terça-feira, 1 de março de 2011

Os(as) trabalhadores(as), o movimento sindical,e os espaços de participação política institucional

Onde está o poder? Os(as) trabalhadores(as), o movimento sindical,e os espaços de participação política institucional

Helder Molina

(Educador sindical, assessor de formação da CUTRJ, assessor em formação política e planejamento institucional, historiador, Mestre em Educação, doutorando em Políticas Públicas)

Uma questão não resolvida, ou mal resolvida, nos movimentos sociais e sindicatos, é a questão do poder. Esse tema tem causado profundos conflitos no debate sindical e popular.
Quais devem ser as relações entre os movimentos sociais populares, partidos políticos, poder público/Estado, e instâncias de participação institucional. Participar? Não participar: Se participar, como. Essas instâncias e espaços são instrumentos privados ou públicos? Servem para os interesses privados e capitalistas? Para a cooptação, acomodação, adaptação, corrupção, traição? Ou podem ser instrumentos de interesses coletivos, públicos, portanto, de mudanças? Transformações? É sobre essa polêmica que este artigo tenta se inserir.
Nos últimos 30 anos, a partir das lutas dos movimentos sociais organizados, e dos setores democráticas da sociedade brasileira. Superamos a ditadura militar e o Estado autoritário, colocamos na agenda política e sócia econômica as reivindicações e concepções dos (as) trabalhadores (as) sobre Estado, políticas públicas, direitos sociais, participação e cidadania.
Nos anos 80, no processo de transição da ditadura para o Estado democrático de direito, os movimentos sociais e suas organizações retomaram a iniciativa política, não só de denúncia e resistência, mas de elaboração e proposição de alternativas. Os (as) trabalhadores (as) ocuparam a cena política e, como produto desses protagonizamos abriram-se os espaços de participação institucional e política na esfera pública,
Portanto, a democracia que se institucional no Brasil, mesmo com todas as dificuldades, lentidão, avanços e recuos, é uma conquista política da classe trabalhadora e do povo. Contra a vontade das classes dominantes, principalmente quanto estas tinham a completa hegemonia (dominância) do aparelho do Estado (Seja união, estados ou municípios).
No início dos anos 90, e por toda a década, sofremos um profundo e organizado ataque das políticas neoliberais, de privatizações das políticas públicas, desmonte do poder e da política, dos orçamentos e recursos destinados aos setores mais pobres da sociedade, de Estado mínimo e mercado máximo, desregulamentação dos direitos trabalhistas, crescimento das terceirizações e das precarizações das relações de trabalho, desemprego, abandono da saúde e educação públicas, crescimento do espaço privado, individualismo, da idéia de cada um por si, da propaganda, da mercadoria, do consumo, e da agressiva tentativa de esvaziamento dos espaços de participação pública, dos movimentos sociais, dos sindicatos.
Os movimentos sociais resistiram, mas a verdade é que aquele vendaval neoliberal que varreu o Brasil, a America Latina e o mundo, nos deixou na defensiva, na resistência, e nas respostas fragmentadas e sem um projeto ou alternativa que dessa unidade e força às diversas lutas dos movimentos sociais.
Nos últimos anos, mesmo ainda sofrendo os estragos provocados pelas políticas de mercado, de privatização e de flexibilização das políticas públicas, dominantes na década de 1990 e inicio dos anos 2000, os movimentos sociais e suar organizações resistiram e combateram na busca da participação política na vida social, de mudanças nas prioridades econômicas, no resgate do papel do Estado e do poder público, na consolidação de canais de interlocução e proposição de projetos e alternativas, na distribuição da renda, na discussão coletiva dos orçamentos públicos, enfim, de institucionalização da democracia, visando melhorar a vida da maioria da população.
Os movimentos sociais sempre tiveram desconfiança do Estado, e, portanto descrentes ou contrários à participação e suas esferas de formulações e decisões. No Brasil, desde a colonização, o Estado sempre foi espaço e instrumento de poder das classes dominantes, das oligarquias, seja no Império, seja na República. No século XX o Estado (há não se em pequenos períodos históricos de participação dos movimentos sociais nos destinos do Estado, como no início dos anos 1960 - governo Goulart - 1961-1964).
Portanto têm razões históricas essa desconfiança e mesmo rejeição ao Estado e suas instâncias. Muitos estudiosos e pensadores, como Marx, afirmam, com certa razão, que o Estado é um aparelho de reprodução da ideologia e dos interesses econômicos e políticos das classes dominantes. O que seria necessária uma ruptura estrutural (desmontando este e construído outro), isto é, derrubar, por abaixo este Estado capitalista, para que ele viesse a atender aos interesses da maioria do povo, que são os (as) trabalhadores (as). Outro, como Althusser, confessa sua completa descrença na transformação do Estado e das ideologias capitalistas que não fosse pela via da ruptura revolucionária.
Com certeza, o Estado que interessa aos trabalhadores só vai surgir se desmontarmos, botarmos abaixo este Estado patrimonialista, privatizado pelas oligarquias econômicas e políticas, um verdadeiro comitê dos negócios dos empresários e suar organizações. O problema é a forma, o processo, o como fazer. Para isso temos que analisar a correlação de forças, a nossa capacitação organizativa e política de enfrentarmos essas tarefas de mudança social e econômica do Estado e da sociedade.
A nosso ver essas rupturas e mudanças econômicas, sociais e políticas não se darão num só golpe, num ataque único e definitivo, como em certos processos revolucionários ao longo da história. Entendemos que a mudança se dará num longo processo de acúmulo de forças e de espaços conquistados, de disputas contra a hegemonia dos empresários, latifundiários e banqueiros, e seus interesses, no Estado e na sociedade. Portanto, têm que ser produto de um processo combinado de lutas, mobilizações e pressões sociais coletivas, dos trabalhadores e suas organizações políticas, dos movimentos sociais diversificados, e de avanços e conquistas dos espaços institucionais, sejam parlamentos, prefeituras, governos estaduais e federal.
A mudança tem que combinar a luta social, luta direta, nas reais, passeatas, mobilizações, greves, marchas e pressões contra os patrões e o Estado, com a luta institucional, na participação eleitoral, com candidatos e programas que defendem os direitos e reivindicações dos (as) trabalhadores (as), sejam para as câmaras municipais de vereadores, assembléias legislativa, câmara e senado federal, seja para as prefeituras, governos estaduais e federal, e com a participação ativa nos conselhos de políticas públicas, nos fóruns de discussão do orçamento e das prioridades políticas de aplicação dos recursos públicos, nas instâncias de proposição e gestão pública.
O Estado (aqui entendido como esfera governamental, portanto), aqui incluídas as prefeituras, e suas políticas devem ser públicas, para responder aos interesses públicos. Desprivatizar o poder, empoderar os movimentos sociais, construir os espaços públicos estatais de participação, eis uma das tarefas dos sindicatos, dos movimentos sociais.
Num país complexo como o nosso, com profundas heranças escravistas, de exclusão dos pobres, marginalização e criminalização dos movimentos sociais, de violência institucional, de silenciamento, esmagamento e agressão aos direitos das mulheres, dos negros e negras, dos índios, dos homossexuais, enfim, marcado pelas injustiças sociais na distribuição da renda e da decisão política, mais do que nunca temos que tomar o Estado e torná-lo realmente poder público, para democratizar a economia, a política e a sociedade.
Tomar o Estado significa retirar das mãos dos interesses privados, patrimonialistas, nepotistas, e trazê-lo para as mãos dos (as), trabalhadores (as), das crianças, dos jovens, dos adultos, enfim, da sociedade que trabalha e produz a riqueza da nação.
Não é possível mudar o mundo sem mudar o poder.
Defender a autonomia dos movimentos sociais significa dotá-los de capacidade política (empedrar) para disputar os espaços da luta social direta, combinada com as lutas institucionais. Ambas são lutas políticas. Portanto, os trabalhadores e as trabalhadores devem participar ativamente da política, pois a política que interessa à classe trabalhadora só poderá ser desenvolvida e conquistada pelas organizações (aqui incluídos os partidos políticos) que estão vinculados aos interesses e lutas concretas da classe.
Mais do que nunca devemos participar da política, a luta sindical tem profundos limites, pois está presa às reivindicações corporativas, econômico-salariais. Na disputa política mais geral, pelos direitos dos (as) trabalhadores (as) são necessárias, fundamentais e não podem ser abandonadas. Mas devem combinar com outras lutas e reivindicações, que são obrigações do Estado (poder público).
Os (as) trabalhadores (as) devem ter seus representantes nos parlamentos e nas prefeituras e governos. Mais que aliados, são seus representantes. Porta vozes de suas bandeiras, reivindicações, projetos e alternativas. Numa democracia representativa, que tem hegemonia das classes dominantes, mais do que nunca devemos ampliar as esferas da participação, da cidadania e da democracia popular. Sim, devemos lutar para construir uma democracia popular, um projeto das maiorias, dos setores populares.
Esses espaços de participação também são espaços de formação política, de desenvolvimento de uma cidadania ativa, consciente, concreta, vinculada aos interesses de classe. Os sindicatos negligenciam os fóruns e conselhos de participação, ainda desconfiados sobre sua eficácia e capacidade de resolver problemas concretos da população. È a desconfiança de que falamos anteriormente.

Centenas de conselhos, espaços, fóruns e instâncias institucionais, políticas, governamentais, que discutem o orçamento público, que definem onde aplicar os recursos advindos dos impostos cobrados, em sua maioria, dos (as) trabalhadores (as), está ocupado apenas pelos empresários e pelos burocratas estatais. Estes, com certeza, discutem e aprovam nesses espaços os seus interesses particulares, as suas prioridades, silenciando a voz dos mais pobres, calando as reivindicações dos movimentos sociais.
Pela ausência dos movimentos sociais (aqui incluídos os sindicatos), acontecem os desvios de verbas públicas, a corrupção, o roubo desenfreado da riqueza produzida pelo trabalho dos (as) trabalhadores (as). Quando os (as) trabalhadores (as) ficam de costas, às escondidas se praticam o nepotismo, o empreguismo, o leilão do dinheiro público, a privatização, a corrupção, enfim. Pense nisso.
Pense e se mexa. Cidadania ativa, discussão do interesse da cidade, governar os desejos coletivos, eis uma das tarefas fundamentais colocadas aos sindicatos, além do salário e do emprego. Que acha disso?
Isso sim significa República, "res" (coisa) pública, consciência política, agir coletivamente, responder à importância e a centralidade de participação das bases, construir o poder popular de baixo para cima, romper com as velhas estruturas apodrecidas do Estado, do poder público, da política e da economia. Enfim, no concreto significa erguer novas estruturas sociais, consolidando a distribuição da renda, da participação, da democracia.
Os sindicatos, os movimentos sociais, os (as) militantes, atividades, dirigentes, devem pensar nestas questões, mesmo que discordando, mas debatendo, formulando alternativas. Um pé no movimento concreto e nas lutas da classe, outro pé na disputa pelo Estado.
Sem perder a autonomia em relação aos partidos políticos, aos patrões e ao Estado (seja prefeito, governador ou presidente da República). Governos, partidos políticos e movimentos sociais. Cada um destes tem seus papéis diferenciados. Importante não misturar os papéis, pois isto gera, entre outras coisas, crise de identidade, confusão, adaptação, cooptação, burocratização, enfraquecimento, corrupção, enfim sem perder a independência de classe, instrumento fundamental para construção de nossa identidade, nossas lutas e nossas vitórias. Quando Marx diz que emancipação dos (as) trabalhadores (as) será obra dos próprios trabalhadores, cabe perguntar: Como?
Rio de Janeiro, Fevereiro de 2010 Helder Molina

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