domingo, 24 de fevereiro de 2013

Professor(a), mercadoria precária e precarizada: Quanto vale? Ou é por quilo?

Professor(a),

mercadoria precária e precarizada:

Quanto vale? Ou é por quilo?



Helder Molina(*)





(*) Historiador, mestre em Educação, doutor em Políticas Públicas e Formação Humana,

educador e pesquisador sindical, professor da UERJ,

assessor de formação política e planejamento sindical



· Inicia-se um novo letivo nas redes básicas e superiores de Educação (nas universidades federais, e algumas estaduais, o ano letivo ainda não se encerrou, devida à reposição dos dias de greve..., muitas farão reposição até março...).



· Novamente, como que numa permanente maldição de Sisifo, volta à pauta a questão da negociação, mobilização, greve, enfim. A situação pouco se modifica, entra ano e sai ano



· A mídia, e o senso comum, tratam logo de dizer: Já vem greve de novo!!!!! Porque não se dá voz aos trabalhadores da Educação? Porque a Educação é lembrada apenas nos palanques eletrônicos das campanhas eleitorais? Porque se ridicularam tanto os trabalhadores da educação?



· A verdade é que quando entram em greve e porque já se esgotaram todos os espaços de mediação, os canais de negociação já estão totalmente obstruídos pela intransigência dos governos.



· Nenhum trabalhador ou trabalhadora gosta de fazer greve, ela é uma medida extrema. Uma greve desgasta todos que vivem e precisam da escola. Os alunos, os pais, a comunidade, o currículo, o desenvolvimento das atividades pedagógicas, a produção do conhecimento, o planejamento didático, as férias, enfim.



· Num jogo de faz de conta por parte do poder público, e do patronato educacional privado, a resposta é o silêncio, quando muito. Os professores e funcionários de escola não fazem greve, suas vozes não são ouvidas, suas reivindicações não são sequer conhecidas pela sociedade e reconhecidas pelos governos.



· Vivemos uma crescente e degradante precarização das condições de trabalho e de salário, principalmente na escola pública. Veja que em algumas universidades públicas, como a UERJ, no Rio, metade dos docentes que trabalham em sala de aula, não possuem direitos trabalhistas, são contratados precariamente, não possuem direitos políticos, possuem todos os outros deverem e obrigações de outros profissionais, e vivem em latente e patente estado de indeterminação, uma vida provisória em suspense e em suspensão.



· Estes professores e funcionários trabalham com contratos temporários, vivem em situação de precarização, são garantias de salários, direitos fundamentais, como férias, 13º terceiro, aposentadoria, previdência, etc. Uma nova escravidão, de salários indignos e condições degradantes de trabalho. Vejam as condições das escolas, a situação das salas de aulas, faltam equipamentos, materiais.



· Os concursos públicos são cada vez mais demorados, e só existem a custa de muitas lutas, denúncias, mobilizações dos próprios professores e funcionários. E os concursados ficam meses, até anos, aguardando para serem convocados, e quando são, já praticamente duplicou, ou triplicou, a falta de profissionais, e novamente os governos buscam o "exército intelectual de reserva", isto é, uma enorme quantidade de profissionais que se subordinam a trabalhar por condições precárias e contratos temporários.



· Por isso todo ano tem que fazer campanha salarial, mobilização, passeatas, paralizações, greves. A terceirização, precarização, degradação dos direitos, desvio e má gestão dos recursos, e abandono da escola, este é o retrato da escola, o quadro tétrico que temos que, infelizmente, apresentar no dia do professor. A educação como prioridade é uma demagogia barata nas bocas dos candidatos e governantes. A



· verdade é que a escola pública ainda resiste porque os trabalhadores que nela estão são convocados, dia apos dia, a resistir e defendê-la. Hoje a educação é tratada como mercadoria, há uma crescente mercantilização do ensino.



· A escola privada é um grande negócio de empresários, e a escola pública, na visão empresarial, deve ser gerida baseada na meritocracia, produtivismo, mercantilismo, e outros ismos do neoliberalismo



· Há uma espécie de anestesiamento social, de individualismo, de domínio da lógica do consumo, do que vale é o indivíduo, o mérito individual, cada um por si. A lógica da competição, do mercado, do lucro. Vale mais o ter do que o ser. O direito à propriedade está acima do direito à vida.



· Um banqueiro que lucra 1 bilhão de reais, com juros altos, câmbio e bolsa de valores, não é criminoso, mas um sem teto que pede esmolas na porta de um banco é preso como perigo à propriedade privada e à riqueza individual.



· Daí se explica o desprezo pelo público, pelo coletivo, um esvaziamento da esfera pública, a morte da política como bem comum, com vontade geral. Quem pode, paga escola particular, quem não pode, que suporte a degradante escola pública. Greve? coisa de preguiçosos, baderneiros, vagabundos, quem mandou escolher ser professor? O desdém e o desprezo com a "rés” pública, isto é, com a coisa púbica, são grandes aliados da privatização e do elitismo, e da exclusão.



· Pode ter virado uma questão cultural? Não se trata de uma questão cultural, se trata de uma luta por direitos, de um grito dos profissionais da escola. A escola pública é uma conquista da sociedade democrática, da luta contra o elitismo que impera na nossa cultura. Uma conquista de muitos movimentos, dos sindicatos, da cidadania democrática, das organizações populares, dos partidos progressistas.



· O povo precisa da escola pública, os trabalhadores só terão acesso ao conhecimento, à ciência, à tecnologia, se existir a escola pública, seja ela fundamental, média ou superior.



· Os ricos não precisam da escola pública, eles já têm acesso aos bens culturais e educacionais, produzidos pela divisão de classes, pela segmentação dos lucros, pelo acesso ao Estado, enfim.



· Não há um calendário dizendo que tem greve anotada na agenda, quem diz isso são os sacerdotes da privataria, os intelectuais que defendem a escola como mercado e a educação como mercadoria.



· Todos os anos nos planejamos para dar o melhor de nós, produzir boas aulas, fazer o melhor para nossos alunos, desenvolver conhecimentos, enfim. Mas, vejam os salários dos professores e professoras? Vejam os salários dos profissionais de apoio?



· Acha que dá apara viver com essa miséria no final do mês? ter que trabalhar em três ou quatro escolas, para poder pagar as contas no final do mês de trabalho?



· Como se qualificar? trabalhando em tantos lugares, parecendo mascates, peregrinos andarilhos, de ônibus, de trem, de carona, pagando de seu próprio bolso, pois os penduricalhos que pagam como benefício mal dá para pegar ônibus, muitas viajam de carona, ou mesmo a pé.



· Dá para falar em questão cultural? quem diz isso não conhece o cotidiano de quem vivem com R$ 800, 00, R$ 900,00 por mês. Nenhum profissional merece condição tão degradante, sem falar no assédio moral, no adoecimento psíquico, na depressão, insônia, angústia por ver a situação da escola como está, na violência que cerca a escola, e a invade e a domina?



· Depende do ponto de vista que se olha. Como disse anteriormente, só existe escola pública porque milhares de profissionais se dedicam a ela, e não é só pelo salário, é pela ideologia da defesa do público, pelo compromisso da garantia do espaço de produção do conhecimento útil aos trabalhadores.



· É um dos poucos espaços onde os pobres podem sonhar em serem sujeitos, terem futuro. Pensemos sinceramente: há futuro para os pobres, para os excluídos, se deixam de existir a escola pública?



· E não se trata de pensar que as greves sejam rentáveis, se trata de lutar pela sobrevivência material, mais que isso, de garantir que o conhecimento, a ciência, a tecnologia seja protagonizada pelos trabalhadores.



· E verdade que as greves se arrastam, pois os governos viram as costas, greve de educadores não mexe na taxa de lucros, não produz mais valia, enfim, não se trata de um setor produtivo, do ponto de vista de mercadorias, como uma fábrica, um banco, enfim.



· Mas se tratam de um setor extremamente importante para a democracia, a cidadania, os direitos sociais. São eficazes porque denuncia os descasos, os desrespeitos, a escravidão vivida pelos profissionais de apoio, e pelos educadores, nas injustas e indignas condições de vida e de trabalho.



· Do ponto de vista do mercado, rentável é taxa de juros altos, financeirização da educação, vender ações nas bolsas de valores, trocar professor de carne e osso, por televisão, aulas à distância, tutoria, etc.



· Não produzimos para o mercado, produzimos para a sociedade, para os setores mais marginalizados, mais abandonados pelo Estado oficial e pela lógica econômica da eficácia e da eficiência.



· Existem muitas formas de lutas, como abaixo assinados, internet, festivais, corridas, passeatas, enfim. Mas a greve ainda é fundamental, não perdeu a validade, e só nela, infelizmente, saímos da invisibilidade, do ostracismo, sem gritar, morremos, matam-nos a voz, depois a alma, depois podem fechar a escola.



· Nossa alma está no nosso trabalho, nele nos identificamos. Produzimos nossas vidas, somos dignos pelo nosso trabalho, amamos ser professores, trabalhamos com a produção do conhecimento, com a produção de subjetividade, sensibilidade, buscamos produzir a solidariedade, a troca que gera vida, quer sentido melhor?





(*) Historiador, mestre em Educação, doutor em Políticas Públicas e Formação Humana, educador e pesquisador sindical, professor da UERJ,

assessor de formação política e planejamento sindical



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