quinta-feira, 1 de outubro de 2020

HISTÓRIA DA RELAÇÃO TRABALHISTA ENTRE SERVIDOR, ESTADO E SOCIEDADE

HISTÓRIA DA RELAÇÃO TRABALHISTA ENTRE SERVIDOR, ESTADO E SOCIEDADE Fernando Marroni Advogado, Servidor da Universidade Federal de Pelotas – UFPEL - RS, ex prefeito de Pelotas RS Para falar sobre novas relações de trabalho no serviço público impõe-se, ainda que genericamente, resgatar a história da própria administração pública no Brasil, marcada pela extrema centralização do poder nas mãos do Executivo. Herdada do Estado português, a então colônia manteve sua estrutura administrativa e sua utilização (principal) para sustentar interesses de grupos dominantes, que se alternaram no poder, em detrimento das necessidades da maioria da população. O cargo público, à época da colônia, era propriedade do rei, que o concedia a seus favoritos, conferindo-lhes autoridade e nobreza. Detê-lo significava poder de influência, proximidade com o soberano e, acima de tudo, enriquecimento. Era possível obter um cargo público, também, em leilão, ou comprá-lo diretamente da Coroa. Havia, também, a ocupação do cargo vago por concurso. Entretanto, os documentos que os convocavam sugeriam que fossem ocupados por quem oferecesse maior quantidade de dinheiro. Era comum o "funcionário" comprar cargo em Portugal a baixo custo e vendê-lo mais caro no Brasil. Essa prática levou à multiplicação de órgãos públicos, ao desgaste da estrutura e ao aviltamento dos salários dos funcionários. No Brasil Império, institucionalizou-se o poder militar dos grandes proprietários de terra, incorporando-se suas milícias particulares ao Ministério da Justiça em troca de patentes militares. Criava-se a Guarda Nacional, principal base de sustentação política e administrativa da época, originando o ciclo do "coronelismo". Nesse período as principais funções da administração eram defender e sustentar a Corte. Iniciava-se, ali, o preenchimento do cargo público através dos acordos políticos, o que gerava uma total submissão aos interesses da oligarquia dominante. Desde então a degeneração do aparelho administrativo era fomentada de cima para baixo. Essa estrutura permaneceu inalterada após a Proclamação da República, até porque não houve nada que se assemelhasse a uma revolução para implantação do Estado Republicano. Nesta nova fase estabeleceu-se uma aliança entre o poder público e o setor privado: o Estado contribuía com concessões, benefícios e verbas públicas, enquanto o setor privado participava com o voto submisso, famílias inteiras eram conduzidas à direção dos principais Estados e órgãos administrativos em troca do "voto de cabresto". Mais uma vez expandia-se desordenadamente a estrutura administrativa, com a ampliação do número de cargos, sem correspondência com as reais necessidades da sociedade, que eram marcadas pelo crescimento das populações urbanas e pela expansão da atividade industrial. Estado Novo e Período Vargas No período Vargas, entre 1930 e 1934, surgem as primeiras idéias para profissionalizar e dignificar a função pública, com o objetivo de aumentar a eficiência destes serviços. Fala-se, então, em igualdade de oportunidades, instituição de concurso público e aumento da remuneração. No processo de elaboração da Constituição a Associação dos Funcionários Públicos de São Paulo intervém, organizadamente, apresentando um substitutivo ao anteprojeto de Constituição, contendo as seguintes reivindicações: participação no processo constituinte, plano de carreira, aposentadoria integral, concurso público, isonomia salarial com os militares e direito a constituir associação de classes. Inaugura-se, assim, um capítulo na Constituição reservado ao funcionalismo público. A partir da lei 284/1936, "Lei do reajustamento", inicia-se uma efetiva mudança no pensamento sobre o serviço público. Essa lei institui o plano de classificação de cargos e o concurso público, como também o Conselho Federal do Serviço Público, mais tarde transformado no Departamento de Administração do Serviço Público (DASP). Apesar dessas reformulações, não se institui, na verdade. a profissionalização dos serviços públicos; o que acabou ocorrendo foi uma centralização e uma concentração de poderes nas mãos de Vargas. A partir do DASP e da centralização do poder, em 1939. surge o primeiro Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União, através do famoso decreto-lei 1713 de 28 de outubro. Esse incorporava o plano de classificação definido pela lei 284, de 1936. Instituindo um regime de caráter corporativo e assistencialista, este estatuto representou um avanço para os servidores públicos, mas do ponto de vista político funcionou como um instrumento de controle voltado contra a organização da categoria. Nessa nova estruturação do serviço público, coexistiam dois regimes de trabalho, o dos extranumerários (contratados) e o dos estatutários. Embora os estatutários concursados fossem minoria no serviço público, somente a eles eram concedidos os direitos, como férias anuais, aposentadorias etc, marginalizando-se, assim, os extranumerários. Esta situação, evidentemente, privilegiava alguns funcionários, discriminando outros, embora cumprissem as mesmas funções, o que acarretava, inevitavelmente, sérias conseqüências para o serviço público. Durante o mandato constitucional de Vargas, em 1952, é promulgado o Segundo Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União, através da lei 1711 de 28 de outubro de 1952. Este Estatuto abria a possibilidade de um plano de classificação de cargos, que só foi sancionado em 12 de julho de 1960, já no governo de Juscelino Kubitschek. A partir de então, os governos subseqüentes, anteriores ao golpe militar, apresentaram tentativas de reformas da administração pública, mas todas elas com o intuito claro de adaptá-la aos interesses dos grupos que compartilhavam o poder. Jânio Quadros, por exemplo, eleito com base numa plataforma "moralizadora" dos serviços públicos, nada acrescentou para a melhoria da administração: a sua mais conhecida medida foi a adoção cômica de uniforme para os servidores civis. O regime militar A ditadura dos militares, editou o decreto-lei 200/67 - outra medida direcionada a ajustar a administração pública aos interesses dominantes - e nada mais fez do que adaptar a administração civil ao regime militar. Note-se, porém, que o decreto 200/67 instituiu a administração direta e a indireta no serviço público. Com essa alteração de ordem estrutural advieram dois regimes de contratação: contratação com vínculo empregatício, pelo regime da CLT, e ao lado o regime do estatuto dos servidores públicos. Este modelo autoritário permaneceu em vigor, ainda que com algumas alterações, durante o período da chamada Nova República até a instituição do Regime único, pela Lei nº 8112 de 1990. Desta história depreende-se que durante toda a existência da administração pública no Brasil (cinco séculos aproximadamente): - A maioria da população sempre esteve excluída da participação da gestão pública e de seus benefícios. - O Estado manteve com o servidor uma relação ao mesmo tempo autoritária, cooptativa e clientelista. - O servidor manteve uma relação com o Estado, marcada pela conveniência pessoal e a submissão. As elites dominantes mantiveram uma relação orgânica com o Estado privatizando-o em benefício de seus interesses. O resultado desta concepção foi a degeneração absoluta da função pública e uma cultura arraigada na maioria da sociedade, marcada pela aversão à participação no mundo público. Regime Jurídico Único O Regime Jurídico Único, oriundo de uma disposição da Constituição de 88, foi uma reivindicação do movimento sindical dos servidores públicos federais (SPF), que participavam ativamente da disputa do novo texto. Evidentemente, reivindicar um único regime para o vínculo de trabalho com o Estado não significava que este teria de ser o estatutário. A proposta defendida era a de que a nova norma regulamentadora das relações de trabalho no serviço público deveria estender a todos os mesmos direitos e deveres e, ainda, garantir uma relação de trabalho de caráter institucional-negocial. Esta dupla natureza resultaria em um regime capaz de dar curso às diversas disposições constitucionais sobre servidores públicos, as quais deveriam ser institucionalizadas pela legislação ordinária. Por outra parte, compatibilizaria a relação de trabalho do setor público com outros preceitos (princípios e normas) inscritos no texto constitucional, a começar pelo artigo 1º, em que o Brasil é definido como um Estado Democrático de Direito, categoria que supera a democracia representativa pela democracia participativa. Em particular, apontavam para um regime de novo tipo, capaz de viabilizar a negociação dos interesses em conflito, na relação de trabalho com o Estado, as normas que estenderam aos servidores públicos o direito à livre organização sindical e o direito de greve, que na verdade já eram praticados. O texto da Carta Política consagrou, assim, a cidadania plena dos servidores públicos, tendo reconhecida sua esfera de vontade, que se manifesta como autonomia coletiva. Estas definições orientaram nossa intervenção na disputa que se travou na votação do Regime Jurídico Único. Isto é, defendíamos o estatuto básico, instituído pela via legislativa, e a previsão no mesmo, do direito à negociação coletiva. No momento da disputa expressava-se uma forte ofensiva das teses neoliberais defendidas pelo governo Collor, cujo alvo prioritário estava justamente no papel do Estado, de suas atribuições e, por conseqüência, nas relações com os servidores. O neoliberalismo postula um Estado mínimo, mas forte, garantia eficaz da "ordem" para a fluência dos negócios, sob a égide das leis do mercado. Para assegurar essa eficácia, propõe um Estado que funcione como uma máquina, vale dizer, isento de conflitos internos, o que tende a perpetuar a visão do servidor como "órgão" do Estado, com um ser inconsciente, portanto. Sob a influência do movimento dos servidores, o Parlamento não só aprovou a tese da negociação coletiva, como também derrubou o veto aposto por Collor. Mais tarde, veio a derrota através do Supremo Tribunal Federal, que declarou inconstitucional a negociação coletiva no âmbito da administração pública. O resultado desta disputa é um instrumento jurídico atrasado e autoritário, que tende a garantir a unilateralidade da relação da função pública, submetendo os servidores à esfera de vontade do Estado. Naturalmente, a negociação das relações de trabalho, em que o Estado é parte, deve realizar-se no plano coletivo. Neste sentido apontam a Convenção 151 e a Recomendação 159 da OIT, aprovadas em 1978, e que foram ainda ratificadas pelo Brasil, ambas voltadas para a instituição de relações democráticas no trabalho do setor público, compatíveis com o estágio atual do Estado de Direito, denominado Estado Democrático de Direito. Estes instrumentos, além de refletir o reconhecimento da plena cidadania dos servidores públicos, constituem o impulso decisivo para a sua universalização. (FM) Referências Webliográficas ALVES, Eduardo. A mídia e os servidores. Disponível em http://www.sindifiscomg.com.br/downloads/a_midia_e_os_servidores.htm. Acesso em: 21.12.2010. AQUINO, Wilson; NICACIO, Adriana e GUEDES, Fabiana. Concurso: O sonho da estabilidade. Disponível em: http://www.istoe.com.br/reportagens/46397_CONCURSO+O+SONHO+DA+ESTABILIDADE Ace ANFIP. Servidores Públicos - Mitos que prejudicam o Brasil e a sociedade. Estudo produzido pela ANFIP - Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil. Disponível em: http://www.fonacate.org.br/fn/index.php?h_pg=noticias&bin=read&id=230. Acesso em: 20.12.2010 acesso em 22.12.2010 CALAZANS, Fábio. Funcionalismo Público: Trabalho e Dedicação em Prol da Nação. Disponível em http://www.blogdofabiocalazans.com.br. Acesso em: 20.12.2010

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