domingo, 7 de dezembro de 2008

ABISMO SOCIAL E DESTRUTIVIDADE CAPITALISTA

2. 2 . 1. – O abismo social da racionalidade destrutiva capitalista

(Por Helder Molina)

Capítulo 2, parte 2.2., de minha dissertação de mestrado em educação UFF

A última década do século XX (1990-2000) foi marcada por uma profunda metamorfose do capital, com uma avassaladora ofensiva da ideologia neoliberal, das políticas de livre mercado e pela tentativa de implementar a ditadura do pensamento único. O retrato do produto social da metamorfose destrutiva do capitalismo é dramático para a humanidade: Ano a ano o fosso separa os incluídos dos excluídos: os ricos ficam mais ricos e os pobres ficam mais pobres. Em 34 anos, o quinhão dos excluídos na economia global minguou 2,3% para 1,1%.
Segundo dados do Banco Mundial (1999)[1] metade da população (pouco mais de 3 bilhões de pessoas) vive com menos de US$ 2,0 por dia e 1,2 bilhão de pessoas vivem com menos de US$ 1,0 ao dia. Menos de 20% da população mundial detém uma renda de mais de 80% do total mundial. O desemprego em massa e empregos precarizados caracterizam hoje a maioria dos mercados de trabalho no mundo – Um bilhão e duzentos mil desempregados no mundo, a taxa aberta de desemprego varia de 10% a 22 % na Europa.
Estatísticas tão alarmantes se explicitam nos países periféricos da América Latina, África e Ásia. Somente em São Paulo há aproximadamente 1.700.000 trabalhadores desempregados. A concentração chegou ao ponto de o patrimônio conjunto de 225 pessoas mais ricas do mundo têm uma renda equivalente a dos 50% mais pobres do mundo, ou seja, 3 bilhões de pessoas. As 200 maiores empresas multinacionais controlam 25%, do PIB mundial (valor total de produtos e serviços realizados anualmente). Assim, consideramos que a globalização ampliou ainda mais a concentração de riqueza e poder.
Desde 1960, quando os ricos ganhavam 30 vezes mais que os pobres, a concentração da renda mundial mais que dobrou. Em 1994, os 20% mais ricos abocanharam 86% de tudo o que foi produzido no mundo. Sua renda era 78 vezes superior dos 20% mais pobres. Menos de 5% da população mundial tem acesso à Internet.
Segundo o relatório da PNUD/2000 da ONU [2], com tantas desvantagens competitivas, a imensa maioria dos perdedores do processo de globalização estão nos países periféricos do capitalismo. Mas os perdedores também estão nos países centrais. Cerca de 100 milhões de pessoas que vivem abaixo da linha de pobreza, vivem no centro da Europa, do Japão, dos antigos Tigres Asiáticos (Coréia do Sul, Singapura, Hong Kong, Taiwam, Indonésia), nos EUA e no Canadá.
Além da concentração de riquezas, o fluxo internacional de recursos aprofunda as disparidades mundiais. Mais de 90% dos investimentos estrangeiros diretos vão para os EUA, Japão, Europa central e oito províncias da China. Os demais países, com 20% da população mundial, ficam com menos de 10% dos investimentos. Isso significa que regiões como a África, Américas Central e do Sul e Oriente Médio, estão excluídas dos avanços tecnológicos.

2. 2. 2 . - Mundialização do capital, neoimperalismo?
A chamada globalização ou mundialização do capital, significou ( e ainda significa) o aprofundamento da situação de pobreza e exclusão para 2/3 da população do planeta, impossibilitados de participar da “nova era” do capital. A ideologia da globalização, surge a partir de uma reconfiguração do domínio dos capitais na ordem mundial neste final do século XX. “O atual processo de globalização é, na realidade, um novo estágio de desenvolvimento do capitalismo, constituindo-se em reestruturação das suas formas de produção e organização social” (Oliveira, 2001: 48).
A partir dos anos 1980, os ajustes estruturais, capitaneados pelo FMI e pelo Banco Mundial, estabeleceram uma nova agenda econômica e sócio-política, de acordo com o chamado Consenso de Washington que, essencialmente, pode ser resumido em redução drástica dos gastos sociais públicos, com vistas ao equilíbrio orçamentário; irrestrita abertura comercial, com eliminação de barreiras e redução de tarifas; predomínio do capital financeiro e seu livre trânsito e ingresso em escala planetária, desregulamentação dos mercados e dos direitos trabalhistas, com revogação de todos os obstáculos e intervenções do Estado nos agentes econômicos, e finalmente um agressivo e amplo processo de privatização das empresas e dos serviços ligados ao Estado. Nessa agenda de liberalização e flexibilização, o mercado é alçado ao papel de regulador de todas as relações econômicas e sociais, e o Estado é reduzido às funções mínimas.
Alguns estudos (Ianni, 1996, Martin & Schumann, 1988, Boito, 1999)[3] destacam as principais conseqüências desse modelo de globalização para os países periféricos são elas: 1) incorporação de empresas de capital nacional por empresas transnacionais; 2) subalternização de empresas de capital nacional; 3) depreciação do valor das matérias-primas; 4) pressão de déficits na balança comercial dos países dependentes; 5) dependência de tecnologias de ponta; 6) enfraquecimento do controle das economias nacionais pelos governos federais; 7) acirramento dos desequilíbrios econômicos regionais; 8) surgimento de ilhas de prosperidade; 9) inchamento de cidades para onde os pobres se deslocam em movimentos migratórios; 10) ampliação do montante das dívidas externa e interna; 11) perda da soberania da nação; 12) desemprego em massa; 13) ampliação da informalidade e de práticas econômicas consideradas contravenção; 14) precarização das condições de saúde pública, e muitas outras conseqüências.
O atual estágio de desenvolvimento e expansão do capitalismo está cercado de polêmicas teóricas sobre sua conceituação. Nesse emaranhado de conceitos e categorias, para nós, trata-se de entender qual o sentido de ser do capitalismo, sua lógica interna e sua expressão enquanto fenômeno. Aqui, numa perspectiva de buscar a totalidade, em seus fenômenos e na sua essência, e nela as suas contradições, procuramos dissecar e discutir os elementos econômicos desse novo estágio de hegemonia do capital e de dominação capitalista, que segundo alguns autores como Petras (2000)[4], pode ser definida como de novo imperialismo.
Segundo Petras (2000), das 500 maiores empresas e bancos do mundo, cerca de 238, quase 48%, são dos Estados Unidos e outras 153, o que equivale a 30 %, são dos países do G7 pertencentes à Comunidade Européia. Somente 10% pertencem ao Japão. Em outras palavras, 90% das maiores corporações que dominam os setores industrial, financeiro e comercial são estadunidenses, européias e japonesas. O poder econômico financeiro se concentra em três unidades econômico- geográficas e constituem um novo imperialismo das corporações multinacionais protegidas e ancoradas em Estados-Nações, com completa hegemonia econômica, política e militar dos Estados Unidos, como o demonstram a recente guerra contra o Iraque.
Os dados analisados por Petras afirmam que cinco dos 10 principais bancos são estadunidenses, assim como seis das 10 maiores empresas farmacêuticas e de biotecnologia, 04 das maiores companhias de gás e petróleo (que dominam 80% do mercado desse setor) e 09 das maiores redes de comércio varejista. A hegemonia estadunidense se concentra também no setor de tecnologia da informação, comunicações e indústria cultural e na chamada “nova economia” (Internet, softwares e computadores).
Essa supremacia fica mais vertebrada quando verificamos a completa ausência da África e da América Latina nessa relação, e que os “Tigres Asiáticos” participam com apenas 1% dela. As implicações desta concentração de poder mostra o quanto é falacioso, um verdadeiro fetiche enganador, o discurso de “liberalismo” pregado pelos Estados Unidos.
O neoliberalismo praticado pelas nações mais ricas do mundo é, na verdade, um protecionismo mercantilista com fortes subsídios dos Estados nacionais. Um exemplo é a proposta aprovada pelos Congresso dos EUA, em maio de 2002, de liberar a quantia de 182 bilhões de dólares como subsídios diretos à sua agricultura, protegendo mais seu mercado interno e aumentando a competitividade no externo. Aumentando mais do que nunca a presença e proteção do Estado para garantir os lucros do grande capital.
Aos outros países e governos da periferia do capitalismo a ordem é severa: Nada de proteção ou subsídios, total abertura econômico-financeira e comercial O livre comércio é um argumento que visa apenas aumentar a competitividade e a ampliação de mercados consumidores para os produtos e serviços estadunidenses. A concentração do capital e do poder econômico configuram um ferrenho monopólio sobre os chamados mercados mundiais. As transações financeiras e o comércio farmacêutico e de produtos de informática e de seguros estão nas mãos de 10 empresas de origem estadunidense e européia.
Mas esse império e seu imperialismo têm os pés atolados em seu próprio gigantismo. O aumento dos gastos militares em quase 20% durante o governo Bush, para responder às exigência da indústria bélica e as reduções de impostos dos mais ricos, vêm provocando cortes de recursos para as áreas sociais e aumentando seu déficit orcamentário. Sua balança de pagamentos tem apresentado índices \negativos e seu déficit comercial alcançou cifras da ordem de 500 milhões de dólares.
Aos movimentos sociais e aos Estados que lutam contra esse novo imperialismo econômico e político-militar, só existe possibilidade de enfrentamento se for colocada a estratégia de socializar esses monopólios nos locais onde eles operam, resistir localmente, desenvolver as economias nacionais, e inverter as regras do comércio internacional, buscando novos parceiros e incentivando a produção e circulação interna.

[1] Banco Mundial, ver dados de 1999, publicados no Caderno “Auditoria da Dívida Externa,” campanha jubileu 2000, um milênio sem dívidas, tribunal da dívida, campanha pelo anulação das dívidas dos países do Hemisfério Sul, Rio de Janeiro, 2000.
[2] Dados da PNUD disponíveis no site do Observatório Social da CUT, agosto de 2002. CUT BRASIL. E no Caderno: Intituições Financeiras Multilaterais, Secretaria Nacional de Formação/Secretaria de Relações Internacionais, SP, julho/2000.

[3] Sobre a noção de globalização ver Ianni, Otávio. A era do Globalismo. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1996. Especialmente o capitulo IV “Nação e globalização. Como também, Martin, Hans-Peter & Schumann, Harald. A armadilha da globalização: O assalto à democracia e ao bem-estar social, ed. Globo, 4ª edição, São Paulo, 1998.
[4] James Petras é um importante intelectual marxista estadunidense, que há mais de duas décadas estuda as economias e as sociedades latino americanas e dos países periféricos do capitalismo, e escreveu, dentre outra obras importantes, “O Brasil de Cardoso.” (2000), uma radiografia da destruição da economia e do patrimônio público nos 0ito anos de seu governo. Sobre o capitalismo mundial, para sustentar sua tese de que presenciamos uma unilateral afirmação da dominação estadunidense, com nome de globalização, que denomina de novo imperialismo, ele cita dados do Financial Times, para comprovar essa supremacia econômico produtiva, finaceiro comercial, tecnológica e geo político-militar.

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