terça-feira, 12 de novembro de 2013

Movimentos Sociais: aspectos históricos e conceituais

Movimentos Sociais: aspectos históricos e conceituais

Paulo Afonso Barbosa de Brito

Sociólogo e educador da Escola de Formação Quilombo dos Palmares – EQUIP
Recife- PE. Texto escrito para o programa “Salto para oFuturo”.

http://www.tvbrasil.org.br/fotos/salto/series/145249EducacaoMovSociais.pdf


1. Um rápido olhar sobre o passado

A história brasileira é profundamente marcada pela efervescência dos Movimentos Sociais, embora só muito recentemente estes tenham aparecido com o lugar de destaque nas publicações e registros da história oficial. Faz-se necessário resgatar a dívida social e histórica que a nação tem com os empobrecidos e trabalhadores, enquanto se organizam e lutam por direitos, tanto para reconhecimento de sua participação na constituição da própria nação, quanto para o reconhecimento da pluralidade de sujeitos sociais presentes na dinâmica política nacional.
Só para partir de um marco de referência consistente, reconhecido por todos os estudiosos da história brasileira, registremos a existência dos Quilombos, uma vez que eles enfrentaram uma das dimensões mais perversas de nossa história, a existência de escravidão humana, de pessoas serem tidas apenas como mercadoria e trabalho, mas também registraram, com suas experiências, importantes lições de dedicação e luta pela emancipação social, política, econômica, cultural.
Os Quilombos foram, justamente expressões marcantes destas lutas, a organização de negros escravizados, que criavam vários mecanismos para fugirem dos engenhos onde viviam e trabalhavam, para construírem comunidades livres, atraindo também brancos pobres, indígenas, caboclos, motivados pela perspectiva de uma vida livre.
Nestas comunidades, experimentavam uma organização da produção em certos casos muito desenvolvida, com técnicas agrícolas avançadas, artesanato, metalurgia, uma nova organização política, qualitativamente diferente da Colônia de Portugal, uma dinâmica social com princípios de liberdade e igualdade. Centenas de Quilombos se espalharam por todo o país durante os anos de Colônia e Império.
O mais importante deles foi o Quilombo dos Palmares, situado em uma extensa faixa de terras entre os estados de Pernambuco e Alagoas, uma experiência que durou quase um século, e que foi destruído pelos governos e senhores de terras, através de uma das mais sangrentas guerras patrocinadas no período colonial brasileiro.
Outro movimento social, inspirado em valores liberais (de forte influência na Europa naquele período), mas formado, em grande parte, por setores minoritários das elites, como religiosos, advogados, poetas, foi o abolicionismo, que também teve papel importante para que a nação superasse esta terrível fase de sua história.
Entre o final do período Imperial e os primeiros anos da República, realizaram-se os chamados “Movimentos Messiânicos”, que eram movimentos em geral conduzidos por líderes religiosos, mas com forte apelo político, formados fundamentalmente por camponeses pobres, que tentaram as primeiras experiências de reforma agrária no Brasil. Entre estes, podemos destacar a experiência do Contestado no Paraná, de Canudos na Bahia, de Caldeirão no Ceará. Todas experiências brutalmente destruídas pelo poder da República, através de guerras sangrentas com verdadeiros genocídios tendo sido praticados.
Durante todo o século XX, possivelmente, o movimento sindical se expressou como a principal forma de organização entre os movimentos sociais, tendo assumido diferentes influências, como a dos anarquistas no início do século, dos trabalhistas e dos comunistas entre a década de 30 e o Golpe Militar de 1964, do novo sindicalismo (que veio a se consolidar na construção de Central Única dos Trabalhadores – CUT), a partir da década de 80.
Concentraremos nossa análise nos chamados novos movimentos sociais, que tiveram os primeiros ensaios nas décadas de 60 e 70, mas puderam se expressar com maior dinamicidade e mobilidade a partir da década de 80.

2. A atualidade dos Movimentos Sociais Populares

Principalmente na década de 80, os Movimentos Sociais Populares emergiram no contexto social e político brasileiro com uma fantástica capacidade criativa, organizativa e mobilizadora, sendo responsáveis por expressivas conquistas que garantem melhorias na qualidade de vida de amplos setores sociais, afirmação de direitos e exercício da cidadania para um número cada vez maior de agrupamentos humanos, construção de identidades coletivas e auto-estima pessoal e social de setores e grupos historicamente discriminados ou oprimidos, intervenção nas políticas públicas, modificando ou inibindo as seculares práticas assistencialistas e clientelistas, contribuindo assim para mudanças em nível do poder local e da política tradicional.
Tais conquistas são permeadas por processos educativos, tanto dos participantes diretos de tais movimentos, quanto das pessoas e grupos atingidos por sua ação, e da sociedade envolvente.
Portanto, estamos considerando movimentos sociais os agrupamentos de pessoas, geralmente das classes populares ou de grupos minoritários (no sentido de destituídos de poder) e discriminados, que agem coletivamente, com algum método, realizam parcerias e alianças, abrem diálogos e negociações com interlocutores, como processos articulados para conquistas de direitos e exercício da cidadania.
Multiplicaram-se no Brasil durante a década de 80 e principalmente nos anos 90, percebendo-se, no país, progressiva ampliação e diversificação de organizações populares, com diversos modelos organizativos, formas de mobilização, bandeiras de luta, relações com mediadores e interlocutores, processos de formação das lideranças populares.

Apesar de reconhecermos os riscos de qualquer tipologia, para efeito didático, apresentaremos a seguir alguns agrupamentos dos principais movimentos sociais em atividades no país, reconhecendo que esta é apenas uma aproximação metodológica e organizativa, não uma delimitação de fronteiras rígidas entre os diversos tipos de movimentos existentes.

Assim podemos destacar:

• Associativismo Comunitário – várias redes de Associações Comunitárias ou de Moradores,
Conselhos Populares, Sociedades de Amigos de Bairro, Associações Beneficentes,
Comunidades de Base, espalhadas pela maioria dos municípios brasileiros;
• Movimentos Criados em torno de Necessidades Coletivas – os que têm demonstrado maior capacidade mobilizadora e organizativa no país, destacando-se os Movimentos de Luta pela
Moradia, os Movimentos Populares de Saúde, o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), responsáveis por importantes conquistas para as classes populares;

• Movimentos Criados em torno de Identidades Coletivas, ou para o enfrentamento de
discriminações específicas – como os de mulheres, de negros, de portadores de necessidades especiais, de orientação sexual diferenciada, de idosos, que têm sido responsáveis pela mudança de valores e comportamentos na sociedade brasileira;

. Movimentos Indígenas – que têm garantido a sobrevivência e a cultura dos primeiros habitantes das terras brasileiras;

• Movimentos nascidos em torno de valores humanos e solidários de seus membros – como a Pastoral da Criança, a Ação da Cidadania Contra a Fome, a Miséria e pela Vida (que não se reconhece como um movimento, mas como uma ação articulada), e que têm tido uma incidência extraordinária para melhorar a vida das pessoas;

• Movimentos de Juventude e de Crianças e Adolescentes – desde os tradicionais, como o Movimento Estudantil e as Pastorais Juvenis, até os novos movimentos e expressões juvenis das periferias urbanas, fortemente marcados pelas iniciativas culturais e comunitárias;

• Movimentos ligados ao mundo do trabalho, à produção e distribuição de renda – diversos grupos que se articulam em torno da chamada “Economia Popular e Solidária”

Consolidaram-se também, neste período, vários movimentos e organismos de inspiração religiosa, pastorais sociais, bem como os Centros de Educação Popular e as Organizações Não-Governamentais (ONGs).
Nos últimos anos, tem crescido a articulação destes Movimentos, Entidades, Pastorais, ONGs em torno de Redes, Fóruns e outras expressões de comunicação permanente, com destaque para o Fórum Social Mundial, e os diversos Fóruns Sociais nascidos em sua conseqüência.
Esta rápida apresentação, quase em forma telegráfica, do que existe atualmente de movimentos organizados no país, quer valorizar o conjunto dos movimentos e organizações existentes, e evitar o risco de separação entre os movimentos de reivindicação e os movimentos identitários, ou entre os da sobrevivência e os da cidadania.
Estamos optando por uma apresentação didática sucinta, pois não concordamos com a dicotomia criada entre identidade e estratégia, ou entre existência e cidadania. Consideramos que há um continuum ou uma articulação entre estas dimensões.
Neste sentido, consideramos importante a ação de tais movimentos, que vai desde a indicação de representantes para participação nos Conselhos setoriais de proposição e gestão de políticas públicas, nas Conferências de definição de políticas, as passeatas e ocupações de terras rurais e urbanas, até as campanhas de amamentação, de uso do “soro caseiro”, da fabricação comunitária de complemento alimentar de alto teor nutricional, ou outras pequenas iniciativas populares capazes de ter incidência na diminuição da mortalidade infantil, ou seja, uma série de distintas iniciativas que dialogam de forma diferenciada, mas complementar, com resultados para melhorar a qualidade de vida das pessoas e o seu modo de vida.
O importante neste momento é registrar que, embora estas expressões organizativas mobilizem, a cada vez, grupos específicos, levantem, a cada vez, bandeiras bem definidas, apresentem, a cada vez, formas diversas de mobilização, elas têm conseguido consistência cada vez maior, construindo teias de articulação às vezes invisíveis e redes de comunicação e solidariedade responsáveis por importantes conquistas.

Entre estas podemos destacar:

Melhorias nas condições de existência e mesmo garantia de sobrevivência de expressivos grupos populares no país. Muita gente tem acesso à terra para trabalhar, à casa para morar, à água para beber e para a higiene doméstica, a serviços públicos de saúde, de educação, de atendimento à criança, aos adolescente, aos idosos, aos portadores de deficiência, porque o povo se mobilizou através de seus movimentos organizados;

Auto-estima pessoal e solidariedade social – pessoas que passaram a se valorizar mais, a se amar mais, a defender sua dignidade humana, a partir de sua participação em alguma forma de organização popular;

• Consciência de direitos e exercício da cidadania – as descobertas tratadas no item anterior contribuem para muitos grupos populares romperem os círculos de dominação, em que os direitos são recebidos como dádivas do político de plantão, para perceber que o atendimento de necessidades sociais básicas é um direito antes negado e agora reconquistado pela própria luta popular;

Mudanças no poder local e deslocamentos na política tradicional, como sinal do avanço do exercício da cidadania e a afirmação de novos instrumentos de ação pública, reconhecidos como democracia participativa – a participação em Conselhos de Gestão em políticas públicas, eleição de parlamentares oriundos de processos e formação na luta popular constituição de grupos de produção ou grupos de “economia solidária”, campos ou situações historicamente altamente controlados pelas elites locais, que passam a incorporar novos atores, e a abrir novos campos de batalha.

3. Conceitos e categorias analíticas dos Movimentos Sociais

Destacamos, neste texto, a experiência dos Movimentos Sociais Populares, com todos o significados anteriormente explicitados, não só no Brasil, mas em todo o mundo. E o Fórum Social Mundial (que não é composto só por Movimentos Sociais, mas tem importante participação destes) é a expressão mais visível deste significado, e se incorpora como objeto de estudo das ciências humanas e sociais, projetando-se, em seguida, como um novo paradigma, devido à grande importância prática e analítica que atingiu, tanto na sua concepção empírico-analítica, quanto na sua dimensão de categoria teórica.
Pelas razões apresentadas até aqui, em torno da concepção e das práticas dos movimentos sociais, nossa perspectiva teórica assume um distanciamento dos esquemas utilitaristas e das teorias baseadas na lógica racional. E, ao fazer o diálogo com a teoria dos novos movimentos sociais, assumimos esquemas interpretativos, que enfatizam o cotidiano, a cultura, a ideologia, as lutas sociais, a solidariedade entre pessoas e grupos, os processos de construção de identidades coletivas e de vivências de subjetividades.
Os conceitos que pretendam captar a dinamicidade dos novos movimentos sociais precisam inovar, rompendo com esquemas rigidamente predeterminados, priorizando dimensões mais da ação que de estruturas, mais de movimento que de classe estruturalmente dada, mais de simbólico-cotidiano que de racionalidade proletária. Daí que se reforça a necessidade da análise a partir das subjetividades e identidades, bem como dos imaginários e dos sistemas simbólicos que permeiam suas práticas e dinâmica de funcionamento.
Mas, se faz necessário enfatizar, a centralidade da ação social como ação política, portanto como construção de força social-política, tem um valor em si mesma através do vínculo social, e um valor universal, contribuindo para os processos de consolidação da democracia participativa.
A experiência brasileira, tanto na peculiaridade dos movimentos sociais, que têm em seu interior forte hegemonia da parcela conhecida como movimentos populares (aquelas organizações e lutas mais diretamente vinculadas às classes populares.

A experiência da democracia participativa, reforça tal opção teórica e metodológica. Esta opção incorpora outros conceitos ou categorias de análise, dentre os quais podemos destacar:

Movimentos Sociais como expressão dos Conflitos na Sociedade – a parte mais visível destes conflitos está em torno dos direitos de propriedade, uma vez que as lutas por terra, por moradia, por água, enfrentam-se com a tradição de concentração das terras e das riquezas, tão fortemente presentes na história brasileira. Mas também os conflitos de valores, como os presentes nas relações de gênero, de raça, de gerações.

• Movimentos Sociais implicam Ações Coletivas – Trata-se de ações de grupos, Associações, Comunidades, motivados por demandas sociais, situações de carências, ou por valores humanitários e libertários, articulados em torno de um discurso, uma linguagem comum. As ações coletivas tornam mais provável o atendimento das reivindicações, ou a afirmação dos valores.

• Afirmação de Identidades e Solidariedades - As pessoas participam de aspirações e sonhos comuns, às vezes em busca de bens materiais imediatos e necessários à sua sobrevivência, às vezes de bens simbólicos, mas igualmente necessários à manutenção da vida, e em torno destes bens constroem identidades e vivenciam solidariedades.

• Relação dialética permanente entre Integração, Inclusão e Mudança Social – Se a grande maioria das demandas dos movimentos sociais diz respeito à inclusão e à integração das pessoas ao sistema, uma vez que o sucesso do próprio sistema, que cria a exclusão, demonstra a capacidade de também incluir, e o processo de tal conquista tem criado as condições para mudanças e transformação da ordem social existente, o que já é percebido em várias situações.

As ações coletivas articulam Pluralismo e hegemonia – Embora os espaços coletivos sejam ocupados e valorizados como o ambiente de todos, portanto da pluralidade de idéias, de opções políticas, de credos religiosos, a existência da organização se configura também como espaços onde se consolidam direções, se constroem decisões majoritárias, o que necessariamente apresenta os movimentos como ambientes de disputas. Mas, para além das disputas internas, os movimentos expressam disputas gerais que existem na sociedade, num exercício muitas vezes difícil de construir acordos entre os seus participantes, e entre os diversos movimentos, para os enfrentamentos externos, os conflitos estruturais presentes na sociedade e nas relações de poder e de propriedade.

Blacks Blocs: Organização política, Ou tática de movimento? E querem a destruição de ‘alvos capitalistas

Blacks Blocs:
Organização política, Ou tática de movimento?
E querem a destruição de ‘alvos capitalistas’

Revista Fórum
Reportagem de Paulo Cezar Monteiro

Quem são os “Black Blocks”, assim, no plural, que têm atuações relevantes nos levantes, manifestações de ruas, mobilizações, nas principais capitais do mundo, nos últimos anos, e despertam discussões apaixonadas e polêmicas calorosas, quase sempre extremadas, nos redes sociais, ambientes acadêmicos, movimentos sociais, nas instituições do Estado e seus aparelhos. Ninguém fica “neutro”. Conceitos ou preconceitos estabelecidos, esse tema é atual, e vai permanecer na agenda política, social, cultural e mesmo policial, nos próximos meses. Vamos tentar ouvir diferentes vozes sobre eles;
O movimento de jovens vestidos de preto e com máscaras, que passou a integrar a paisagem das manifestações no Brasil, afirma não temer o confronto com a polícia e defende a destruição de “alvos capitalistas”. Reportagem publicada na edição de número 125 da revista Forum que circula nas bancas e em versão Digital, na internet, assinada pelo repórter Paulo Cezar Monteiro, mostra que os ativistas Black Bloc “não são manifestantes, eles não estão lá para protestar. Eles estão lá para promover uma intervenção direta contra os mecanismos de opressão, suas ações são concebidas para causar danos às instituições opressivas”.
Leia, adiante, os melhores trechos da reportagem:

É dessa forma que a estratégia de ação do grupo que vem ganhando notoriedade devido às manifestações no País é definida por um vídeo, divulgado pela página do Facebook “Black Bloc Brasil”, que explica parte das motivações e forma de pensar dos seus adeptos.
A ação, ou estratégia de luta, pode ser reconhecida em grupos de pessoas vestidas de preto, com máscaras ou faixas cobrindo os rostos. Durante os protestos, eles andam sempre juntos e, usualmente, atacam de maneira agressiva bancos, grandes corporações ou qualquer outro símbolo das instituições
Eles afirmam não temer o confronto com a polícia e defendem a destruição de “alvos capitalistas”. Conheça a história e a forma de luta que se popularizou com o movimento antiglobalização e ganha destaque no Brasil “capitalistas e opressoras”, além de, caso julguem necessário, resistirem ou contra-atacarem intervenções policiais.
Devido ao atual ciclo de protestos de rua, o Black Bloc entrou no centro do debate político nacional. Parte das análises e opiniões classifica as suas ações como “vandalismo” ou “violência gratuita”, e também são recorrentes as críticas ao anonimato produzido pelas máscaras ou panos cobrindo a face dos adeptos. Mas o Black Bloc não é uma organização ou entidade.
Leo Vinicius, autor do livro Urgência das ruas – Black Bloc, Reclaim the Streets e os Dias de Ação Global, da Conrad, (sob o pseudônimo Ned Ludd), a define o como uma forma de agir, orientada por procedimentos e táticas, que podem ser usados para defesa ou ataque em uma manifestação pública.
Zuleide Silva (nome fictício), anarquista e adepta do Black Bloc no Ceará, frisa que eles têm como alvo as “instituições corporativas” e tentam defender os manifestantes fora do alcance das ações repressoras da polícia. “Fazemos o que os manifestantes não têm coragem de fazer. Botamos nossa cara a tapa por todo mundo”, afirma.
O jornalista e estudioso de movimentos anarquistas, Jairo Costa, no artigo “A tática Black Bloc”, publicado na Revista Mortal, lembra que o Black Bloc surgiu na Alemanha, na década de 1980, como uma forma utilizada por autonomistas e anarquistas para defenderem os squats (ocupações) e as universidades de ações da polícia e ataques de grupos nazistas e fascistas.
“O Black Bloc foi resultado da busca emergencial por novas táticas de combate urbano contra as forças policiais e grupos nazifascistas. Diferentemente do que muitos pensam, o Black Bloc não é um tipo de organização anarquista, ONG libertária ou coisa parecida, é uma ação de guerrilha urbana”, contextualiza Costa.
De acordo com um dos “documentos informativos” disponíveis na página do Facebook, alguns dos elementos que os caracterizam são a horizontalidade interna, a ausência de lideranças, a autonomia para decidir onde e como agir, além da solidariedade entre os integrantes. Atualmente, há registros, por exemplo, de forças de ação Black Bloc nas recentes manifestações e levantes populares no Egito.)

Black Bloc no Brasil

Para Leo Vinicius, é um “pouco surpreendente” que essa estratégia de manifestação urbana, bastante difundida ao redor do mundo, tenha demorado a chegar por aqui. “Essa forma de agir em protestos e manifestações ganhou muito destaque dentro dos movimentos antiglobalização, na virada da década de 1990 para 2000. Não é uma forma de ação política realmente nova”.
No Brasil, existem páginas do movimento de quase todas as capitais e grandes cidades, a maior parte delas criadas durante o período de proliferação dos protestos. A maior é a Black Bloc Brasil, com quase 35 mil seguidores, seguida pela Black Bloc–RJ, com quase 20 mil membros.
A respeito da relação com o anarquismo, Vinicius faz uma ressalva. É preciso deixar claro que a noção de que “toda ação Black Bloc é feita por anarquistas e que todos anarquistas fazem Black Bloc” é falsa. “A história do Black Bloc tem uma ligação com o anarquismo, mas outras correntes como os autonomistas, comunistas e mesmo independentes também participavam. Nunca foi algo exclusivo do anarquismo. Na prática, o Black Bloc, por se tratar de uma estratégia de operação, pode ser utilizado até por movimentos da direita”, explica o escritor.
Para alguns ativistas, o processo de aceitação das manifestações de rua, feito pela grande mídia e por parte do público, de certa forma impôs que, para serem considerados legítimos, os protestos deveriam seguir um padrão: pacífico, organizado, com cartazes e faixas bem feitas e em perfeito acordo com as leis.
Vinicius demonstra certa preocupação com a possibilidade do fortalecimento da ideia de que essa forma “pacífica” seja vista como o único meio possível ou legítimo de protestar. Ele afirma que não entende como violenta a ação Black Bloc de quebrar uma vidraça ou se defender de uma ação policial excessiva. “A violência é um conceito bastante subjetivo. Por isso, não dá pra taxar qualquer ato como violento, é preciso contextualizá-lo, entender as motivações por trás de cada gesto”, avalia.
Para ele, a eficácia de uma manifestação está em saber articular bem formas de ação “pacíficas” e “não pacíficas”. Foi esse equilíbrio, analisa, que fez com que o Movimento
Passe Livre – São Paulo (MPL-SP) barrasse o aumento da tarifa na capital paulista. “Só com faixas e cartazes a tarifa não teria caído”, atesta. “Quem tem o poder político nas mãos só cede a uma reivindicação pelo medo, por sentir que as coisas podem sair da rotina, de que ele pode perder o controle do Estado”, sentencia.
Por outro lado, Vinicius alerta que é preciso perceber os limites para evitar que as ações mais “radicais” façam com que o movimento seja criminalizado ou se isole da sociedade e, com isso, perca o potencial de realizar qualquer mudança.
Em sua obra, faz a seguinte definição daqueles que adotam a estratégia Black Bloc: “Eles praticam uma desobediência civil ativa e ação direta, afastando assim a política do teatro virtual perfeitamente doméstico, dentro do qual [a manifestação política tradicional] permanece encerrada. Os BB não se contentam com simples desfiles contestatórios, certamente importantes pela sua carga simbólica, mas incapazes de verdadeiramente sacudir a ordem das coisas”, aponta.
Outra crítica recorrente é o fato de os BB usarem máscaras ou panos para cobrirem os rostos. Os adeptos da ação explicam que as máscaras são um meio de proteger suas identidades para “evitar a perseguição policial” e outras formas de criminalização, como também criar um “sentimento de unidade” e impedir o surgimento de um “líder carismático”.

Luta antiglobalização

Com o passar do tempo, segundo Jairo Costa, as táticas Black Bloc passaram a ser reconhecidas como um meio de expressar a ira anticapitalista. Ele explica que geralmente as ações são planejadas para acontecer durante grandes manifestações de movimentos de esquerda.
O estudioso destaca como um dos momentos mais significativos da história Black Bloc a chamada “Batalha de Seattle”, em 1999, contra uma rodada de negociações da Organização Mundial do Comércio (OMC). Em 30 de novembro daquele ano, após uma tarde de confrontos com as forças policiais, uma frente móvel de black blockers conseguiu quebrar o isolamento criado entre os manifestantes e o centro comercial da cidade.
Após vencer o cerco policial, os manifestantes promoveram a destruição de várias propriedades, limusines e viaturas policiais, e fizeram várias pichações com a mensagem “Zona Autônoma Temporária”. Estimativas apontam prejuízos de 10 milhões de dólares, além de centenas de feridos e 68 prisões.
Para Costa, um dos episódios mais impactantes – e duros – da história Black Bloc foi o assassinato de Carlo Giuliani, jovem anarquista de 23 anos, durante a realização simultânea do Fórum Social de Gênova e a reunião do G8 (Grupo dos oito países mais ricos), na Itália, em julho de 2001. Ele lembra que, após vários confrontos violentos – alguns deles vencidos pelos manifestantes, que chegaram a provocar a fuga dos policiais, que deixaram carros blindados para trás –, ocorreu o episódio que levou à morte de Giuliani.
“Ele partiu para cima de um carro de polícia tentando atirar nele um extintor de incêndio.
Muitos fotógrafos estavam por lá e seus registros falam por si. Ao se aproximar do carro, Giuliani é atingido por dois tiros, um na cabeça. E, numa cena macabra, o carro da polícia dá marcha a ré e atropela-o várias vezes”, narra. Os assassinos de Carlo Giuliani não foram condenados. Dois anos após o fato, a Justiça italiana considerou que a ação policial se deu como “reação legítima” ao comportamento do militante.
Alvos capitalistas
Entre as formas de ação direta do Black Bloc destacam-se os ataques aos chamados “alvos simbólicos do capital”, que incluem joalherias, lanchonetes norte-americanas ou ainda a depredação de instituições oficiais e empresas multinacionais. Costa explica que essas ações “não têm como objetivo atingir pessoas, mas bens de capital”.
Zuleide justifica a destruição praticada contra multinacionais ou outros símbolos capitalistas, porque elas seriam mecanismo de “exploração e exclusão das pessoas”. “Queremos que esses meios que oprimem e desrespeitam um ser humano se explodam, vão embora, morram.
Trabalhar dez horas por dia para não ganhar nada, isso é o que nos enfurece. Por isso, nossas ações diretas a eles, porque queremos causar prejuízos, para que percebam que há pessoas que rejeitam aquilo e que lutam pela população”, explica.
Ela reconhece que essas ações diretas podem deixá-los “mal vistos” na sociedade, já que há pessoas que pensam: “Droga, não vou poder mais comer no ***** porque destruíram tudo”. Porém, Zuleide afirma que o trabalhador, explorado por essas corporações, “adoraria fazer o que nós fazemos”, mas, por ter família para sustentar e contas a pagar, não faz. “Esse é mais um dos motivos que nos fazem do jeito que somos”, pontua.
Vinicius explica que, nas “ações diretas”, os black blockers atacam bens particulares por considerarem que “a propriedade privada – principalmente a propriedade privada corporativa – é em si própria muito mais violenta do que qualquer ação que possa ser tomada contra ela”. Quebrar vitrines de lojas, por exemplo, teria como função destruir “feitiços” criados pela ideologia capitalista. Esses “feitiços” seriam meios de “embalar o esquecimento” de todas as violências cometidas “em nome do direito de propriedade privada” e de “todo o potencial de uma sociedade sem ela [as vitrines]”.
Sem violência?
Em praticamente todas as manifestações, independentemente das causas e dos organizadores, tornou-se comum o grito: “Sem violência! Sem violência!”, que tinha como destinatários os policiais que, teoricamente, entenderiam o caráter “pacifista” do ato. Também seria uma tentativa de coibir a ação de “vândalos” ou “baderneiros”, que perceberiam não contar com o apoio do restante da massa.
Zuleide reconhece que, inicialmente, a ação Black Bloc era alvo desses gritos, mas, segundo ela, quando as pessoas entendem a forma como eles atuam, isso muda. “Os manifestantes perceberam que o Estado não iria nos deixar falar, nos deixar reivindicar algo, e começaram a nos reprimir. Quando há confronto [com a polícia], nós os ajudamos retardando a movimentação policial ou tirando eles de situações que ofereçam perigo, e alguns perceberam isso”, afirma.
Apesar de os confrontos com policiais não serem uma novidade durante as suas ações, os adeptos afirmam não ter como objetivo atacar policiais. Contudo, outro documento intitulado “Manifesto Black Bloc” deixa claro que, caso a polícia assuma um caráter “opressor ou repressor”, ela se torna, automaticamente, uma “inimiga”.
No “Manual de Ação Direta – Black Bloc”, também disponível na internet, a desobediência civil é definida como “a não aceitação” de uma regra, lei ou decisão imposta, “que não faça sentido e para não se curvar a quem a impõe. É este o princípio da desobediência civil, violenta ou não”. Entre as possibilidades de desobediência civil são citadas, por exemplo, a não aceitação da proibição da polícia que a manifestação siga por determinado caminho, a resistência à captura de algum manifestante ou, ainda, a tentativa de resgatar alguém detido pelos policiais.
Também são ensinadas táticas para resistir a gás lacrimogêneo, sprays de pimenta e outras formas de ação policial, além de dicas de primeiros socorros e direitos legais dos manifestantes. De acordo com o documento, as orientações desse manual tratam apenas da desobediência civil “não violenta”.
Outra orientação é que seja definido, antes da manifestação, se a desobediência civil será “violenta” ou “não violenta”. Caso se opte pela ação ‘não violenta’, essa decisão deve ser respeitada por todos, visto que não cumprir o combinado pode pôr “em risco” outros companheiros, além de ser um sinal de “desrespeito”.
Contudo, o mesmo manual deixa claro que o que “eles fazem conosco” todos os dias é uma violência, sendo assim, “a desobediência violenta é uma reação a isso e, portanto, não é gratuita, como eles tentam fazer parecer”.

Black Blocs: Quem são, o que pensam, como se organizam

Uma breve história
1980: O termo Black Bloc (Schwarzer Block) é usado pela primeira vez pela polícia alemã, como forma de identificar grupos de esquerda na época denominados “autônomos, ou autonomistas”, que lutavam contra a repressão policial aos squats (ocupações).
1986: Fundada, em Hamburgo (Alemanha), a liga autonomista Black Bloc 1500, para defender o Hafenstrasse Squat.
1987: Anarquistas vestidos com roupas pretas protestam em Berlim Ocidental, por ocasião da presença de Ronald Reagan, então presidente dos EUA, na cidade.
1988: Em Berlim Ocidental, o Black Bloc confronta-se com a polícia durante uma manifestação contra a reunião do Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI).
1992: Em São Francisco (EUA), na ocasião do 500º aniversário da descoberta da América por Cristóvão Colombo, o Black Bloc manifesta-se contra o genocídio de povos nativos das Américas.
1999: Seattle contra a Organização Mundial do Comércio (OMC). Estima-se em 500 o número de integrantes do Black Bloc que destruíram o centro econômico da cidade.
2000: Em Washington, durante reunião do FMI e Banco Mundial, cerca de mil black blockers anticapitalistas saíram às ruas e enfrentaram a polícia.
2000: Em Praga (República Tcheca), forma-se um dos maiores Black Blocs que se tem notícia, durante a reunião do FMI. Cerca de 3 mil anarquistas lutam contra a polícia tcheca.
2001: Quebec (Canadá). Membros do Black Bloc
são acusados de agredir um policial durante uma marcha pela paz nas ruas de Quebec. Após esse evento, a população local e vários manifestantes de esquerda distanciaram-se da tática Black Bloc e de seus métodos extremos.
2001: A cidade de Gênova (Itália), ao mesmo tempo, recebeu a cúpula do G8 e realizou o Fórum Social de Gênova, com um grande número de Black blockers, além de aproximadamente de 200 mil ativistas. A ação ficou marcada pela violenta morte do jovem Carlo Giuliani, de 23 anos.
2007: Em Heiligendamm (Alemanha), reunião do G8 foi alvo de uma ação com a participação de cerca de 5 mil blackblockers . Mobilização Black Bloc de cerca de 5.000 pessoas
2010: Toronto (Canadá), na reunião do G20. Neste confronto, mais de 500 manifestantes foram presos e dezenas de outros ativistas foram parar em hospitais com inúmeras fraturas.
2013: Cairo (Egito). O Black Bloc aparece com forte atuação nos protestos da Praça Tahir, no combate e resistência ao exército do então presidente Hosni Mubarak.
2013: Nos movimentos “Ocupe Wall Street” nos EUA, dos “indignados”, na Europa, nas manifestações na Grécia, Espanha, Itália, Alemanha. E nas manifestações de ruas no Brasil, após junho de 2013, principalmente em São Paulo, Brasília, mas também em Brasília, Porto Alegre e Salvador.
Fonte: Artigo A Tática Black Bloc, escrito por Jairo Costa, na Revista Mortal, 2010