sexta-feira, 7 de março de 2014

Negociação coletiva: Arte da mediação, ou cabo de guerra

Negociação coletiva: Arte da mediação, ou cabo de guerra
(Helder Molina - Blog do Helder Molina)
Começa o ano, hora de planejar. Um item que não pode faltar é a próxima campanha salarial, construção da pauta de reivindicações, articulação das estratégias e táticas, mobilização, assembleias, acumulação de forças, e o nosso “exército” (a categoria, a classe) organiza suas “armas” (argumentos, consciência, organização”, para o “cenário” do combate, como “atores” de sua própria história, lutas e conquistas. Hora da negociação coletiva. Complexa, longa, cansativa, que exige criatividade, paciência, organicidade, unidade e disposição de luta, avançar, recuar, avançar de novo. Uma “arte da mediação...ou da guerra”.

Com a constituinte de 1988, que garantiu o direito de organização e representação sindical dosas trabalhadores(as) do setor público, avançamos muito no processo de negociação. Mas os governos ainda não respeitam a entidades sindicais como legítimas representantes dos interesses e direitos dos(as) trabalhadores(as), e continuam tratando os (as) trabalhadores(as) públicos como servos de seus feudos, ou como novos escravos assalariados, no caso do setor privado. E o conflito na maioria das vezes é inevitável.

Na década de 1990, com o advento das políticas neoliberais, houve uma intensificação da flexibilização e confisco dos direitos, precarização das condições e relações de trabalho, e uma busca desenfreada pelas terceirizações. Hoje temos o direito de greve, mesmo ainda não regulamentado, mas temos que recorrer a ele todos os anos, para negociar. A greve é um direito democrático e um instrumento legítimo de pressão assegurado constitucionalmente aos servidores públicos.

A luta sindical abrange diferentes ações como mobilização, greve, articulação, organização, entre outras, e leva, quase sempre, a momentos ou a processos de negociação em que há disputa de interesses. A negociação e conquista dos direitos dos trabalhadores contra o capital e os governos, a luta de classes, a permanente batalha das ideias, o confronto cotidiano entre patrões e empregados negociação, as táticas e estratégias que os trabalhadores constroem para atuarem nos cenários da ação sindical, como atores políticos e sociais, são exemplos concretos do que chamamos de A Arte da Guerra.

Os terrenos da luta de classes são como verdadeiros campos de batalhas. Para enfrenta-lo, os sindicatos devem conhecer e analisar a correlação de forças, ter a definição clara de quem são adversários e aliados nesses processos, ver a força e a disposição de luta de seu exército os trabalhadores e trabalhadoras, e o deles gestores, patrões, governos, eis as condições fundamentais para se encaminhar para uma negociação, mobilização, greve, enfim. Guardadas as devidas proporções, a arte de negociar é uma arte de guerrear

Sem perder a relação com a base, manter autonomia política

Sem perder a relação com a base, manter autonomia política
e a independência de classes (Helder Molina - Blog do Helder Molina)
- Pela ausência dos movimentos sociais (aqui incluídos os sindicatos), acontecem os desvios de verbas públicas, a corrupção, o roubo desenfreado da riqueza produzida pelo trabalho dos (as) trabalhadores (as). Quando os (as) trabalhadores (as) ficam de costas, às escondidas se praticam o nepotismo, o empreguismo, o leilão do dinheiro público, a privatização, a corrupção, enfim. Pense nisso.
- Pense e se mexa. Cidadania ativa, discussão do interesse da cidade, governar os desejos coletivos, eis uma das tarefas fundamentais colocadas aos sindicatos, além do salário e do emprego. Que acha disso?
- Isso sim significa República, "res" (coisa) pública, consciência política, agir coletivamente, responder à importância e a centralidade de participação das bases, construir o poder popular de baixo para cima, romper com as velhas estruturas apodrecidas do Estado, do poder público, da política e da economia. Enfim, no concreto significa erguer novas estruturas sociais, consolidando a distribuição da renda, da participação, da democracia.
- Os sindicatos, os movimentos sociais, os (as) militantes, atividades, dirigentes, devem pensar nestas questões, mesmo que discordando, mas debatendo, formulando alternativas. Um pé no movimento concreto e nas lutas da classe, outro pé na disputa pelo Estado.
- Sem perder a autonomia em relação aos partidos políticos, aos patrões e ao Estado (seja prefeito, governador ou presidente da República). Governos, partidos políticos e movimentos sociais. Cada um destes tem seus papéis diferenciados. Importante não misturar os papéis, pois isto gera, entre outras coisas, crise de identidade, confusão, adaptação, cooptação, burocratização, enfraquecimento, corrupção, enfim sem perder a independência de classe, instrumento fundamental para construção de nossa identidade, nossas lutas e nossas vitórias.
- Quando Marx diz que emancipação dos (as) trabalhadores (as) será obra dos próprios trabalhadores, cabe perguntar: Como?

Combinar a mobilização coletiva direta e a participação institucional nas instâncias de decisão política

Combinar a mobilização coletiva direta e a participação institucional nas instâncias de decisão política (Helder Molina)
- A mudança tem que combinar a luta social, luta direta, nas reais, passeatas, mobilizações, greves, marchas e pressões contra os patrões e o Estado, com a luta institucional, na participação eleitoral, com candidatos e programas que defendem os direitos e reivindicações dos (as) trabalhadores (as), sejam para as câmaras municipais de vereadores, assembléias legislativa, câmara e senado federal, seja para as prefeituras, governos estaduais e federal, e com a participação ativa nos conselhos de políticas públicas, nos fóruns de discussão do orçamento e das prioridades políticas de aplicação dos recursos públicos, nas instâncias de proposição e gestão pública.
- O Estado (aqui entendido como esfera governamental, portanto), aqui incluídas as prefeituras, e suas políticas devem ser públicas, para responder aos interesses públicos. Desprivatizar o poder, empoderar os movimentos sociais, construir os espaços públicos estatais de participação, eis uma das tarefas dos sindicatos, dos movimentos sociais.
- Num país complexo como o nosso, com profundas heranças escravistas, de exclusão dos pobres, marginalização e criminalização dos movimentos sociais, de violência institucional, de silenciamento, esmagamento e agressão aos direitos das mulheres, dos negros e negras, dos índios, dos homossexuais, enfim, marcado pelas injustiças sociais na distribuição da renda e da decisão política, mais do que nunca temos que tomar o Estado e torná-lo realmente poder público, para democratizar a economia, a política e a sociedade.
- Tomar o Estado significa retirar das mãos dos interesses privados, patrimonialistas, nepotistas, e trazê-lo para as mãos dos (as), trabalhadores (as), das crianças, dos jovens, dos adultos, enfim, da sociedade que trabalha e produz a riqueza da nação.
- Não é possível mudar o mundo sem mudar o poder. Defender a autonomia dos movimentos sociais significa dotá-los de capacidade política (empedrar) para disputar os espaços da luta social direta, combinada com as lutas institucionais. Ambas são lutas políticas. Portanto, os trabalhadores e as trabalhadores devem participar ativamente da política, pois a política que interessa à classe trabalhadora só poderá ser desenvolvida e conquistada pelas organizações (aqui incluídos os partidos políticos) que estão vinculados aos interesses e lutas concretas da classe.
- Mais do que nunca devemos participar da política, a luta sindical tem profundos limites, pois está presa às reivindicações corporativas, econômico-salariais. Na disputa política mais geral, pelos direitos dos (as) trabalhadores (as) são necessárias, fundamentais e não podem ser abandonadas. Mas devem combinar com outras lutas e reivindicações, que são obrigações do Estado (poder público).
- Os (as) trabalhadores (as) devem ter seus representantes nos parlamentos e nas prefeituras e governos. Mais que aliados, são seus representantes. Porta vozes de suas bandeiras, reivindicações, projetos e alternativas. Numa democracia representativa, que tem hegemonia das classes dominantes, mais do que nunca devemos ampliar as esferas da participação, da cidadania e da democracia popular. Sim, devemos lutar para construir uma democracia popular, um projeto das maiorias, dos setores populares.
- Esses espaços de participação também são espaços de formação política, de desenvolvimento de uma cidadania ativa, consciente, concreta, vinculada aos interesses de classe. Os sindicatos negligenciam os fóruns e conselhos de participação, ainda desconfiados sobre sua eficácia e capacidade de resolver problemas concretos da população. È a desconfiança de que falamos anteriormente.
- Centenas de conselhos, espaços, fóruns e instâncias institucionais, políticas, governamentais, que discutem o orçamento público, que definem onde aplicar os recursos advindos dos impostos cobrados, em sua maioria, dos (as) trabalhadores (as), está ocupado apenas pelos empresários e pelos burocratas estatais. Estes, com certeza, discutem e aprovam nesses espaços os seus interesses particulares, as suas prioridades, silenciando a voz dos mais pobres, calando as reivindicações dos movimentos sociais.

Os movimentos sociais e a transformação do Estado: Isso é possível? -

Os movimentos sociais e a transformação do Estado:
Isso é possível? - (Helder Molina - Blog do Helder Molina)
1- Os movimentos sociais sempre tiveram desconfiança do Estado, e, portanto descrentes ou contrários à participação e suas esferas de formulações e decisões. No Brasil, desde a colonização, o Estado sempre foi espaço e instrumento de poder das classes dominantes, das oligarquias, seja no Império, seja na República. No século XX o Estado (há não se em pequenos períodos históricos de participação dos movimentos sociais nos destinos do Estado, como no início dos anos 1960 - governo Goulart - 1961-1964).Portanto têm razões históricas essa desconfiança e mesmo rejeição ao Estado e suas instâncias.
2- Muitos estudiosos e pensadores, como Marx, afirmam, com certa razão, que o Estado é um aparelho de reprodução da ideologia e dos interesses econômicos e políticos das classes dominantes. O que seria necessária uma ruptura estrutural (desmontando este e construído outro), isto é, derrubar, por abaixo este Estado capitalista, para que ele viesse a atender aos interesses da maioria do povo, que são os (as) trabalhadores (as). Outro, como Althusser, confessa sua completa descrença na transformação do Estado e das ideologias capitalistas que não fosse pela via da ruptura revolucionária.
3- Com certeza, o Estado que interessa aos trabalhadores só vai surgir se desmontarmos, botarmos abaixo este Estado patrimonialista, privatizado pelas oligarquias econômicas e políticas, um verdadeiro comitê dos negócios dos empresários e suar organizações. O problema é a forma, o processo, o como fazer. Para isso temos que analisar a correlação de forças, a nossa capacitação organizativa e política de enfrentarmos essas tarefas de mudança social e econômica do Estado e da sociedade.
4- A nosso ver essas rupturas e mudanças econômicas, sociais e políticas não se darão num só golpe, num ataque único e definitivo, como em certos processos revolucionários ao longo da história. Entendemos que a mudança se dará num longo processo de acúmulo de forças e de espaços conquistados, de disputas contra a hegemonia dos empresários, latifundiários e banqueiros, e seus interesses, no Estado e na sociedade. Portanto, têm que ser produto de um processo combinado de lutas, mobilizações e pressões sociais coletivas, dos trabalhadores e suas organizações políticas, dos movimentos sociais diversificados, e de avanços e conquistas dos espaços institucionais, sejam parlamentos, prefeituras, governos estaduais e federal.

quinta-feira, 6 de março de 2014

ESCRAVOS ONTEM, GARIS HOJE: A SENZALA NOSSA DE CADA DIA

ESCRAVOS ONTEM, GARIS HOJE: A SENZALA NOSSA DE CADA DIA
(Por Helder Molina)
Vendo o tratamento que a mídia, a classe média, e o mundo político deram (estão dando) aos garis, um fio nos remete ao nosso passado e presente escravista. A abolição formal da escravatura não resultou numa superação das mentalidades escravocratas das elites, empresarial e política, brasileiras, ao longo deste século. Se por um lado altera a forma da relação capital-trabalho, passando do escravismo para o assalariamento, por outro lado não melhora a vida dos ex-escravos, agora homens negros livres e pobres, e de seus descendentes. Livre do açoite da senzala, são feitos novos prisioneiros, agora da miséria e exclusão, nas favelas, prisões, filas de desempregos, nos trabalhos precários, na ausência de direitos humanos e sociais básicos, como saúde, moradia e educação.
Os dominadores – ex proprietários de escravos que se metamorfosearam em patrões e proprietários de capitais, continuaram dominando e explorando a força de trabalho dos trabalhadores assalariados. Permanecem com os mesmos privilégios e os mesmos domínios econômicos e políticos. Os latifúndios, em sua essência, permanecem intocados. Os capitalistas emergentes sugam a mais-valia dos salários e mantém as velhas formas de exploração do trabalho humano. No início do século XX trocaram a força de trabalho do escravo africano pela do imigrante europeu.
Os negros e negras, analfabetos, sem direitos, sem cidadania, sem posses, na mais absoluta miséria, e sem alternativas de vida, se lançam a própria sorte, no subemprego, na marginalidade, nas ruas, nos cortiços.
Excluídos ontem, excluídos sempre.Hoje, o trabalho informal ou forçado, a precarização atingem majoritariamente a população negra.
O capitalismo, em sua crise de acumulação, continua vitimando negros e negras no mundo do trabalho.A luta pela cidadania ativa pressupõe enfrentar e debater a exclusão e a desigualdade, entendendo que o enfrentamento da questão racial é um componente fundamental para a construção de um país justo, democrático e desenvolvido, com igualdade de oportunidades para todos os que vivem do trabalho.
** Helder Molina é licenciado e bacharel em História, mestre em Educação, doutor em Politicas Públicas e Formação Humana, professor da Faculdade de Educação da UERJ, pesquisador e educador sindical.