domingo, 7 de dezembro de 2008

ATUALIDADE DO CAPITALISMO NO BRASIL - CENÁRIOS E O FUTURO?

2. 3. – Cenários: Arrancar esperanças ao futuro

(Por Helder Molina)
Capítulo 2, parte 3 e 4, de minha dissertação de Mestrado em Educação, na UFF.

Casttel (2001) nos apresenta uma síntese do que ele identifica como quatro cenários em curso.
a) O primeiro e mais drástico é o de uma radicalização das políticas neoliberais em uma crescente destruição das garantias de proteção ao trabalho e a instalação de um mercado auto-regulado. Este é o cenário dominante nos países periférico e semi-periféricos, na perspectiva que assumem estes conceitos em Arrighi (1998). Neste cenário o número de trabalhadores sobrantes se amplia e suas vidas se precarizam ficando na dependência de planos emergenciais de alívio à pobreza, da filantropia e da caridade social.
b) O segundo cenário, que não elide o primeiro, adotado pela maioria dos países, é o de atacar pelos efeitos. Instauram-se políticas focalizadas [1] de inserção social. As políticas educacionais, e em particular do ensino técnico profissional, na perspectiva que assumiram nos anos 90, clara e intencionalmente se enquadram como parte deste segundo cenário.
c) O terceiro cenário é o da auto organização dos sobrantes mediante uma alternativa de trabalho. Esta realidade vem sendo cunhada com nomes diferentes e com sentidos diversos economia solidária, sócio economia solidária, economia popular, cooperativismo, produção associada, autogestão, economia de sobrevivência e economia informal.
Algumas questões sobre esse tema estão colocadas em debate sobre[2]. Qual a diferenciação de perspectivas que engendram esses conceitos? Uma averiguação sobre qual o alcance global destas alternativas e o que há de romantização ou efetivamente de novo em termos de relações econômicas e cultura do trabalho.
d) Por fim um quarto cenário explicita as teses daqueles daqueles que já decretaram que chegamos à sociedade do conhecimento, sociedade do entretenimento, do lúdico ou do fim do trabalho e a sociedade do tempo livre. Este último cenário encontra uma crescente literatura com formulações que tem origem, aparentemente, muito diversas.
Em um plano mais abertamente conservador encontramos a visão de Toffler (1995) sobre o surgimento da sociedade do conhecimento, e com ela uma possibilidade revolucionária mais contundente, de que o trabalho e os trabalhadores, seus sindicatos e os partidos de esquerda. e com ela o fim das classes sociais. A tese central defendida por estes autores aponta uma pretensa possibilidade revolucionária à chamada sociedade do conhecimento, pois “ o conhecimento se constitui uma ameaça maior a longo prazo para o poder financeiro do que o trabalho organizado ou partidos políticos anticapitalistas. Pois, relativamente falando, a revolução da informação está reduzindo a necessidade de capital por unidade de consumo em uma economia que privilegia o capital. Nada poderia ser mais revolucionário” Toffler, ( 1995).
Essas teses se chocam com as multidões de desempregados e precarizados, marginalizados e miserabilizados, aqueles que Frigotto identifica como “possuidores de uma existência provisória sem prazo”. As políticas neoliberais configuram um quadro histórico de profundo retrocesso, dentro do próprio capitalismo, ao pré-capitalismo ou ao Estado de natureza[3].

2.4. – A metamorfose capitalista no Brasil
Somos um país de absurdos contrastes. Um país de médicos desempregados e de mortos por falta de médicos, de professores sem alunos e milhões de crianças sem escola, de extensos latifúndios de terras sem homens e mulheres e milhões de homens e mulheres sem terras, com produção de alimentos para exportação e de dezenas de milhões de pessoas desnutridas , com território continental e a população amontoada como restos humanos em favelas, incapaz de usar o conhecimento científico e tecnológico de que dispõe, na eliminação de doenças endêmicas, na educação da população.
Diante desse quadro, são acintosos os lucros dos bancos no Brasil, as altas taxas de juros, e a valorização do dólar confirma a lucratividade exorbitante do capital financeiro. Dados publicados no jornal “O Globo(2003:23)”, apontam que a explosão do dólar assegurou ao Citibank lucro e rentabilidade recordes no ano de 2002. Pelo balanço divulgado ao mercado, a instituição registrou lucro líquido de 1.630 bilhão em 2002, 170,3% a mais do que os R$ 603,3 milhões registrados em 2001. A rentabilidadde do Citibank só não foi maior que a do Banespa/Santander, que atingiu 65%, portanto, R$ 2,818 bilhões. O lucro do Itaú foi de R$ 2,376 bilhões, rentabilidade de 26%, o Bradesco foi de R$ 2.022 bilhões, rentabilidade de 19%.
Segundo Boito JR(1999)., processo de adesão da burguesia brasileira ao ideário político e aos fundamentos sócio-econômicos do neoliberalismo, na formação do novo bloco de poder econômico e político que assume a direção do Estado brasileiro no final da década de 1980, e se consolida nos anos 90. O governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso propalou a idéia de que o Plano Real promove a distribuição de renda. Na verdade, a década neoliberal – quase toda tomada pelos anos dos mandatos de FHC - concentrou ainda mais a renda do Brasil. Segundo o IPEA – instituição oficial do governo, portanto, mais “isenta” impossível – na década de 60, os 50% mais pobres detiveram, como média anual, 18% da renda nacional; na década de 70, essa parcela de renda apropriada pelos mais pobres caiu para 15% e na década de 80 para 14%. Os governos neoliberais conseguiram jogar a renda dos mais pobre ainda mais para baixo. Entre 1990 a 1996, a média foi de 12% da renda apropriada pelos 50% mais pobres. O fato de, ao longo dos dois primeiros anos do Plano Real, ter havido uma pequena e efêmera melhoria nos termos da distribuição de renda, foi usada indevidamente como propagando pelos neoliberais.
Porém, como evidenciam os dados disponíveis para 97, esse acidente foi passageiro e não alterou a tendência concentradora da década do neoliberalismo. A desindexação dos salários promovida pelo governo FHC foi decisiva para superar a pequena distribuição acidental ocorrida em 1995. Mais desemprego, mais concentração de renda e menos gastos sociais. Dados de fontes as mais variadas apontam a redução dos gastos sociais e, ao mesmo tempo, o aumento dos gastos financeiros do Estado brasileiro ao longo dos anos 90.
Essa redução dos gastos sociais do Estado apóia-se numa visão produzida pelo neoliberalismo, segundo a qual a política social do Estado deve gastar menos e de modo focalizado: a ordem é concentra os gastos num pacote mínimo de serviços (ensino público somente na etapa fundamental, medicina pública apenas nos cuidados básicos, simples e baratos, etc.) focado apenas na população pobre e miserável.
A nova configuração político-jurídica do capitalismo brasileiro, nascido da transição conservadora em 1985 e legitimada na constituinte de 1988, é produto de um pacto de elite, restabelecendo os direitos civis e garantindo alguns direitos sociais e a manutenção das estruturas econômicas da classe dominante, como o monopólio do capital financeiro, da propriedade privada das terras, dos grandes meios de comunicação, dos conglomerados industriais e comerciais.
Este pacto de elite, que na concepção gramsciana se denomina como “transformismo”[4], se configurou no Brasil, em que a transição da ditadura militar para um regime democrático burguês não significou alteração no conteúdo da dominação de classe e tampouco abalou os alicerces do capitalismo. A transição teve caráter conservador e controlado sob rédeas pelas classe dominante brasileira, para que não fugisse do seu controle e interesses.
O neoliberalismo, desde meados da década de 1970, avançou em nível mundial a partir dos países centrais e se estabeleceu como modelo hegemônico. Segundo Chico de Oliveira(1998)[5], no Brasil começou a ser implantado tardiamente, comparando-se a outros países da América Latina. Somente com a posse de Collor esse modelo começou a ser aplicado de forma orgânica e global em nosso país. Collor se elegeu como o “anjo salvador” da burguesia brasileira, depois do duro embate contra a candidatura de esquerda democrática e popular – Lula – e, ainda segundo Oliveira , com ele foi eleito o primeiro projeto neoliberal conscientemente articulado, tomando o déficit estatal como o fulcro dos problemas a serem atacados, para que o país chegasse à modernidade.
A chegada de Fernando Collor ao governo central ocorreu num contexto internacional de contra ofensiva econômica, política, ideológica e militar do imperialismo[6], fortalecida pelo colapso dos países socialistas do Leste Europeu e da URSS. Nos anos 1980, ainda segundo esse autor, o consenso nacional que presidiu as transformações era o de que o centro dos problemas do país era o déficit social, isto é, o reconhecimento de que a ditadura havia conseguido expandir a economia, sem no entanto distribuir renda. A constituinte (1987-1988) for marcada por esse clima, depois das grandes mobilizações sociais a favor de suas reivindicações.
Esse movimento se dava na contramão da hegemonia neoliberal nos outros países do Continente e em escala mundial. No final da década de 1980 (ainda com Sarney) a tese da “ingovernabilidade”, refletida na idéia de que a nova constituição tornaria o Estado brasileiro impossivel de ser dirigido, pela quantidade excessiva de demanda que aprovara, diante da crise fiscal que se havia desenhado no país desde que a crise da dívida externa, havia feito que esta passasse a comandar as políticas econômicas dos vários governos.
Uma das particularidades da experiência neoliberal no Brasil não está na aplicação desse programa por uma força política que reinvidica a social democracia. Essa experiência (um governo de perfil social democrata aplicando um programa e uma agenda econômica e política de matriz neoliberal) já havia ocorrido com Miterrand, na França, com Felipe Gonzalez, na Espanha, assim como o PRI, no México, com Ménem, na Argentina e com o Partido Socialista, no Chile. A particularidade se dá no fato de que Fernando Henrique Cardoso não derrota uma força de direita – Como se deu nos casos que citamos – mas refunda a direita, unificando todos os seus setores , tendo somente a esquerda como força opositora. FHC reunificou a direita e renovou seu discurso, dando-lhe álibi de modernização liberal, como cobertura para as velhas práticae de privatização do Estado.
Como todas as versões latino americanas, o programa neoliberal brasileiro tomou o combate à inflação e à estabilização como centro. Seu caráter neoliberal ficou caracterizado pela responsabilizaçào do Estado no descontrole inflacionário e pelas medidas de corte de gastos públicos, de privatização das empresas estatais, de abertura da economia ao exterior – supostamente para baratear os preços internos e incentivar a competitividade – e da desregulamentação [7]geral da economia.
No Brasil, como em outros países da América Latina, essa inserção à nova ordem se deu (e se dá) de forma subordinada, dependente e tardia. Os trabalhadores pagaram (e ainda pagam) os efeitos amargos dessa inserção.
O executivo federal – a burocracia técnica e o estamento político que se formou em torno de FHC – cumpriu o papel de agência central de implementação das políticas neoliberais no Brasil. O governo central foi um núcleo forte e compacto, do ponto de vista técnico e político-ideológico do neoliberalismo brasileiro.
É do executivo federal que partem todas as políticas produzidas pelo Banco Mundial e pelo FMI e de onde emanam todas as suas estratégias de implementação das políticas econômicas e sociais compensatórias, sob a forma de privatizações, terceirizações, descentralização e municipalização ( onde os municípios assumem a função de executores e gestores, mas a formulação e o financiamento ficam aprisionados nas mãos do executivo federal) de focalização ( o Estado funciona como um distribuidor compensatório de migalhas sociais , à base de conta gotas e de clientelismo, alívio da exclusão e para impedir a ampliação do esgarçamento do tecido social.
[1] A estratégia da focalização tem por finalidade dirigir as ações governamentais apenas em alguns grupos sociais. Seguindo as diretrizes dos organismos multilateriais de investimentos – Banco Mundial entre eles – trata-se de aliviar os efeito colateral das políticas de ajuste fiscal, e de compensar as populações pobres com medidas de efeitos cosméticos, como distribuição de cestas básicas de alimentos, bolsas de fragmentos de direitos, tais como bolsa-escola, renda mínima, seguro desemprego, medicamentos, etc, cursos aligeirados e superficiais de treinamento profissional, entre outras medidas paliativas, que não enfrentam os perversos mecanismos de produção da pobreza, que é a própria acumulação capitalista e suas lógicas de lucro, exploração e concentração de capital . Segundo Oliveira, no campo educacional, por exemplo, exclui-se o direito a uma educação básica universal e privilegia-se o ensino fundamental. No campo dos direitos sociais, as ações de governo privilegiam o que o neoliberalismo chama de excluídos. Neste trabalho, temos optado pela categoria sobrantes.
[2] Sobre estes temas, que não é o foco de nosso trabalho, há uma vasta bibliografia e iniciativas institucionais e populares em desenvolvimento no Brasil. Como literatura, entre tantas, destacamos três trabalhos bastante visitados: LIA TIRIBA: Economia Popular e Cultura do Trabalho (Pedagogia da Produção Associada), tese de doutoramento, UFF, 1998. PAUL SINGER: Uma Utopia Miliante (Repensando o Socialismo) ,Vozes, RJ, 1998. MARCOS ARRUDA: Globalização da Solidariedade, PACS, 2000. Sugerimos, também, o caderno produzido pela CUT sobre sindicalismo e economia solidária, em 1998, que serviu de base para o desenvolvimento das Agências de Desenmvolvimentro Solidário - ADS/CUT – www.cut.org.br ; a revista PROPOSTA, vários números, publicadas pela FASE; as publicações da ANTEAG; Associação Nacional de Trabalhadores em Empresas Autogestionárias – www.anteag.org.br.
e os trabalhos desenvolvidos pelo Fórum de Cooperativismo do Rio de Janeiro, que tem sua secretaria atual no CEDAC – Centro de Ação Comunitária do RJ. www.cedac.or.br. e o Fórum Social Mundial, que nas tr6es ediçòes brasileiras produziu vasto material, debates, experiências e estudos sobre as alternativas anticapitalistas de enfrentamento do desemprego e da exclusão social.
[3] O capitalismo revolucionou o modo de produção feudal. O seu nascimento e suas formas de estruturar a produção teve como base a constituição de um contrato social, com pressuposto na existência de uma sociedade civil e do Estado. O capitalismo produziu a transição de um mundo jusnaturalista, onde imperavam as paixões, as guerras, o desentendimento, as dominações dos fortes contra os fracos, para um estágio onde a equilíbrio social pressupõe a primazia da razão sobre a paixão, da segurança sobre a guerra, do respeito e garantia da liberdade e da propriedade sobre a dominação e a anarquia, pressupostos estes que só têm possibilidade de existir sob a presença do Estado,. Ver Jefferson (Declaração de Independência dos Estados Unidos) e em Pocrovski (1985), (História da Ideologias), e Locke (2000) . A busca e a manutenção de direitos fundamentais, como a vida, a liberdade e o bem estar, fazem os homens constituírem governos, como escolha soberana do povo para que este venham cuidar de seus interesses, e com o pleno direito de os derrubarem, quando esses direitos são desrespeitados. O Estado estabeleceria um pacto social e político, onde este, com a concordância da sociedade, deve zelar pela tranquilidade dos cidadãos, garantir, de modo racional, os direitos essenciais como a segurança, a propriedade, a liberdade individual, preservação da paz e a proteção contra as guerras. Esse pacto visa garantir o bem público, de interesse da sociedade. O Capitalismo liberal, enquanto modo de produção baseado na propriedade privada, na racionalidade produtiva, no Estado como regulador social, e no mercado como regulador econômico, antítese do modo de produção e da sociedade feudal. As leis regem a vida social e política, a livre competição derruba o monopólio régio no controle da produção e do comércio.
[4] O processo em que, para manter sua hegemonia, as classes dominantes alteram suas formas de dominação política, sem que se modifique seu conteúdo essencial da dominação de classe.
[5] Chico de Oliveira em aula aos alunos da Pós graduação em Educação da UFF (1998)
[6] Utilizamos aqui a categoria imperialismo, recorrente em Petras (2000) , e Boito Jr (1999). conforme já abordamos anteriormente, neste capítulo, como expressão da nova hegemonia capitalista, capitaneada pelos EUA.
[7] Segundo Elizabeth Serra Oliveira, o mecanismo da desregulamentação siginfica a supressão de leis, normas, regulamentos e garantias que possam inibir a livre concorrência e a livre regulamentação da economia e da sociedade pelas leis naturais do mercado. Nela está implícita a retirada do Estado como responsável pela formulação, desenvolvimento e controle das políticas públicas de interesse social.
( Diferentes sujeitos e novas abordagens da educação popular urbana no Brasil, dissertação de Mestrado, defendida em 2002, na Faculdade de Educação da UFF. ) .

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