quarta-feira, 15 de novembro de 2017

NOÇÕES BÁSICAS DE ECONOMIA POLÍTICA PRODUÇÃO E REPRODUÇÃO SOCIAL

NOÇÕES BÁSICAS DE ECONOMIA POLÍTICA
PRODUÇÃO E REPRODUÇÃO SOCIAL

Helder Molina

A premissa (premissa = idéia ou fato inicial de que se parte para formar um raciocínio ou um estudo) da análise marxista da sociedade é, portanto, a existência de seres humanos que, por meio da interação com a natureza e com outros indivíduos, dão origem à sua vida material:

Um primeiro pressuposto de toda existência humana e, portanto, de toda história (...) [é] que os homens devem estar em condições de poder viver a fim de “fazer a história”. Mas, para viver, é necessário, antes de mais nada, beber, comer, ter um teto onde se abrigar, vestir-se etc. O primeiro fato histórico é, pois, a produção dos meios que permitem satisfazer essas necessidades, a produção da própria vida material; trata-se de um fato histórico; de uma condição fundamental de toda a história, que é necessário, tanto hoje como há milhares de anos, executar, dia a dia, hora a hora, a fim de manter os homens vivos (MARX; ENGELS. A ideologia alemã, p. 33).

Marx distingue a forma como os indivíduos e os animais satisfazem suas necessidades e demonstra o modo especial que o trabalho humano adquiriu ao longo da história:

É certo que também o animal produz. Constrói para si um ninho, casas, como as abelhas, os castores, as formigas etc. Mas produz unicamente o que necessita imediatamente para si ou sua prole (...) produz unicamente por força de uma necessidade física imediata, enquanto o homem produz inclusive livre da necessidade física e só produz realmente liberado dela; o animal produz somente a si mesmo, enquanto o homem reproduz a natureza inteira; o produto do animal pertence imediatamente a seu corpo físico, enquanto o homem enfrenta-se livremente com seu produto. O animal produz unicamente segundo a necessidade e a medida da espécie a que pertence, enquanto o homem sabe produzir segundo a medida de qualquer espécie e sabe sempre impor ao objeto à medida que lhe é inerente; por isso o homem cria também segundo as leis da beleza.

Ao produzir para satisfazer suas necessidades os homens necessitam se organizar socialmente, ou seja, acabam criando e contraindo relações sociais. O ato de produzir gera também novas necessidades, que não são, por conseqüência, simples exigências naturais ou físicas, mas produtos da existência social:

A fome é a fome, mas a fome que se satisfaz com carne cozinhada, comida com faca e garfo, não é a mesma fome que come a carne crua, servindo-se das mãos, das unhas, dos dentes. Por conseguinte, a produção determina não só o objeto do consumo, mas também o modo de consumo, e não só de forma objetiva [material], mas também subjetiva [interior: modos e regras de comer]. Logo, a produção cria o consumidor (MARX. Introdução à crítica da economia política, p. 220).

Os resultados do trabalho e da experiência humana são acumulados e transmitidos por meio da cultura. É por meio da ação produtiva (trabalho) que o homem humaniza a natureza e a si mesmo. O processo de produção e reprodução da vida, ou seja, a busca pela satisfação das necessidades básicas, pelo trabalho é a atividade humana básica a partir da qual se constitui a história dos homens e por meio do qual devemos entender a análise da vida econômica, social, política e intelectual.

Forças produtivas e relações sociais de produção:
A sociedade é fruto da ação recíproca dos homens, entretanto, não é uma obra que se realiza segundo os desejos particulares de cada um. A estrutura de uma sociedade depende do estado de desenvolvimento de suas forças produtivas e das relações sociais de produção que lhes são correspondentes.
As forças produtivas são os bens[1] (e o modo como adquirem estes bens) de que os homens necessitam para agir sobre a natureza e transformá-la a seu favor na busca pela satisfação de suas necessidades básicas, ou seja, em que grau desenvolveram sua tecnologia, processos e modos de cooperação, a divisão técnica do trabalho, habilidades e conhecimentos utilizados na produção, a qualidade dos instrumentos e as matérias-primas de que dispõem. Forças produtivas é um conceito que busca compreender o grau de domínio que os homens têm sobre a natureza.
O conceito de relações sociais de produção refere-se às formas estabelecidas de distribuição dos meios de produção e do produto, e o tipo de divisão social do trabalho numa dada sociedade e em um período histórico determinado. Ele expressa o modo como os homens se organizam entre si para produzir; que formas existem naquela sociedade de apropriação de ferramentas, tecnologia, terra, fontes de matéria-prima e de energia (forças produtivas), e eventualmente de trabalhadores; quem toma decisões que afetam a produção; como o resultado da produção é distribuído, qual à proporção que se destina a cada grupo, e as diversas maneiras pelas quais os membros da sociedade produzem e repartem o produto.
A divisão social do trabalho expressa as desigualdades sociais como a separação entre trabalho manual e intelectual, ou entre “o trabalho industrial e comercial e o trabalho agrícola; e, como conseqüência, a separação entre a cidade e o campo e a oposição dos seus interesses”. A partir dessas grandes divisões, ocorreram historicamente outras como, por exemplo, entre os grupos que assumiram as ocupações religiosas, políticas, administrativas, de controle e repressão, financeiras etc. A cada um desses grupos cabem tanto tarefas distintas quanto porções maiores ou menores do produto social, já que eles ocupam posições desiguais relativamente ao controle e propriedade dos meios de produção. Assim, o tipo de divisão social do trabalhocorresponde à estrutura de classes da sociedade.

O moinho movido a braço nos dá a sociedade dos senhores feudais; o moinho movido a vapor, a sociedade dos capitalistas industriais. Os homens, ao estabelecerem as relações sociais vinculadas ao desenvolvimento de sua produção material, criam também os princípios, as idéias e as categorias conformes às suas relações sociais. Portanto, essas idéias, essas categorias são tão pouco eternas quanto às relações às quais servem de expressão (MARX. Miséria de la filosofía, p. 91).

Assim sendo, as noções de forças produtivas e de relações sociais de produção mostram que tais relações se interligam de modo que as mudanças em uma provocam alterações na outra. O primeiro trata das relações homem/natureza e o segundo das relações entre os homens no processo produtivo.

Estrutura (ou infra-estrutura) e superestrutura:
A estrutura ou a base da sociedade é composta pelo conjunto das forças produtivas e das relações sociais de produção que vimos anteriormente. Sobre a estrutura social é que são construídas as instituições políticas e sociais. Pois, durante a produção da vida os homens geram também outra espécie de produtos que não têm forma material: as ideologias políticas, concepções religiosas, códigos morais e estéticos, sistemas legais, de ensino, de comunicação, o conhecimento filosófico e científico, representações coletivas de sentimentos, ilusões, modos de pensar e concepções de vida diversas. Esta é a superestrutura ou supra-estrutura. Marx e Engels sintetizam estes dois conceitos da seguinte forma:

São os homens que produzem as suas representações, as suas idéias etc., mas os homens reais, atuantes, e tais como foram condicionados por um determinado desenvolvimento das suas forças produtivas e do modo de relações que lhe corresponde, incluindo até as formas mais amplas que estas possam tomar. A consciência nunca pode Ser mais que o Ser consciente, e o Ser dos homens é o seu processo da vida real... Assim, a moral, a religião, a metafísica e qualquer outra ideologia, tal como as formas de consciência que lhes correspondem, perdem imediatamente toda aparência de autonomia. Não têm história, não têm desenvolvimento; serão, antes, os homens que, desenvolvendo a sua produção material e as suas relações materiais, transformam, com esta realidade que lhes é própria, o seu pensamento e os produtos deste pensamento. Não é a consciência que determina a vida, mas sim a vida que determina a consciência (MARX e ENGELS. A ideologia alemã, p. 25).


A base material é entendida pelo conceito de modo de produção[2] (forças produtivas + relações sociais de produção) que serve para caracterizar diferentes etapas da história humana. Marx cita os modos de produção comunista primitivo, antigo, feudal e capitalista nas sociedades ocidentais, o asiático que compreende as sociedades orientais e as pré-colombianas da América do Sul, e finalmente o comunista.
O próprio Marx ao dizer sobre o caminho que percorreu para formular sua teoria nos revela de forma clara como ele utiliza os conceitos de modo de produção, forças produtivas e relações sociais de produção:

O meu primeiro trabalho, que empreendi para esclarecer as dúvidas que me assaltavam, foi uma revisão crítica da Filosofia do Direito de Hegel (...). Nas minhas pesquisas cheguei à conclusão de que as relações jurídicas - assim como as formas de Estado - não podem ser compreendidas por si mesmas, nem pela dita evolução geral do espírito humano, inserindo-se, pelo contrário, nas condições materiais de existência de que Hegel (...) compreende o conjunto pela designação de “sociedade civil”; por seu lado, a anatomia da sociedade civil deve ser procurada na economia política (...). A conclusão geral a que cheguei e que, uma vez adquirida, serviu de fio condutor dos meus estudos pode formular-se resumidamente assim: na produção social de sua existência, os homens estabelecem relações determinadas, necessárias, independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forças produtivas materiais. O conjunto dessas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem determinadas formas de consciência social. O modo de produção da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social, política e intelectual em geral. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser; é o seu ser social que, inversamente, determina a sua consciência. Em certo estádio de desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes, ou, o que é a sua expressão jurídica, com as relações de propriedade no seio das quais tinham se movido até então. De formas de desenvolvimento das forças produtivas, estas relações transformam-se no seu entrave. Surge, então, uma época de revolução social. A transformação da base econômica altera, mais ou menos rapidamente, toda a imensa superestrutura (MARX. Prefácio, p. 28).


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[1] “No processo de produção os homens empregam diversos instrumentos de trabalho: arado, máquinas; utilizam a energia da água, do vento, do vapor, da eletricidade, do átomo e vários materiais: madeira, pedra, metal, plásticos, etc. tudo o que os homens utilizam no processo de produção dos bens materiais: os instrumentos de trabalho (máquinas, mecanismos, instrumentos), meios auxiliares (edifícios, estradas, canais, energia, combustível, produtos químicos), os objetos de trabalho (minérios, madeiras, matérias plásticas), constituem os meios de produção” (SERTSOVA et al, 1988, p.12).
[2] De acordo com Marx, até o momento em que ele escreve, quatro modos de produção teriam se consolidado historicamente: modo de produção tribal ou asiático, marcado por uma economia de subsistência, com uma divisão simples do trabalho; modo de produção antigo ou greco-romano, definido pelas relações escravistas; modo de produção feudal, caracterizado pela presença da servidão e da vassalagem e modo de produção capitalista, com relações de trabalho livre e assalariado e a consolidação da propriedade privada dos meios de produção.

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