domingo, 7 de dezembro de 2008

O DEUS MERCADO E A RELIGIÃO DO DINHEIRO

2. 1. 1. - O deus mercado e a religião do dinheiro:
(Por Helder Molina)

Catítulo 2, parte 2.1, de minha dissertação de mestrado em educação UFF
A antropologia explica que,

“em algumas religiões pagãs, os deuses manifestam seus sentimentos por meio de seus oráculos ou, em casos extremos, por meio de fenômenos agressivos da natureza, como furações, hecatombes, maremotos ou terremotos. Para conter suas fúrias destrutivas, é preciso agradá-los com oferendas ou eles mandam secas sobre as plantações e pestes sobre os animais. Os Incas, por exemplo, sacrificavam meninas virgens, emparedavam-nas para aquietar e saciar a ira dos deuses”( Veríssimo, 1997:06) .

O capitalismo contemporâneo, no seu estágio do fundamentalismo do dinheiro e da fetichização absoluta da mercadoria, ungiu o mercado como um deus vingativo e ameaçador. Os capitalistas, em resposta às exigências do seu deus, oferecem a essas divindades como presentes os direitos fundamentais da vida humana, comer, beber, vestir-se, trabalhar, morar e se educar. Mais que isso, oferece o sacrifício de milhões de vidas, para satisfazer sua sanha destrutiva.
O mercado, nestes tempos de fundamentalismos, é interpretado pelos seus oráculos, como um ser genioso, temperamental, ansioso, intempestivo, assumindo “comportamentos” imaginários de seres humanos, esparramado em sua poltrona, ansioso, ajeitando os óculos para ler, sério, carrancudo, as resenhas dos jornais e revistas, preparadas por seus assessores do FMI, Banco Mundial, Federal Reserve e OMC. À noite, antes de dormir seu sono sem remorsos, liga aos assessores que, como porta-vozes, dizem: Corta, ajusta, demite, enxuga, aumenta taxa de lucro, acumula mais. Os grandes sacerdotes do mercado, os banqueiros, as grandes corporações empresariais transnacionais, os latifundiários e os financistas das bolsas de valores cuidam para que ele não adoeça, e ficam de um lado para outro, examinando sua pressão e sua gula.
Os ideólogos do capital psicologizaram o mercado e antropomofizaram suas relações. Seus oráculos, tal como num balcão de negócios, faturam alto com sua fome insaciável e sua ameaçadora presença.

“os cotações nas bolsas caíram no final da tarde, e o dólar voltou a subir. O mercado amanheceu calmo, ao longo do dia, em função dos acontecimentos de um documento secreto do MST, propondo invadir bancos e orgãos do governo, o mercado ficou nervoso, impaciente, e os investidores resolveram ter cautela, para não correr riscos”. ( FSP, P. A 5, )

O espetáculo da mercadoria e sua relação com os indivíduos se tece em meio a um sistema articulado que inclui a estética dos corpos, mentes, fios, antenas, tinta, papel, propaganda e máquinas complexas e diversificadas. Uma nova cultura do consumo e da reprodutibilidade descartável. Um anúncio de uma agência de empregos, diz: “Você é um produto, venda você, não seja descartável, faça-se ver, apresenta-se com convincente embalagem, o mercado te procura!”
Ela depende da consciência das pessoas, e das sociedades, de mudanças de seus valores, símbolos. Só a cultura dá solidez às convicções e produz a maturação de novas mentalidades. Para Konder
“a cultura deixou de ser uma forma de produção que comportava determinadas características artesanais, tornando-se uma forma de produção claramente industrial. A cultura passou a ser um dos pilares da arquitetura dessa nova ordem. Nunca uma sociedade investiu tanto em publicidade e em propaganda como a capitalista contemporânea. Existe uma manipulação do desejo, um condicionamento do apetite, do tesão. Tudo é muito condicionado pela indústria cultural. O capitalismo demonstra grande capacidade de se metamorfosear, e a cultura, ou a indústria cultural - para usar um conceito de Adorno - é um dos principais fatores dessa mudança de forma e conteúdo. (Konder, 2000)

Para Luckács, segundo Konder (2000), “a política é o meio; a cultura é o fim.”. Isso, justamente porque a política pode transforma as instituições em ritmo mais rápido, mas as mudanças mais profundas, estruturais, brotam suas raízes e ganham corpo, afloram, amadurecem e dão frutos no terreno do tempo longo, na história de longa duração.
A indústria da cultura, principalmente com as novas mídias eletrônicas, revitalizou seu modo de produção, através da manipulação do consumo. Se no século XIX o capitalismo dominava a produção, a partir do século XX ele podia fazer concessões ao trabalhador porque em seguida ele explorava o trabalhador pelo consumo.

– O sócio metabolismo destrutivo do capital.
“As injustiças multiplicam-se, as desigualdades agravam-se, a ignorância cresce, a miséria se alastra. A mesma esquizofrênica humanidade, capaz de enviar instrumentos a um planeta, para estudar a composição das suas rochas, assiste indiferente a morte de milhões de crianças pela fome. Chega-se mais facilmente a Marte, do que ao nosso próprio semelhante (Saramago, em discurso no Prêmio Nobel de Literatura, 2000)
Mészaros (2002) vê no capitalismo uma propensão destrutiva. Para ele, no atual padrão societário está em vigência um sócio metabolismo que confere aos bens duráveis um peso muito maior do que os bens não duráveis. O sistema de capital movido pela lei do lucro e pelo seu imperativo genético de expandir e acumular, alimentada pela extração de trabalho excedente , revolucionou a composição orgânica do capital, com enorme desenvolvimento do capital fixo e da capacidade produtiva dos meios de produção, como maquinarias de ponta, ciência e tecnologia, em detrimento do capital variável, que tem se tornado cada vez mais descartável.
Produto disso é a manifestação do seu caráter destrutivo, com esgotamento da natureza e seus ecossistemas, suportes fundamentais do metabolismo universal, comprometendo o próprio futuro da humanidade. A contradição absoluta desse processo é que o próprio capitalismo, enquanto sistema político-jurídico e sócio-cultural, foi fundado com base na relação capital-trabalho e assim se consolidou, e agora descarta a força de trabalho como o elemento que era fundamental na sua composição e reprodução. Com a acumulação de trabalho morto, o sistema de capital descarta enorme contingentes de trabalho vivo e expurga no ambiente social capitalista massas gigantescas de seres humanos.
É cada vez mais abreviada a durabilidade dos bens duráveis. Trata-se de uma operação deliberada pelo capital com o objetivo de amplia, no mercado, a saída para a oferta dos bens em expansão crescente. Porque aí estaria outra característica essencial do capital: sua tendência à expansão ilimitada e descontrolada. Meszáros( 2002) expõe a sociedade capitalista, largamente hegemônico no planeta, como uma sociedade perdulária, caracterizada por desperdícios cada vez maiores, atolada na massa crescente de produtos rapidamente descartáveis. É, sob este aspectos, uma sociedade não só destrutiva, mas também auto destrutiva.
Essa destrutividade, segundo Souza Junior (2000), faz parte da normalidade do modo de produção capitalista capitalista, evidenciadas em suas épocas de crises cíclicas, manifestando-se assim na forma de eliminação de capital acumulado, como um preço amargo que se paga pelo progresso. Entretanto, a destrutividade do sistema de capital não se limita aos preços do progresso, como se poderia aceitar acríticamente.
Ele ameaça a própria sobrevivência da humanidade enquanto perdurar sua hegemonia histórica enquanto estruturante do metabolismo global, se agravando ainda mais com o aprofundamento de sua crise. Nesse processo, são produzidos um labirinto de contradições, dificuldades e desastres para os quais não existem resposta sob o sistema de capital e sob o modo de produção capitalista.
A ênfase no desperdício e no descartável se constitui, segundo Gorender, uma novidade em relação à Marx, que focalizou a destrutividade das crises cíclica sem se deter na destrutividade cotidiana, corrente na sociedade capitalista. o atual sócio metabolismo do capital traz uma série de destruições do interesse coletivo da humanidade.
Nessa lógica destrutiva, e para aumentar de maneira acelerada sua acumulação o capital teve que desenvolver algumas estratégias, dentre as quais:
a) – Fazer diminuir a parte do trabalho no produto social, o que se realizou por uma verdadeira ofensiva contra o trabalho, que alguns autores como Mészáros, e Fiori e Frigotto denominam de “A vingança do capital contra o trabalho”: diminuição de sua parte no produto social, pela queda nos salários reais; desregulamentação; diminuição do seguro social e enfraquecimento das organizações dos trabalhadores. Frigotto (2001) argumenta que
“Esses novos paradigmas evidenciam aquilo que Mészaros, Hobsbawn, Antunes caracterizam com uma “crise civilizatória do capitalismo”, que esgotou sua capacidade de civilizar a humanidade, iniciada na Revolução Industrial e na superação do Antigo Regime, e se tornou produtor de catástrofes, misérias e barbáries, que envolvem quase 60% da humanidade. É a lógica destrutiva das forças produtivas, e uma vingança histórica e estrutural do capital sobre o trabalho”. ( Frigotto, 2000)

b) – Fazer diminuir a parte do Estado como redistribuidor de riquezas e árbitro social, o que se fez pelas ondas de privatizaçòes, não somente nos setores econômicos, mas também dos serviços públicos com as políticas de austeridade impostas pelas organizaçòes financeiras internacionais , via programa de ajustes estruturais. Se analisarmos os principais mecanismos da globalização econômica atual podemos notar que realiza-se uma integração dos processos de produção e de distribuição que não têm de levar em conta as fronteiras. Assistimos também a uma concentração da produção, da distribuição e da comunicação nas mãos de grandes empresas cada vez menos numerosas
c) - Destruição da economia: Se a economia é a açào humana destinada a estabelecer as bases materiais da vida e cultural de todos os seres humanos no mundo inteiro, o capitalismo é o sistema mais ineficaz da história humana. Nunca houve tantos pobres, nunca houve tantas distâncias sociais. Isso constitui a primeira base dos atuais fundamentalismos , das intolerâncias, revoltas e resistências.
d) - Destruição da natureza: A exploração da natureza ( e dela fazendo parte os seres humanos) com a idéia de proveito a curto prazo significa desastres ecológicos, destruição de ecossistemas, desajustes climáticos, e o cada acelerado esgotamento dos recursos naturais, como a água, o que tem provocado, nos últimos anos, o desenvolvimento de muitos movimentos ecologistas e mobilizado as cada vez mais contundentes manifestações dos diversos movimentos contra a globalização e anti capitalistas. Faz parte desse processo, entre outros, a persistente recusa do governo estadunidense em assinar o Protocolo de Kioto, de controle da poluição ambiental global, provocada principalmente por suas indústrias, dentro ou fora dos EUA.
e) - Destruição social: Extensão das relações diretas capital/trabalho, o que quer dizer o assalariado, que agora extende-se ao mundo inteiro, mesmo se não de maneira majoritária em todos os setores da atividade coletiva. Movimentos sindicais e camponeses têm aparecido em novas áreas geográficas e em novos setores das atividades econômicas.Extensão da relação indireta capital/trabalho, que afeta sempre cada vez mais grupos sociais no mundo, como a fixaçào dos preços das matérias primas, a dívida externa, a reexportação de capital, os paraísos fiscais, etc., todos obstáculos ao verdadeiro desenvolvimento das economias locais e cujas as consequências afetam bilhões de pessoas.
Trata-se, por exemplo, das mulheres, particularmente afetadas pela feminização da pobreza e o aumento da violência ou, simplesmente, porque a lógica do sistema de exploração capitalista utiliza as relações de gênero em função de seus próprios interesses (por exemplo, salários mais baixos, contabilidade nacional que não leva em conta o trabalho de reconstituição das forças produtivas realizado pelas mulheres, para falar em termos econômicos). Trata-se das resistências dos povos indígenas, que são as primeiras vítimas das novas políticas econômicas e que em suas resistências redefinem seu sentido de intentidade.
Evidentemente não é o capitalismo que inventou o machismo ou patriarcado, a opressão dos povos indígenas, os conflitos étnicos, a marginalização dos jovens. Porém, o capitalismo agravou os conflitos e muitas vezes os utilizou para construir suas estratégias de dominação e absorção de mais valia e sobreproduto.

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