terça-feira, 6 de janeiro de 2015

A vingança do capital contra o trabalho: Impacto da reestruturação produtiva na ideologia e na ação sindical.

A vingança do capital contra o trabalho: Impacto da reestruturação produtiva na ideologia e na ação sindical.
(Helder Molina)


As injustiças multiplicam-se, as desigualdades agravam-se, a ignorância cresce, a miséria se alastra. A mesma esquizofrênica humanidade, capaz de enviar instrumentos a um planeta, para estudar a composição das suas rochas, assiste indiferente a morte de milhões de crianças pela fome. Chega-se mais facilmente a Marte, do que ao nosso próprio semelhante.(JOSÉ SARAMAGO, em discurso no Prêmio Nobel de Literatura, 2000).


Do século XII, período no qual o capitalismo começa a ser gerado, até os dias de hoje, já no século XXI, o trabalho organizou-se, estruturou-se e alcançou níveis de especialização e lucratividade nunca imaginados. Desde a primeira Revolução Industrial, as inovações tecnológicas têm sido recorrentemente consideradas uma ameaça aos empregos, sobretudo em períodos de crise. Se no início os trabalhadores destruíram as máquinas têxteis, assustados com as consequências de sua introdução, hoje esse paradoxo se aprofunda.
Para Rodrigues (2007) o mundo do trabalho tem se situado no centro das principais transformações ocorridas no estágio atual de desenvolvimento do capitalismo. A incorporação das novas tecnologias de informação e a flexibilização das relações de produção induziram a criação de novas formas de trabalho (em tempo parcial, temporário, a domicílio etc.), e mudaram significativamente as características da classe trabalhadora. Essa situação afetou de modo significativo as práticas sindicais e colocou em xeque as estratégias construídas em períodos anteriores do desenvolvimento econômico.
Nas fronteiras de uma produção para a produção, segundo Marx (1993). Com uma contradição grave para o capital: nas condições de desemprego e empobrecimento dos trabalhadores, o acesso limitado das massas a esta produção dificulta a ''valorização do capital, para o capital em seu conjunto, e para capital em particular''. É nestas condições que se acentuam e se tornam mais determinantes, no mercado mundial, ''as leis cegas da concorrência'', tão fortes em nosso tempo.
Ainda Marx (1993), a produção capitalista aspira constantemente a superar os limites imanentes a ela, mas só pode superá-los recorrendo a meios que voltam a levantar ante ela estes mesmos limites, só que com maior força.
Portanto, estas metamorfoses estão vinculadas ao processo de acumulação capitalista. Sendo que a exploração dos trabalhadores e o meio para aumentá-la pelos capitalistas dá-se pelo uso de vários recursos, entre eles: a extensão na duração do trabalho e que tem resistência na limitação física do trabalhador e na sua organização e luta pela redução da jornada de trabalho.
Com a revolução da base técnica organizacional ocorre o aumento da produtividade do trabalho de modo a intensificar as formas de extração de mais-valia, economizando mão-de-obra. O argumento utilizado é que isto possibilitará a competitividade diante da concorrência intercapitalista em um mercado globalizado pela abertura econômica a partir da “reforma” do Estado baseada no ideário de recorte neoliberal.
Portanto nesta perspectiva é natural a proposta de alteração da legislação trabalhista e a permanente crítica ao sistema de proteção social em nosso país. Esta realidade traz conseqüências ainda mais negativas aos salários e aos direitos gerando insegurança, mas é apresentada como inevitável diante da concorrência e da modernização tecnológica. A insegurança passou a ocorrer em diversos níveis do trabalho, no mercado de trabalho, no emprego, na renda, na contratação e na representação (Matoso 1995).
A acelerada revolução tecnológica mobiliza as outras revoluções. As novas tecnologias de comunicação e informação encurtaram distâncias, promoveram aproximação dos povos em tempo real, e com eles o desejo de consumir mercadorias aumentou.
Adolescentes e jovens brasileiros, suecos, argentinos, mexicanos, indonésios e nigerianos podem ter muitas coisas em comum. Gostar da mesma bebida, calçar o mesmo tênis, ouvir a mesma música, comunicar-se com o mundo todo pela internet. Mas nem todos terão acesso. Não se resolveu a desigualdade, ao contrário, aprofundou-se. A maioria dos trabalhadores foi excluída do acesso a esses bens e mercadorias
Ocorreu um processo de horizontalização das empresas, ou seja, de pulverização das etapas da produção do espaço, é o resultado da nova forma de estruturação do capital. As novas tecnologias aplicadas à produção e às informações contribuíram para isso. Romper com os muros de cada empresa e de cada nação ensejou o movimento da globalização.
As fronteiras físicas e temporais da empresa desapareceram. No mundo real, a face é de angústia. A qualidade de vida ameaçada, o lazer e o tempo para si desapareceram. A flexibilização da produção e dos processos de trabalho produziu uma hipertrofia e fragmentação dos corpos e mentes, coerente com as novas formas de produção comandadas pelo mercado. Ao contrário do paradigma fordista de produção em série, voltada para o consumo de massa, demandando grandes estoques, o momento atual supõe formas mais flexíveis de organização da produção e gestão do trabalho.
A rígida divisão das tarefas, característica marcante do fordismo, cedeu lugar a formas horizontais e aparentemente menos rígidas, que, nem por isso, ampliam os espaços de liberdade para executar tarefas nos tempos devidos e com os meios necessários. As características dessa transição combinam o processo de inovação tecnológica à crescente integração aos mercados externos (Mattoso, 1995).
Iniciativas de reestruturação pautadas especialmente nas mudanças organizacionais (organização celular, sistema Just-in-Time, programas de Qualidade Total, trabalho polivalente, esquemas participativos, redução de hierarquias e de intermediação funcional, etc.) que não requisitem elevados investimentos.
Introdução acelerada de automação micro-eletrônica e informatização nos processos produtivos e de gestão. Crescentes transferências de atividades a fornecedores ou empresas subcontratadas (terceirização) e destas as outras (quarterização). Uso altamente flexível dos coletivos de trabalhadores por empresa, viabilizado pelas facilidades de admissão e demissão, adoção de férias coletiva ou licenças remuneradas em períodos de baixa demanda e excesso de estoques, banco de horas, recurso a horas-extras em épocas de aquecimento de vendas
Padrão de relações de trabalho conservador (nas empresas de pequeno e médio porte verifica-se uma forte inibição ou restrição do acesso, representação e ação do sindicato nos locais de trabalho, e ausência da participação dos trabalhadores nos processos de discussão das relações de trabalho). Ausência de contrato coletivo de trabalho.
Qualificação profissional polarizada pela contraditória existência de trabalhadores altamente qualificados e permanentemente requalificados do ponto de vista cultural e comunicacional, principalmente nas áreas técnicas, gerências e supervisões, e de outros trabalhadores com baixa qualificação, notadamente nos áreas operacionais e de suporte e logística, principalmente entre os terceirizados e/ou quarterizados.).
Rígido e permanente controle gerencial sobre o conteúdo (qualidade do produto), ritmo de produção e intensidade do trabalho, com conseqüente perda da autonomia e poder de iniciativa dos trabalhadores diretos na produção. Aumento do desgaste físico e mental, das doenças do trabalho e do assedio moral (cobranças, chantagens e ameaças de transferências, suspensões ou demissões) das chefias sobre os subordinados, principalmente nos setores automatizados ou sob forte racionalização produtiva.
As empresas passaram a substituir novas horas contratadas por melhores desempenhos por horas trabalhadas. Essa adequação da jornada de trabalho aos novos fluxos da produção visa não só intensificar o uso da força de trabalho, a otimizar a utilização dos equipamentos para aumentar a produtividade, como também a desregulamentar o uso do tempo em trabalho pago, a diversificar as formas de contratação de força de trabalho
A busca por ganhos de produtividade cada vez mais intensificada e acirra a disputa intercapitalista. A produtividade, lucratividade e competitividade são palavras que são os dogmas da nova religião do capital. Pretende-se homogeneizar as diferentes expectativas presentes no processo produtivo, dos trabalhadores do chão da fábrica aos gerentes e, principalmente, aos empresários, quanto aos demais grupos de interesses e setores sociais fora dos limites das empresas, portanto, homogeneizar e hegemonizar a sociedade, o Estado e a política.
Estamos, portanto, na efeméride do novo, a nova linguagem técnica da nova racionalização produtiva do velho capitalismo, agora mundializado, são muito mais que apenas novos códigos técnicos e organizacionais. Trata-se de uma persuasiva proposta ideológica e cultural, um vigoroso projeto de readequação do capitalismo a uma nova base material e a um novo contexto político, de tentativa de consolidar sua hegemonia em escala planetária.
A justificativa para a desregulamentação e flexibilização das normas trabalhistas se baseava numa suposta necessidade de adaptação do país à concorrência internacional, conseguida através da facilidade de contratação e demissão de trabalhadores (eliminando custos contratuais e demissionais – impulsionando aquilo que os sindicalistas chamavam de rotatividade da força de trabalho –, facilitando contrato por tempo determinado, a subcontratação etc.), da negociação por empresa, enfim, da tão propalada flexibilidade – ou livre movimento para o capital.
Na Condição Pós-Moderna, David Harvey (2003) afirma que a acumulação flexível marcada por um confronto direto com a rigidez do fordismo. Ela se apoia na flexibilidade dos processos de trabalho, novos mercados de trabalho, dos produtos e padrões. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional.
A acumulação flexível envolve rápidas mudanças dos padrões de desenvolvimento desigual, tanto entre setores como entre regiões geográficas, criando, por exemplo, um vasto movimento no emprego do chamado setor de serviços, bem como conjuntos industriais completamente novos em regiões até então subdesenvolvidas, tais como, a Terceira Itália, Flandes, vários vales e gargantas de silício, para não falar da vasta profusão de atividades dos países recém-industrializados.
Ela também envolve um novo movimento, que Harvey identificou como de ‘compressão do espaço-tempo’ no mundo capitalista - os horizontes temporais da tomada de decisões privada e pública se estreitaram, enquanto a comunicação via satélite e a queda dos custos de transporte possibilitaram cada vez mais a difusão imediata dessas decisões num espaço cada vez mais amplo e variegado.
Acumulação flexível, assim, é a nova maneira encontrada pelo capitalismo para superar suas crises cíclicas e suas contradições internas e, dessa forma, permitir a reprodução do capital e sua concentração nas mãos da elite capitalista. A acumulação é de capital, assim como ocorre desde as revoluções comercial e industrial, seguindo a racionalidade capitalista da acumulação e concentração.
Só que, ao contrário do que ocorreu no período fordista, no qual a acumulação era baseada em padrões rígidos, a acumulação, agora é flexível, pois flexível é o mercado e, por isso, flexível deve ser o processo de produção e a exploração da força de trabalho. Dessa forma, flexível deve ser a legislação, impondo-se a desregulamentação do ordenamento jurídico de perfil rígido.
Segundo Ramos (2009) a acumulação flexível se apresenta como forma de superação da crise capitalista evidenciada a partir de 1973, representada pela crise do petróleo e pela estagflação. A partir dela, o mercado gradativamente passou a não mais comportar a produção massiva do modelo fordista, gerando desequilíbrio entre produção e consumo, tornando-se instável.
Como é no mercado que o capitalista alcança o lucro, pela comercialização das suas mercadorias e de seus serviços, é ele que informa todo o eixo de organização produtiva, impondo, assim, a necessidade de alteração do modo de produção, pela sua flexibilização, sendo preciso também flexibilizar a exploração dos fatores de produção, dentre os quais a força de trabalho, o que explica a necessidade de desregulamentação da legislação.
Em função deste padrão de incorporação de novas técnicas organizacionais, há um aumento do desemprego e uma perda do ethos (identidade, referência) profissional de uma parcela significativa de trabalhadores atingidos pela desqualificação de suas antigas funções.
Assiste-se, também, uma quebra das identidades coletiva tecidas pelos sindicatos e uma redução do poder de negociação (e barganha) dos produtores diretos. Ocorre, por fim, paralelamente à diminuição do número de efetivos, uma intensificação do ritmo de trabalho dos que permanecem contratados (Ramos, 2009).
Essas metamorfoses trouxeram grandes desafios para a organização dos trabalhadores. Agora os óculos do passado recente não servem para enxergar o que está acontecendo nas relações de trabalho. Mas para enxergar e decifrar os enigmas do tempo presente, os princípios que nortearam as lutas dos trabalhadores devem ser as lentes que orientaram ontem e devem nos orientar hoje.
As concepções e práticas sindicais não são autônomas, apartadas ou independentes, dessa totalidade sócio-histórica. A organização e a política dos sindicatos não são alheias aos acontecimentos sociais, políticos e econômicos. Ele produz e é produzido nesse contexto de mudanças de paradigmas, de disputas de hegemonia, na perspectiva da sociedade de classes.
Assim, tem direta vinculação com os acontecimentos econômico-sociais, deles não se podendo divorciar, nem se desinteressar. Nesse contexto, a desregulamentação dos direitos dos trabalhadores é resultado desse processo de reorganização do capital na defesa e garantia de suas taxas de lucros.
Os sindicatos hoje enfrentam uma ofensiva desregulamentadora do capital contra o trabalho, materializadas e novas formas e conteúdos, como terceirização, flexibilização, a precarização, informalização, dentre outros. A justificativa para a desregulamentação e flexibilização das normas trabalhistas se baseava numa suposta necessidade de adaptação do país à concorrência internacional, conseguida através da facilidade de contratação e demissão de trabalhadores, eliminando custos contratuais e demissionais, impulsionando aquilo que os sindicalistas chamavam de rotatividade da força de trabalho, facilitando contrato por tempo determinado, a subcontratação, da negociação por empresa, enfim, da flexibilidade ou livre movimento para o capital.
Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso chegaram ao poder, no Brasil, num processo de internacionalização de uma nova hegemonia burguesa, no sentido gramsciano: a conversão de uma ideologia e de uma plataforma política de classe como arquitetura de um novo bloco histórico. A apologia do mercado e da empresa privada, como espaços da eficiência e da iniciativa inovadora e progressista, e a correspondente condenação do Estado e das empresas públicas, como o espaço do desperdício, do burocratismo e dos privilégios, são ideias que ganharam a condição de verdadeiro “senso comum”, difundindo-se e penetrando, de modo desigual e às vezes contraditório, porém largamente, no conjunto da sociedade brasileira, inclusive, portanto, nas classes populares.
Para Boito (2003), como a nova ideologia e política do capital, o neoberalismo carrega a velha ideologia econômica burguesa, as virtudes da empresa privada e do mercado, produzidas no capitalismo concorrencial do século XIX, figuras que nunca deixaram de questionar a legitimidade das reformas do capitalismo no século XX1. Numa palavra, trata-se de uma velha ideologia que desempenha uma função política nova e, em parte, paradoxal: a de exaltar o mercado em benefício dos monopólios e contra os direitos sociais.
Conforme Boito, as propostas políticas que dão corpo a tais ideias também ganharam importantes setores populares. O tripé da plataforma política neoliberal, composto pelo aprofundamento da abertura da economia nacional ao capital imperialista, pela privatização de empresas e de serviços públicos e pela desregulamentação das relações de trabalho obteve aceitação junto a grande parte da população.
Confirmando a tese da vingança histórica do capital contra o trabalho, no Brasil, mesmo sob um capitalismo tardio, as lutas dos trabalhadores conquistaram direitos fundamentais, que são um alvo importante da ofensiva neoliberal. O objetivo é abrir novas áreas de acumulação para o capital privado, na previdência, educação, saúde, transporte, etc., reduzir os investimentos em política social – “muito custosa e ineficiente” – e diminuir os impostos que incidem sobre as empresas – a palavra de ordem hoje é eliminar o denominado custo Brasil.
Uma hegemonia ideológica, econômica e política que consolidou um bloco de poder: Talvez desde o período populista não verificássemos, no Brasil, uma ideologia política converter-se, com tanta eficácia, em instrumento de unificação do bloco no poder e, ao mesmo tempo, em instrumento de legitimação dos interesses particulares das classes e frações que integram esse bloco no poder junto às classes populares.
A diferença que deve ser apontada é que o populismo do período de 1930-1964 era uma ideologia política (superficialmente) reformista, enquanto o neoliberalismo é uma ideologia política (profundamente) reacionária. Na verdade, em grande medida, a política neoliberal representa uma reação contra a herança da política de desenvolvimento iniciada pelo Estado populista: reação contra o Estado protecionista, empresário e regulamentador (Boito, 1997).
Segundo Antunes (1997) no Brasil estas transformações ocorreram mais tardiamente, em relação aos países centrais do e desenvolvimento capitalista no Brasil passou, nesta década, de um estilo de industrialização protegida para o de uma economia aberta e competitiva.
A inserção da economia brasileira no processo de globalização gerou significativas alterações sobre os fluxos de comércio e capitais, sobre a base tecnológica, gerencial e organizacional das empresas e, consequentemente, sobre as relações de trabalho, pois, a produção passou a visar o melhor aproveitamento possível do tempo de produção.
Antunes (1997) e Mattoso (1995) concordam que todas estas mudanças no mundo do trabalho caracterizaram-se basicamente pela diminuição dos ciclos de produção, mudança na divisão do trabalho dentro das empresas, consolidação das tecnologias da computação e da informática, polivalência e treinamento dos trabalhadores como requisitos essenciais aos novos processos produtivos.
Todas estas questões tiveram um grande impacto sobre o mundo do trabalho, pois o aumento de produtividade tão desejado pelas empresas aliado à diminuição do tempo de trabalho por unidade produzida, trouxe como consequência a diminuição dos postos de trabalho e, muitos trabalhadores, alijados do mercado de trabalho formal, são levados a aceitar empregos de baixa qualidade, ou a buscar sua subsistência como autônomos ou assalariados sem carteira.
Como resultado dessa modernização e da busca de mais produtividade ao menor custo, as empresas passaram a fazer, ao mesmo tempo, cortes de pessoal e elevação da jornada de trabalho, agravando assim as condições do mercado de trabalho no Brasil. Alem do crescimento do desemprego, está ocorrendo uma ampliação da economia informal, mostrando que as melhorias técnicas diminuem os empregos em vez de cria-los. Nos anos da década de 1990, enquanto a produtividade ampliou-se consideravelmente, o emprego industrial caiu mais intensamente (Mattoso, 1996)
Dificilmente pode-se encontrar um único setor industrial em que o número de empregados não tenha tendência a contrair-se. Antunes (1997) insiste que nos dias atuais é impossível ignorar o extraordinário efeito destas metamorfoses sobre o mundo do trabalho. A contínua redução e o crescimento menor dos serviços têm ampliado o desemprego e a insegurança no trabalho, pois, com a redução dos postos de trabalho, a qualidade desses empregos afasta-se dos padrões desejáveis, aumentando assim o trabalho precário, com a conseqüente ampliação das desigualdades sociais, da pobreza.
Nesse contexto, as empresas viveram o processo de reestruturação produtiva, que discutimos acima, baseado na adoção de medidas que visavam o aumento da qualidade e da produtividade, articulada com redução de trabalhadores, resultando numa intensificação do trabalho, a terceirização, além de diminuir o número de empregados na mesma empresa, reduziu salários e precarizou as condições e relações de trabalho, além de alterar substancialmente a conformação da base sindical, ao tempo que fragmenta a categoria de trabalhadores, que diminui o número de sindicalizados em uma organização forte e estruturada, muitas vezes empurra os trabalhadores terceirizados para os chamados sindicatos fantasmas, que têm pouca ou nenhuma representatividade junto à base.
Este é um elemento que contribui para a quebra da “espinha dorsal do sindicato”. Esse processo, atrelado às medidas jurídico-institucionais que regulavam o uso da força de trabalho, resultou em uma crescente superexploração dos trabalhadores e uma retração profunda no movimento sindical, que possuía várias diferenças político-ideológicas.
Essa ofensiva fragiliza a consciência, a identidade, a organização e a luta coletiva dos trabalhadores. O desemprego estrutural decorrente desse atual paradigma produtivo e societal decorre dos impactos tecnológicos no processo de produção de bens e serviços, de forma que a taxa de desemprego será diretamente proporcional ao investimento em automação.
Na década de 1990, e ainda hoje, os trabalhadores e os sindicatos se confrontam com essa ofensiva com um misto de perplexidade e formas defensivas de resistências.
O impacto sobre a ação sindical desta realidade de redução do emprego formal é o declínio geral das taxas de sindicalização e do número de greves. Apenas para comparar no período de maior incidência de greves no país, em 1989, foram registradas 3.943 paralisações (Costa, 2006) Já no ano de 2004, foram 302 greves, sendo que destas apenas 114 em empresas privadas, o que equivale a 38%.
Evidentemente que a maioria das paralisações constituem resistência do setor público diante do seu sucateamento, desmantelamento e sua privatização a partir da redefinição do papel do Estado pela política de base neoliberal. (DIEESE, 2005).
Entre as possíveis causas para esta alteração da situação do movimento sindical podemos destacar as condições favoráveis de alta inflação e baixo desemprego foram substituídas por baixa inflação com alto desemprego e informalização, introduzindo um componente de insegurança no trabalho, no emprego e na renda que reduz severamente a propensão dos trabalhadores à ação coletiva. (CARDOSO, 2003, p. 43).
Neste contexto dá-se a diminuição de pessoas associadas ao sindicato sobre o total de pessoas ocupadas uma vez que a taxa de sindicalização dos trabalhadores urbanos em 1992 estava em 17,7% e em 2003 ficou em 16,7%. Assim o incremento do capital morto e diminuição do capital vivo no processo produtivo fragiliza a ação coletiva dos trabalhadores diante da ameaça do desemprego.
Essas transformações no mundo trabalho repercutem na subjetividade da classe trabalhadora, uma vez que ela é constituída a partir das vivências, experiências, costumes e normas adquiridas no processo produtivo. Segundo Dejours (1988), o trabalho domina não somente as horas de trabalho, mas também o tempo fora. Ele é condicionado pelo comportamento produtivo e perpassa os portões da fábrica e adentra a porta da casa, incidindo no tempo livre na forma de ser da classe operária e na sua organização.
A reestruturação produtiva introduz políticas de gestão baseadas na perspectiva da cooperação, através da participação do trabalhador individualmente no processo de trabalho ou lucro, via círculos de controle de qualidade (CCQs) ou outras modalidades de envolvimento, buscando a adesão dos trabalhadores.
Este novo paradigma de gestão solicita do trabalhador uma mudança de atitude diante do processo produtivo, exige uma nova cultura e visão de mundo na busca do envolvimento dos trabalhadores com os novos processos produtivos e com a empresa no contexto de crise do chamado mundo do trabalho e de implementação de tecnologias.
Num contexto de vingança do capital contra o trabalho, Antunes (1997) adverte que é comum, hoje, um clima de adversidade e hostilidade contra o sindicalismo. O sindicato antes empenhado na melhora das condições de trabalho, com o aumento do desemprego, passa a atua preferencialmente visando a manutenção e a ampliação dos empregos, enfraquecendo o seu poder de ação, e sofrendo um crescente processo de esvaziamento e queda de sindicalização dos trabalhadores, o que, aliás, é bastante encorajado pelas empresas.
Tudo isto dificulta ainda mais as possibilidades do desenvolvimento e consolidação de uma consciência de classe dos trabalhadores, fundada em um pertencimento de classe... Uma crescente individualização das relações de trabalho, deslocando o eixo das relações entre capital e trabalho da esfera nacional para os ramos de atividade econômica e destes para o universo micro, para o local de trabalho, para a empresa e, dentro desta, para uma relação cada vez mais individualizada (ANTUNES, 1997. P.64-65.).
Para Braverman a noção de que as condições mutáveis do trabalho industrial e de escritório exigem uma população trabalhadora cada vez ‘mais instruída’, ‘mais educada’, e assim ‘superior’, é uma afirmação quase universalmente aceita na fala popular e acadêmica. (BRAVERMAN, 1987, p.359).
Este autor considera vagos e imprecisos os termos instrução, qualificação e treinamento, embora atualmente sejam utilizados como se houvesse consenso na compreensão do que significam. O termo qualificação sugere referir-se ao domínio de uma técnica apreendida após anos de treinamento.
Braverman cita o exemplo do cocheiro que além de ter habilidade com os animais precisava entender de carroça, do manejo de ambos, etc. Entretanto, ainda que o tempo necessário para tornar-se um bom cocheiro seja muito maior do que o necessário para tornar-se motorista, este ultimo é considerado mais qualificado.
O tempo necessário para aprender a operar uma máquina sofisticada pode ser umas poucas semanas e o operário será considerado mais qualificado que o motorista, isto porque a valorização da qualificação está sempre atrelada às necessidades momentâneas do mercado e não à apropriação de algum ofício, e, mais ainda, não traz qualquer garantia de emprego para o trabalhador que consegue acompanhar tais evoluções.
Esta definição cambiante do que é estar qualificado faz com que o trabalhador fique sem referência sobre o que é preciso fazer para garantir seu lugar.
O que deixa aos trabalhadores é um conceito reinterpretado e dolorasamente inadequado de qualificação: uma habilidade específica, uma operação limitada e repetitiva, ‘a velocidade como qualificação’,... hoje o trabalhador é considerado como possuindo uma ‘qualificação’ se ele ou ela desempenham funções que exigem uns poucos dias e semanas de preparo. (BRAVERMAN, 1987, p.375).
Outros ainda lamentam terem sido excluídos da escola em função do trabalho, e agora estão excluídos do mercado de trabalho por não terem estudado: “por causa da fábrica eu não tinha horário para estudar, daí fui mandado embora porque não tinha o primeiro grau.” As descrições vêm, em geral, acompanhadas de sentimento de culpa e arrependimento, assim o desemprego é vivido de forma dramática pelo trabalhador. “Eu me arrependo de não ter estudado”. Sinto-me culpado e arrependido de ter parado de estuda.
Essa crítica que eles mesmos se fazem têm uma base de percepção equivocada dos fenômenos que cercam o desemprego. A relação com as inovações tecnológicas é ainda mais absurda quando, ao procurarem empregos, culpam-se por não estarem preparados para as mudanças tecnológicas, sem perceberem que essas mudanças tecnológicas estão entre as causas do desemprego. “Hoje em dia um torneiro mecânico está precisando ter o segundo grau para poder operar os tornos novos. Quando aprende, vem um computador, um programa, e substitui o que ele aprendeu, e continua defasado”(Braverman, 1987)
Isso fica claro em frases do tipo: “a gente se sente pior, porque é no meio de várias pessoas você é dispensado, você se sente diferente, se sente menor do que aquelas pessoas e mesmo em casa você vê os vizinhos, todo mundo trabalhando, comprando e tal e você dentro de casa desempregado.”.
Essa autodestruição na situação de desemprego pode ser considerada como autoconhecimento com lacunas, pois o trabalhador sabe descrever o fenômeno, mas não consegue entender as mediações que constituem a essência do problema que ele enfrenta. Retira o problema do contexto econômico produtivo e das relações sociais e o transfere para o campo individual, para a esfera pessoal.
Frequentemente ele auto atribui sentimento termos como vergonha. Forrester (1997) o percebe como um drama das identidades precárias ou anuladas, um dos mais degradantes sentimentos humanos, porque cada um então se crê (é encorajado a crer-se) dono falido de seu próprio destino, quando não passou de um número colocado pelo acaso numa estatística.
O desemprego em si é nefasto, mas o sofrimento que o gera é pior. Para explicar um sentimento de constrangimento que resulta da idéia ou do receio de desonra; exclusão para designar o sentimento de estar excluído da sociedade, do consumo, da cidadania; e desamparo com estado de prostração e indignação passiva diante da realidade que o desestrutura.
São categorias psicológicas, comportamentais, desenraizadas da história e da materialidade sócio-política, sem conseguir conectar o que sente como produto da lógica destrutiva da atual fase do capitalismo e dos novos paradigmas produtivos e ideológicos criados pelo capital.
Tudo isso – que não tem nada de inocente – os leva a essa vergonha, a esse sentimento de ser indigno, que conduz a todas as submissões. A abjeção desencoraja qualquer outra reação de sua parte que não seja uma resignação mortificada. Pois não há nada que enfraqueça nem que paralise mais que a vergonha. Ela altera na raiz, deixa sem meios, permite toda espécie de influência, transforma em vítima aqueles que sofrem, daí o interesse do poder em recorrer a ela e a impô-la; ela permite fazer a lei sem encontrar oposição, e transgredi-la sem temor de qualquer protesto (FORRESTER 1997, p.12).

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