurso tipicamente utópico, “suprimindo” categorias que apreendem os processos reais, imanentes ou não à sociedade.
à esquerda, vários intelectuais tentam substituir a centralidade do trabalho na sociabilidade humana por outros pressupostos morais e políticos e comunicativos, subjetividades, críticas, formas de racionalidade alternativa, ações consensuais, desejos pragmáticos e outras teses que buscam explicar a “sociedade pós moderna”, “pós salarial”, “pós industrial”, “pós fordista, e o outros tantos neologismos conceituais eivados de componentes ideológicos de corte liberal burguês contra o trabalho e os trabalhadores.
Para Rocha (1999), esse pensamento vem desde os membros da Escola de Frankfurt até Gorz, Offe e Kurz passando por Sartre (1960) seu hipnotismo pela “experiência reflexiva” dos sujeitos singulares e suas manifestações[4], secundarizando ou retirando a importância central, a tradição e o papel da classe operária na luta emancipatória – depreciando a importância de seus movimentos e até mesmo chegando a eliminá-lo – e de buscar outros atores sociais que os substituíssem como protagonista da história e da luta política contra o capitalismo.
Além da confusão entre diminuição do emprego e diminuição do trabalho, e de uma concepção reducionista de trabalho ao trabalho industrial assalariado, estes autores trazem à arena de debates uma reflexão sobre a categoria trabalho e sua processualidade social.
Esta cultura, que floresce concomitantemente ao chamado discurso pós moderno e suas propostas de sociabilidade, desaguou num pêndulo que vem oscilando, ao longo de sua longa trajetória, entre posições teoricamente mais próximas entre si do que gostariam de admitir. Ela abarca do ceticismo em relação à emergência do sujeito social coletivo anticapitalista e revolucionário à descrença diante da possibilidade de ruptura estrutural com o modo de produção capitalista, tanto no terreno concreto da economia, quanto na sua ideologia e experiências simbólicas sensíveis.
Essa concepção vê nos assalariados apenas uma condição de objeto passivo. Porém vai mais além, reforça teoricamente a negação de um projeto que busque a desconstrução conceitual do neoliberalismo em suas próprias bases objetivas. No contexto de combate à nova lógica de acumulação capitalista, essas duas visões sobre o trabalho e os trabalhadores se associam e se complementam.
Frequentemente, agem como se a realidade não fosse, como afirma Marx (1999)“uma síntese de múltiplas determinações, portanto, unidade do diverso”, inclusive a relação social objetiva do capital com trabalho e suas interioridades ou subjetividades inseparáveis e indescartáveis.
Na década de 1990, como já afirmamos, vários analistas e estudiosos no campo da filosofia e das ciências sociais - entre eles destacamos Habermas, Gorz, Offe e Kurz, empreendem consideráveis e retumbantes engenharias intelectuais, cada qual com suas peculiaridades, para convergir nessa direção.
Habermas (1986, ) considera que “os acentos utópicos deslocaram-se do conceito de trabalho para o conceito de comunicação” tomando de forma absoluta e unilateral uma atividade racional “que descansa em pretenções de validade reconhecidas intersubjetivamente” e “universais” em substituição a quaisquer “ação estratégica” hostil a semelhante “consenso de fundo” e concepções que reconhecem a existência do mundo do trabalho como sujeito, já que ambas “subjazem na base da dialética da luta de classes” ou se fundam “mais na práxis do sujeito produtor que na reflexão do sujeito cognoscitivo” ,como se a praxis-reflexão e produção-congnição fossem contraditoriamente irremediáveis (Habermas, 1987). Seu novo paradigma é o conceito de “ação comunicativa” , que tem na “teoria da ação social” e no método “estrutural-funcional” como “ ponto de referência de uma discussão de orientação sistemática.
Por seu lado, Offe (1994) considera que “o trabalho não só foi deslocado objetivamente de seus status de uma realidade de vida central e evidente por só própria: como está perdendo também seu papel de força estimulante central na atividade dos trabalhadores” carecendo assim de “uma racionalidade comum” e de características empíricas compartilhadas, tornando-se pois “subjetivamente periférico”, razão pela qual “a consciência social não deve mais ser reconstruída como consciência de classe”. Por essas razões, Offe afirma, ainda, que se precisa privilegiar “novos campos de ação caracterizados por novos agentes e por uma nova forma de racionalidade”.
Os argumentos deste autor reafirmam a sinfonia do consenso que prega a degenerescência da luta de classes e a conseqüente dissolução de quaisquer atividades sociais, projetos e políticas referenciados no mundo do trabalho, e da necessária convivência harmônica, racional e comunicativa, num mesmo patíbulo, entre o condenado o verdugo, embora somente um deles sobreviva.
Kurz, com eloquente e astuta lógica discursiva, defende a concepção da inaptidão proletária para o trânsito ao futuro, que, segundo ele, está alicerçada numa conjectura idealista, utópica, numa quimera, vale dizer, a “eliminação tendencial do trabalho produtivo e, com isso, na supressão negativa do trabalho abstrato pelo capital e dentro do capital”, uma auto-amputação do capital variável. Para Kurz, o trabalho ao assumir a forma capital e ao se transformar em mercadoria tornou a classe trabalhadora parte integrante dele, não sendo mais capaz, portanto, de lutar contra o sistema de mercadorias.
O capital é sempre uma relação social e na sua essência se inclui o trabalho objetivado. Marx, nos Grundrisse (1857/1858), explica que
“a produção de capitalistas e trabalhadores assalariados é, neste caso, um produto fundamental de valorização do capital. A economia usual, que só considera as coisas produzidas, esquece-o completamente. Enquanto, nesse processo, o trabalho objetivado é posto ao mesmo tempo como não objetividade do trabalhador, como objetividade de uma subjetividade contraposta ao trabalhador, como propriedade de uma vontade alheia, o capital é ao mesmo tempo, necessariamente, o capitalista, e a idéia de alguns socialistas de que necessitamos do capital, mas não dos capitalistas, é inteiramente falsa. No conceito de capital está posto que as condições objetivas do trabalho – e essas constituem o próprio produto do capital – assumam frente a esse uma personalidade ou, o que é o mesmo, que sejam postas como propriedade de uma personalidade alheia”
De outra maneira: “O produto da produção capitalista não é somente a mais valia, é capital”, vale dizer, “produção e reprodução das relações especificamente capitalistas”, logo, de trabalho abstrato imerso na relação social entre trabalhadores e capitalista. Portanto, para Marx “o capital não é uma coisa, mas uma relação social entre pessoas, efetivada através de coisas”.
Em acordo com esta concepção, podemos dizer que nunca houve, não há e jamais poderá existir capitalismo sem trabalho abstrato e vice versa. Estes são constituintes da lógica capitalista, daí resultando que a única maneira de suplantar qualquer uma dessas duas dimensões será eliminar também a outra, como numa relação psicanalítica entre ego e alter ego, ou filosófica entre fenômeno e concreto, aparência e essência.
A tarefa fundamental da luta anticapitalista fazer aguçar a contradição que está presente na própria totalidade da formação econômico-social capitalista e enfrentá-la. A resolução dessa equação é a essência do complexo, tortuoso e longo caminho da revolução social em seu sentido amplo.
Sem ter a exata dimensão e sem buscar compreender esse traço irrecorível e intrínseco da moderna produção mercantil capitalista, e considerando as subjetividade que lhe são próprias, Kurz, em sua teoria autodestrutiva da chamada “sociedade do trabalho” chega a proclamar categoricamente que “o capitalismo começou a libertar o homem do trabalho”. Vejamos os argumentos de Kurz (1997) a categoria trabalho – indiferenciada e negativamente fetichizada na perdição de seu momento concreto e útil – parece-lhe traduzir uma espécie da maldição histórica, o pecado mais que original do “sofrimento” e do “masoquismo” que se introduziram na relação entre os homens primitivos e a natureza, num dado tempo da história humana.
Essa relação primária, vaticina nosso teórico, “é a fonte de toda a opressão e infelicidade, ao contrário de atividade ontogenética primária do ser social transformada em maldição na e pela sociedade alienada’. Sendo coerente com esta linha de análise, estariam superadas quaisquer perspectivas de crítica e ruptura da sociedade burguesa e do modo de produção capitalista.
Nosso autor vaticina que, “a partir de um posto de vista ontológico do trabalho ou da luta das classes trabalhadoras”, a perspectiva revolucionária pela via de um “movimento de supressão”, cuja raiz esteja numa “conscientização”, seria uma perspectiva pedagógica de fundamento idealista, para não dizer metafísico. A posição de Kurz e dos teóricos que, de uma forma ou de outra, teorizam com ares proféticos o fim do trabalho assalariado e da sociedade do trabalho, sem contudo explicarem como isso se daria sem a superação do capital e remoção histórica do capitalismo.
Essa posição, ao contrário de uma postura intelectual subversiva, ousada e crítica, é na verdade, uma proposição corajosa de um definhamento intelectual, uma concessão ideológica e uma prostração contemplativa que suprime o momento de atividade humana sensível, a práxis, na mudança estrutural a partir da ação humana no terreno da história.
Na mesma perspectiva, Gorz da seu Adeus ao proletariado, inaugurando essa linha de análise que se tornou moda no campo da esquerda intelectual acadêmica, com influências em largos setores do movimento operário e socialista europeu, onde o capitalismo experimentou o Estado de Bem Estar Social. A moda se tornou sepultar a luta de classes e com ela o proletariado como sujeito político, enxergar vida eterna ao capital e ao capitalismo, sem trabalho assalariado.
O argumento de Gorz, sob o impacto da crise vivida pelo movimento socialista na segunda metade do século XX, tem elementos que problematizam a realidade pós Leste Europeu e as deformações presentes na experiência proletária e socialista desse século. Porém não esconde sua confusão, um misto de conformismo ideológico ao capital e espírito romântico, idealizado, sobre o futuro da humanidade reconciliada. Esse argumento ganha mais problematicidade ainda, se levarmos em conta que Gorz se reivindica, pelo menos formalmente, do campo do marxismo renovado e pós stalinista.
Gorz incorpora em sua análise as dimensões da nascente visão pós-moderna sobre o produtor direto, seja o fim do proletariado como ser social empírico, seja da sua consciência de classe, elaborada ou sensível, até como simples possibilidade, na sociedade contemporânea. Nessa mesma linha de análise, Offe afirma que a sociedade contemporânea, a sociedade do conhecimento e dos serviços teria, no limite, substituído a lógica do capital, uma vez que ela seria regida por valores não mercantis, tornados dominantes, o que leva ao desaparecimento da “ética positiva do trabalho”.
As formas contemporânea de vida, dominada pela razão instrumental e pela nova base técnica flexível, pelos novos paradigmas tecnológicos e pela ampliação da cidadania, aprofundaria o desencanto do trabalho, condenado-o às vias de extinção enquanto categoria autônoma.
Se podemos conferir algum mérito que mereça estatuto superior nesses argumentos, foram os de não só exprimir uma sensibilidade crescente nos meios acadêmicos em face das profundas e desconcertantes mudanças ocorridas no mundo do trabalho, principalmente industrial, nos principais países do capitalismo central, como também antecipar uma nova subjetividade que provocou o desmoronamento do chamado campo socialista (URSS e países do leste da Europa) e, portanto, a crise de valores que de fato se insurgiu, sobretudo após a bancarrota dos regime soviético stalinista.
As questões que ele debate, principalmente no campo das subjetividades pós “socialismo real”, estão presentes e candentes nos dilemas dos diversos movimentos emancipatórios policlassistas[5] que eclodiram nas décadas de 1980/1990.
Todavia, não há razões convincentes, tanto teóricas quanto empíricas, capazes de comprovar o anacronismo do conceito de classe operária – embora seu tamanho e importância no processo produtivo capitalista tenham diminuído, ela existe.
E as teses de que o proletariado, em seus variados conceitos e composições no tempo presente, estaria caminhando para seu fim, e consequentemente, perdido seu caráter de sujeito político potencialmente comprometido a tomar frente num amplo movimento de mudança social num sentido anticapitalista, não se sustentam.
Na Ideologia Alemã, Marx e Engels (1993) afirmam que “o pressuposto de toda vida humana é naturalmente a existência de indivíduos humanos vivos”. Em torno dessa necessidade ontológica, e a partir dela, o ser humano produz seus meios de subsistência, e “o primeiro ato histórico é, portanto a produção da própria vida material”.
A produção e reprodução da vida, sob nossa ótica de análise e nossa visão do mundo, está vinculada ao trabalho. Dizer fim do trabalho nesse sentido é dizer fim do modo humano de produzir a si e ao mundo[6]. É supor-se que o ser humano comece a existir como anjo, descarnado, imaterial e que prescinda de necessidades imperativas como comer, beber, vestir-se, morar, defender-se das forças da natureza, das doenças, amar, ter prazer , sonhar e fazer.
Eis uma questão onde não nos deva pairar dúvidas, uma visão transparente e cristalina como a água. Não há como sustentar a idéia de um modo humano de existência sem trabalho que produza valores de uso como resposta às suas múltiplas necessidades. Em um sentido ontológico mais amplo, os seres humanos se produzem enquanto seres da natureza e seres simbólicos e culturais pela práxis, e o centro da práxis é, sem dúvida o trabalho humano
Radicalizando ainda mais este raciocínio, a nosso ver, seria uma adesão consciente à metafísica pensar que as necessidades humanas possam parar no tempo, supor que o seres humanos congelam suas necessidades historicamente é propor à vida desmaterializar-se, encantar-se no reino das idéias e da história desencarnada.
[1] Funcionário do Departamento de Estado dos Estados Unidos, que adquiriu notoriedade nos anos de 1989 e 1992, respectivamente com a publicação de um artigo bombástico na revista NATIONAL INTEREST, e do livro “O fim da história e o último homem,” retomando na comteporaneidade a célebre anunciação hegeliana sobre o advento de uma forma racional e definitiva de sociabilidade humana, o que supõe a diligência de cassar-lhe o ser social da contestação possível. Aqui citamos trecho de uma longa entrevista ao jornal “Folha de São Paulo”, caderno Mundo, p.25, de 27/7/97.
[2] Este autor, sob um discurso de participação e colaboração é um dos mais requisitados consultores de empresas nos Estados Unidos e da América Latina, principalmente sobre os processos de reestruturação produtiva, gestão de recursos humanos e modernização administrativa. Trata-se de uma referência bibliográfica central nos cursos de graduação, pós graduação e MBA em Administração de Empresas, Economia, Gestão, Negócios e Marketing, nas principais universidades brasileiras, tanto privadas quanto públicas.
[3] Domênico de Masi, um teórico italiano, com título de doutor e catedrático em Sociologia do Trabalho pela Universidade de Roma ( O mais correto seria em Sociologia do Capital) tem proferido palestras, conferências e simpósios para grandes executivos, chefes, empresários, profissionais de recursos humanos, gestores do capital, enfim, para o capital, com a tese de que vivemos na sociedade do conhecimento, na sociedade tecnólogica pós trabalho industrial, e que a grande descoberta, o grande diferencial é a criatividade, o tempo livre, o ao que ele chama de ócio criativo. Seus livros, vendidos ao preço de ouro, parece falar de um outro planeta, onde não existe o capital e o capitalismo, a divisão social do trabalho, a mais valia, a superexploração da força de trabalho, ou a multidão de sobrantes, produzidos pela exploração dos capitalistas...estes mesmos que o remunera com gordas quantias de dinheiro, para suas consultorias...retiradas do suor, do sangue e da lágrima do trabalho humano assalariado ou precarizados...ou dos desempregados
[4] Para conhecer melhor as teses existencialistas, muito em voga nos meios intelectuais europeus e nos movimentos de contestação social de caráter anti soviético e anti stalinista, e com recorte democrático humanista liberal, nos anos das décadas de 1960 e 1970J, ver Sartre, 1960.
[5] Movimentos sem nítidos cortes de classe, que contestam a ordem capitalista neoliberal, sem contudo propor rupturas radicais, num sentido socialista. Nessa categoria estariam os movimentos ecológicos e ambientalistas, os de gênero(mulheres, homossexuais...) , raça e geração, os movimentos de juventude, estudantil, e os que protestam contra a globalização da economia capitalista e seus efeitos sociais, e a nova ordem capitalista que emergiu do chamado “consenso de Washington” e suas políticas de ajustes fiscais. Sobre esses temas, ver “Resistências Mundiais – de Seattle a Porto Alegre” , organizado por Seoane e Taddei, 2001. e “Novos Sujeitos e Novos Enfoques da Educação Popular no Brasil”, de Elizabeth Serra(2001).
[6] O sentido principal da tese do fim do trabalho não é a negativa da existência humana, mas sim da sua importância histórica como categoria teórica, sociológica e como potencial de constituição das classes sociais, das lutas de classe. Segundo esses autores, outras categoria, outros elementos de coesão social ( gênero, etnia, linguagem, comunicação, cultura, etc. ) seriam mais aglutinadoras e mais importantes
(Por Helder Molina)
Cápítulo 1, parte 3, de minha dissertação de mestrado em Educação, UFF.
“Nada mais corrompeu o movimento operário alemão do que a convicção de nadar a favor da corrente. Considerou o desenvolvimento técnico como o sentido da corrente. A partir daí, só precisou dar um passo para imaginar que o trabalho industrial representava uma conquista política. Às custas dos operários alemães, a velha ética protestante do trabalho celebrou, de uma forma secularizada, sua ressurreição. Esta concepção de trabalho não se preocupa em saber em que medida os produtos desta trabalho servem aos próprios produtores, que não podem dispor deles. Só se preocupa com o progresso no domínio sobre a natureza, não com as regressões da sociedade.” (Walter Benjamim, Teses sobre o conceito de história, 1940)
Na severa crítica de Benjamim, admitir a hipótese e a tese do fim do trabalho significa aos trabalhadores se renderem à eternidade do capital e de suas formas e conteúdos de dominação. Esta é, portanto, uma questão política e ideológica central na disputa contra o capital e o capitalismo.
A crise do trabalho, portanto, não anuncia o “fim do trabalho” no sentido geral do termo, mas designa uma crise da relação capitalista de produção. Crise esta que forma cada vez pior a heterogeneidade e a complexidade de um trabalho socializado, na qual a parte do trabalho morto, aquele realizado pelas gerações precedentes acumulado na forma de saberes e técnicas, é cada vez mais importante.
Como diz Bensaid (1999),
“..esse não é um debate apenas teórico. Redução do emprego não significa, portanto, o fim do trabalho, mas uma modificação histórica na sua composição orgânica, onde o trabalho morto, passado, ganha prevalência sobre o trabalho vivo, presente. Os desafios sobre o trabalho são muito concretos. As questões da redução do tempo de trabalho ou de garantia de uma renda universal, entre outras”.
Segundo Frigotto,
“dentro do capitalismo o fim do trabalho escravo é uma necessidade tanto em relação à materialidade das relações quanto à ideologia que a sustente. Sem trabalhadores duplamente livres – não escravos, mas sem meios e instrumentos de produção, apenas proprietários de sua força de trabalho, a relação mercantil não se efetiva, assim como não se mascara a farsa da liberdade de escolha. Hoje, no contexto da crise estrutural do emprego, comumente faz-se elogio e apologia do trabalho informal como sendo uma forma de não ter patrões.
Uma primeira distinção fundamental a ser feita e sobre a qual ainda se faz confusão na literatura atual é entre o conceito de trabalho e o conceito de trabalho assalariado ou venda de força de trabalho. O fim do trabalho – e da sua ontológica centralidade na reprodução da vida social – encontra-se proclamado à direita e à esquerda, sem preconceitos. À direita, pelo senso comum produzido pela mídia e por uma gama de autores de algum modo vinculado ao ideário liberal exposto tão efusivamente por Francis Fukuyama[1] para quem “não existe alternativa à democracia liberal, ou ao sistema econômico capitalista global” e Jeremy Rifkin (1990)[2] e para o sociólogo do capital e consultor empresarial sobre o “Ócio Criativo” Domênico De Masi[3]. E no espectro intelectual que se reivindica à esquerda, a do filósofo Habermas (1987) e a dos sociólogos Offe (1985) e Gorz (1990) - todos eles autores que pensam a sociedade e o capitalismo contemporâneo e suas processualidades a partir dos países centrais do modo de produção capitalista.
Segundo Hirata (1996) , as duas primeiras obras representativas desse debate foram produzidas por Piore e Sabel (1987) em “A segunda divisão industrial: possibilidades para prosperidade” e em “O fim da divisão do trabalho? A racionalização da produção industrial” de Kern e Schumann (1989) . O tema do final ou desaparecimento do trabalho é um debate que se repete. Para Hirata, essas teses surgiram na esteira da intensa inovação tecnológica verificada a partir do final da década de 1970 e na década de 1980 e com a emergência dos novos paradigmas organizacionais que se desenvolveram nesse processo, com desdobramentos na requalificação dos trabalhadores e na recomposição das tarefas, ao contrário do aprofundamento a divisão taylorista do trabalho.
Essas mudanças de paradigmas e o acelerado progresso técnico, e a consequente supressão dos empregos, principalmente na indústria, explicariam a perda de centralidade do trabalho nas sociedades contemporâneas. Mas, de que está se falando exatamente? Do trabalho em sentido amplo, ontológico e antropológico do termo? Ou do trabalho historicamente determinado pelo modo de produção capitalista, o trabalho assalariado? Quando se diz fim do trabalho, traduza-se o definhamento do trabalho sobre determinada forma histórica – o trabalho assalariado. É inadequado e equivocado, em uma perspectiva ontológica, falar-se do fim do trabalho.
O capital eterno é a fantasia burguesa que projeta prescindir do trabalho ou no mínimo deseja concebê-lo como coisa inerte, incapaz de produzir interesses ou valores , além de mercadorias. Eis uma escatologia conservadora, numa versão intelectualmente mais “respeitável” do que o brado histérico de algumas seitas religiosas, metafísicas e apocalípticas que lhe seguem os passos, que decretam o esfacelamento degenerativo das utopias, para, incoerentemente articular um discurso tipicamente utópico, “suprimindo” categorias que apreendem os processos reais, imanentes ou não à sociedade.
à esquerda, vários intelectuais tentam substituir a centralidade do trabalho na sociabilidade humana por outros pressupostos morais e políticos e comunicativos, subjetividades, críticas, formas de racionalidade alternativa, ações consensuais, desejos pragmáticos e outras teses que buscam explicar a “sociedade pós moderna”, “pós salarial”, “pós industrial”, “pós fordista, e o outros tantos neologismos conceituais eivados de componentes ideológicos de corte liberal burguês contra o trabalho e os trabalhadores.
Para Rocha (1999), esse pensamento vem desde os membros da Escola de Frankfurt até Gorz, Offe e Kurz passando por Sartre (1960) seu hipnotismo pela “experiência reflexiva” dos sujeitos singulares e suas manifestações[4], secundarizando ou retirando a importância central, a tradição e o papel da classe operária na luta emancipatória – depreciando a importância de seus movimentos e até mesmo chegando a eliminá-lo – e de buscar outros atores sociais que os substituíssem como protagonista da história e da luta política contra o capitalismo.
Além da confusão entre diminuição do emprego e diminuição do trabalho, e de uma concepção reducionista de trabalho ao trabalho industrial assalariado, estes autores trazem à arena de debates uma reflexão sobre a categoria trabalho e sua processualidade social.
Esta cultura, que floresce concomitantemente ao chamado discurso pós moderno e suas propostas de sociabilidade, desaguou num pêndulo que vem oscilando, ao longo de sua longa trajetória, entre posições teoricamente mais próximas entre si do que gostariam de admitir. Ela abarca do ceticismo em relação à emergência do sujeito social coletivo anticapitalista e revolucionário à descrença diante da possibilidade de ruptura estrutural com o modo de produção capitalista, tanto no terreno concreto da economia, quanto na sua ideologia e experiências simbólicas sensíveis.
Essa concepção vê nos assalariados apenas uma condição de objeto passivo. Porém vai mais além, reforça teoricamente a negação de um projeto que busque a desconstrução conceitual do neoliberalismo em suas próprias bases objetivas. No contexto de combate à nova lógica de acumulação capitalista, essas duas visões sobre o trabalho e os trabalhadores se associam e se complementam.
Frequentemente, agem como se a realidade não fosse, como afirma Marx (1999)“uma síntese de múltiplas determinações, portanto, unidade do diverso”, inclusive a relação social objetiva do capital com trabalho e suas interioridades ou subjetividades inseparáveis e indescartáveis.
Na década de 1990, como já afirmamos, vários analistas e estudiosos no campo da filosofia e das ciências sociais - entre eles destacamos Habermas, Gorz, Offe e Kurz, empreendem consideráveis e retumbantes engenharias intelectuais, cada qual com suas peculiaridades, para convergir nessa direção.
Habermas (1986, ) considera que “os acentos utópicos deslocaram-se do conceito de trabalho para o conceito de comunicação” tomando de forma absoluta e unilateral uma atividade racional “que descansa em pretenções de validade reconhecidas intersubjetivamente” e “universais” em substituição a quaisquer “ação estratégica” hostil a semelhante “consenso de fundo” e concepções que reconhecem a existência do mundo do trabalho como sujeito, já que ambas “subjazem na base da dialética da luta de classes” ou se fundam “mais na práxis do sujeito produtor que na reflexão do sujeito cognoscitivo” ,como se a praxis-reflexão e produção-congnição fossem contraditoriamente irremediáveis (Habermas, 1987). Seu novo paradigma é o conceito de “ação comunicativa” , que tem na “teoria da ação social” e no método “estrutural-funcional” como “ ponto de referência de uma discussão de orientação sistemática.
Por seu lado, Offe (1994) considera que “o trabalho não só foi deslocado objetivamente de seus status de uma realidade de vida central e evidente por só própria: como está perdendo também seu papel de força estimulante central na atividade dos trabalhadores” carecendo assim de “uma racionalidade comum” e de características empíricas compartilhadas, tornando-se pois “subjetivamente periférico”, razão pela qual “a consciência social não deve mais ser reconstruída como consciência de classe”. Por essas razões, Offe afirma, ainda, que se precisa privilegiar “novos campos de ação caracterizados por novos agentes e por uma nova forma de racionalidade”.
Os argumentos deste autor reafirmam a sinfonia do consenso que prega a degenerescência da luta de classes e a conseqüente dissolução de quaisquer atividades sociais, projetos e políticas referenciados no mundo do trabalho, e da necessária convivência harmônica, racional e comunicativa, num mesmo patíbulo, entre o condenado o verdugo, embora somente um deles sobreviva.
Kurz, com eloquente e astuta lógica discursiva, defende a concepção da inaptidão proletária para o trânsito ao futuro, que, segundo ele, está alicerçada numa conjectura idealista, utópica, numa quimera, vale dizer, a “eliminação tendencial do trabalho produtivo e, com isso, na supressão negativa do trabalho abstrato pelo capital e dentro do capital”, uma auto-amputação do capital variável. Para Kurz, o trabalho ao assumir a forma capital e ao se transformar em mercadoria tornou a classe trabalhadora parte integrante dele, não sendo mais capaz, portanto, de lutar contra o sistema de mercadorias.
O capital é sempre uma relação social e na sua essência se inclui o trabalho objetivado. Marx, nos Grundrisse (1857/1858), explica que
“a produção de capitalistas e trabalhadores assalariados é, neste caso, um produto fundamental de valorização do capital. A economia usual, que só considera as coisas produzidas, esquece-o completamente. Enquanto, nesse processo, o trabalho objetivado é posto ao mesmo tempo como não objetividade do trabalhador, como objetividade de uma subjetividade contraposta ao trabalhador, como propriedade de uma vontade alheia, o capital é ao mesmo tempo, necessariamente, o capitalista, e a idéia de alguns socialistas de que necessitamos do capital, mas não dos capitalistas, é inteiramente falsa. No conceito de capital está posto que as condições objetivas do trabalho – e essas constituem o próprio produto do capital – assumam frente a esse uma personalidade ou, o que é o mesmo, que sejam postas como propriedade de uma personalidade alheia”
De outra maneira: “O produto da produção capitalista não é somente a mais valia, é capital”, vale dizer, “produção e reprodução das relações especificamente capitalistas”, logo, de trabalho abstrato imerso na relação social entre trabalhadores e capitalista. Portanto, para Marx “o capital não é uma coisa, mas uma relação social entre pessoas, efetivada através de coisas”.
Em acordo com esta concepção, podemos dizer que nunca houve, não há e jamais poderá existir capitalismo sem trabalho abstrato e vice versa. Estes são constituintes da lógica capitalista, daí resultando que a única maneira de suplantar qualquer uma dessas duas dimensões será eliminar também a outra, como numa relação psicanalítica entre ego e alter ego, ou filosófica entre fenômeno e concreto, aparência e essência.
A tarefa fundamental da luta anticapitalista fazer aguçar a contradição que está presente na própria totalidade da formação econômico-social capitalista e enfrentá-la. A resolução dessa equação é a essência do complexo, tortuoso e longo caminho da revolução social em seu sentido amplo.
Sem ter a exata dimensão e sem buscar compreender esse traço irrecorível e intrínseco da moderna produção mercantil capitalista, e considerando as subjetividade que lhe são próprias, Kurz, em sua teoria autodestrutiva da chamada “sociedade do trabalho” chega a proclamar categoricamente que “o capitalismo começou a libertar o homem do trabalho”. Vejamos os argumentos de Kurz (1997) a categoria trabalho – indiferenciada e negativamente fetichizada na perdição de seu momento concreto e útil – parece-lhe traduzir uma espécie da maldição histórica, o pecado mais que original do “sofrimento” e do “masoquismo” que se introduziram na relação entre os homens primitivos e a natureza, num dado tempo da história humana.
Essa relação primária, vaticina nosso teórico, “é a fonte de toda a opressão e infelicidade, ao contrário de atividade ontogenética primária do ser social transformada em maldição na e pela sociedade alienada’. Sendo coerente com esta linha de análise, estariam superadas quaisquer perspectivas de crítica e ruptura da sociedade burguesa e do modo de produção capitalista.
Nosso autor vaticina que, “a partir de um posto de vista ontológico do trabalho ou da luta das classes trabalhadoras”, a perspectiva revolucionária pela via de um “movimento de supressão”, cuja raiz esteja numa “conscientização”, seria uma perspectiva pedagógica de fundamento idealista, para não dizer metafísico. A posição de Kurz e dos teóricos que, de uma forma ou de outra, teorizam com ares proféticos o fim do trabalho assalariado e da sociedade do trabalho, sem contudo explicarem como isso se daria sem a superação do capital e remoção histórica do capitalismo.
Essa posição, ao contrário de uma postura intelectual subversiva, ousada e crítica, é na verdade, uma proposição corajosa de um definhamento intelectual, uma concessão ideológica e uma prostração contemplativa que suprime o momento de atividade humana sensível, a práxis, na mudança estrutural a partir da ação humana no terreno da história.
Na mesma perspectiva, Gorz da seu Adeus ao proletariado, inaugurando essa linha de análise que se tornou moda no campo da esquerda intelectual acadêmica, com influências em largos setores do movimento operário e socialista europeu, onde o capitalismo experimentou o Estado de Bem Estar Social. A moda se tornou sepultar a luta de classes e com ela o proletariado como sujeito político, enxergar vida eterna ao capital e ao capitalismo, sem trabalho assalariado.
O argumento de Gorz, sob o impacto da crise vivida pelo movimento socialista na segunda metade do século XX, tem elementos que problematizam a realidade pós Leste Europeu e as deformações presentes na experiência proletária e socialista desse século. Porém não esconde sua confusão, um misto de conformismo ideológico ao capital e espírito romântico, idealizado, sobre o futuro da humanidade reconciliada. Esse argumento ganha mais problematicidade ainda, se levarmos em conta que Gorz se reivindica, pelo menos formalmente, do campo do marxismo renovado e pós stalinista.
Gorz incorpora em sua análise as dimensões da nascente visão pós-moderna sobre o produtor direto, seja o fim do proletariado como ser social empírico, seja da sua consciência de classe, elaborada ou sensível, até como simples possibilidade, na sociedade contemporânea. Nessa mesma linha de análise, Offe afirma que a sociedade contemporânea, a sociedade do conhecimento e dos serviços teria, no limite, substituído a lógica do capital, uma vez que ela seria regida por valores não mercantis, tornados dominantes, o que leva ao desaparecimento da “ética positiva do trabalho”.
As formas contemporânea de vida, dominada pela razão instrumental e pela nova base técnica flexível, pelos novos paradigmas tecnológicos e pela ampliação da cidadania, aprofundaria o desencanto do trabalho, condenado-o às vias de extinção enquanto categoria autônoma.
Se podemos conferir algum mérito que mereça estatuto superior nesses argumentos, foram os de não só exprimir uma sensibilidade crescente nos meios acadêmicos em face das profundas e desconcertantes mudanças ocorridas no mundo do trabalho, principalmente industrial, nos principais países do capitalismo central, como também antecipar uma nova subjetividade que provocou o desmoronamento do chamado campo socialista (URSS e países do leste da Europa) e, portanto, a crise de valores que de fato se insurgiu, sobretudo após a bancarrota dos regime soviético stalinista.
As questões que ele debate, principalmente no campo das subjetividades pós “socialismo real”, estão presentes e candentes nos dilemas dos diversos movimentos emancipatórios policlassistas[5] que eclodiram nas décadas de 1980/1990.
Todavia, não há razões convincentes, tanto teóricas quanto empíricas, capazes de comprovar o anacronismo do conceito de classe operária – embora seu tamanho e importância no processo produtivo capitalista tenham diminuído, ela existe.
E as teses de que o proletariado, em seus variados conceitos e composições no tempo presente, estaria caminhando para seu fim, e consequentemente, perdido seu caráter de sujeito político potencialmente comprometido a tomar frente num amplo movimento de mudança social num sentido anticapitalista, não se sustentam.
Na Ideologia Alemã, Marx e Engels (1993) afirmam que “o pressuposto de toda vida humana é naturalmente a existência de indivíduos humanos vivos”. Em torno dessa necessidade ontológica, e a partir dela, o ser humano produz seus meios de subsistência, e “o primeiro ato histórico é, portanto a produção da própria vida material”.
A produção e reprodução da vida, sob nossa ótica de análise e nossa visão do mundo, está vinculada ao trabalho. Dizer fim do trabalho nesse sentido é dizer fim do modo humano de produzir a si e ao mundo[6]. É supor-se que o ser humano comece a existir como anjo, descarnado, imaterial e que prescinda de necessidades imperativas como comer, beber, vestir-se, morar, defender-se das forças da natureza, das doenças, amar, ter prazer , sonhar e fazer.
Eis uma questão onde não nos deva pairar dúvidas, uma visão transparente e cristalina como a água. Não há como sustentar a idéia de um modo humano de existência sem trabalho que produza valores de uso como resposta às suas múltiplas necessidades. Em um sentido ontológico mais amplo, os seres humanos se produzem enquanto seres da natureza e seres simbólicos e culturais pela práxis, e o centro da práxis é, sem dúvida o trabalho humano
Radicalizando ainda mais este raciocínio, a nosso ver, seria uma adesão consciente à metafísica pensar que as necessidades humanas possam parar no tempo, supor que o seres humanos congelam suas necessidades historicamente é propor à vida desmaterializar-se, encantar-se no reino das idéias e da história desencarnada.
[1] Funcionário do Departamento de Estado dos Estados Unidos, que adquiriu notoriedade nos anos de 1989 e 1992, respectivamente com a publicação de um artigo bombástico na revista NATIONAL INTEREST, e do livro “O fim da história e o último homem,” retomando na comteporaneidade a célebre anunciação hegeliana sobre o advento de uma forma racional e definitiva de sociabilidade humana, o que supõe a diligência de cassar-lhe o ser social da contestação possível. Aqui citamos trecho de uma longa entrevista ao jornal “Folha de São Paulo”, caderno Mundo, p.25, de 27/7/97.
[2] Este autor, sob um discurso de participação e colaboração é um dos mais requisitados consultores de empresas nos Estados Unidos e da América Latina, principalmente sobre os processos de reestruturação produtiva, gestão de recursos humanos e modernização administrativa. Trata-se de uma referência bibliográfica central nos cursos de graduação, pós graduação e MBA em Administração de Empresas, Economia, Gestão, Negócios e Marketing, nas principais universidades brasileiras, tanto privadas quanto públicas.
[3] Domênico de Masi, um teórico italiano, com título de doutor e catedrático em Sociologia do Trabalho pela Universidade de Roma ( O mais correto seria em Sociologia do Capital) tem proferido palestras, conferências e simpósios para grandes executivos, chefes, empresários, profissionais de recursos humanos, gestores do capital, enfim, para o capital, com a tese de que vivemos na sociedade do conhecimento, na sociedade tecnólogica pós trabalho industrial, e que a grande descoberta, o grande diferencial é a criatividade, o tempo livre, o ao que ele chama de ócio criativo. Seus livros, vendidos ao preço de ouro, parece falar de um outro planeta, onde não existe o capital e o capitalismo, a divisão social do trabalho, a mais valia, a superexploração da força de trabalho, ou a multidão de sobrantes, produzidos pela exploração dos capitalistas...estes mesmos que o remunera com gordas quantias de dinheiro, para suas consultorias...retiradas do suor, do sangue e da lágrima do trabalho humano assalariado ou precarizados...ou dos desempregados
[4] Para conhecer melhor as teses existencialistas, muito em voga nos meios intelectuais europeus e nos movimentos de contestação social de caráter anti soviético e anti stalinista, e com recorte democrático humanista liberal, nos anos das décadas de 1960 e 1970J, ver Sartre, 1960.
[5] Movimentos sem nítidos cortes de classe, que contestam a ordem capitalista neoliberal, sem contudo propor rupturas radicais, num sentido socialista. Nessa categoria estariam os movimentos ecológicos e ambientalistas, os de gênero(mulheres, homossexuais...) , raça e geração, os movimentos de juventude, estudantil, e os que protestam contra a globalização da economia capitalista e seus efeitos sociais, e a nova ordem capitalista que emergiu do chamado “consenso de Washington” e suas políticas de ajustes fiscais. Sobre esses temas, ver “Resistências Mundiais – de Seattle a Porto Alegre” , organizado por Seoane e Taddei, 2001. e “Novos Sujeitos e Novos Enfoques da Educação Popular no Brasil”, de Elizabeth Serra(2001).
[6] O sentido principal da tese do fim do trabalho não é a negativa da existência humana, mas sim da sua importância histórica como categoria teórica, sociológica e como potencial de constituição das classes sociais, das lutas de classe. Segundo esses autores, outras categoria, outros elementos de coesão social ( gênero, etnia, linguagem, comunicação, cultura, etc. ) seriam mais aglutinadoras e mais importantes
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