domingo, 30 de novembro de 2008

MARX, A REVOLUÇÃO RUSSA E A CRISE DO NEOLIBERALISMO


Marx, a revolução Russa e a
crise mundial do neoliberalismo

Quem vai pagar a conta?

por Helder Molina
é historiador/UFF, mestre em Educação/UFF, doutorando em Políticas Públicas e Formação Humana/UERJ, professor da faculdade de Educação da UERJ, assessor de formação do SINDPD-RJ e da CUT-RJ.

Este breve artigo rememora os 91 anos da Revolução Russa, completados em outubro, e discute, a partir dos referenciais marxistas, a atual crise financeira do capitalismo, que está desmoronando os mitos e fundamentos do neoliberalismo. Em setembro de 2008, precisamente duas segundas feiras ("segunda-feiras malditas", segundo Wall Street),15 e 29, a bolha neoliberal dos Estados Unidos explodiu, e ameaçou de arrastar consigo toda economia capitalista mundial. Desde então os magos neoliberais tentam salvar o capitalismo da ação predatória, especulativa e destrutiva dos próprios Este é um tema fundamental para nós, socialistas, na luta para superar o capitalismo, e não salva-lo.
Vejamos o que o velho Marx analisou sobre o processo de desenvolvimento do capital e do capitalismo. No Livro 3 de O Capital, Marx diz: "O verdadeiro limite da produção capitalista é o próprio capital. É o fato de que, nela, são o capital e sua própria valorização, o que constituem o ponto de partida e a meta, o motivo e o fim da produção. A produção só é produção para o capital, ao invés dos meios de produção serem apenas meios de acelerar continuamente o desenvolvimento do processo vital para a sociedade dos produtores. Os limites dentro dos quais tem que se mover a conservação e a valorização do valor-capital, que se baseia na expropriação e empobrecimento da grande massa dos produtores, se chocam constantemente com os métodos de produção que o capital tem que empregar para conseguir seu objetivo e que visam ao aumento ilimitado da produção, à produção como fim em si mesma, ao desenvolvimento incondicional das forças produtivas sociais do trabalho.

Continua Marx: "O meio empregado - desenvolvimento incondicional das forças produtivas sociais - se choca constantemente com o objetivo perseguido, que é um fim limitado: a valorização do capital existente. Portanto, se o modo de produção capitalista é um meio histórico para desenvolver a força produtiva social e criar o mercado mundial correspondente, envolve ao mesmo tempo uma contradição constante entre esta missão histórica e as relações sociais de produção próprias deste regime"
O neoliberalismo, etapa atual do velho capitalismo, se baseia em alguns dogmas, desdobrados em ações políticas. O primeiro deles é a desregulamentação, a suspensão dos controles estatais sobre a ação do capital. O processo de liberalização das finanças, do comércio e do investimento dos últimos trinta anos destruiu as relações políticas surgidas a partir da crise de 1929, da Segunda Guerra Mundial. Eram regras que, exprimindo a dominação do capital, eram também "formas de controle parcial do mesmo capital". Sua eliminação deixou, por algum tempo, a impressão de que os limites para a livre atuação do capital haviam sido superados.
O segundo meio usado "foi o recurso, em escala sem precedentes, à criação de capital fictício e de meios de crédito para ampliar uma demanda insuficiente no centro do sistema". Finalmente, a terceira forma, "a mais importante historicamente para o capital, foi a reincorporação, enquanto elementos do sistema capitalista mundial, da União Soviética e dos países do Leste Europeu, e da China (Chessnais, 2008)Nos últimos 30 anos vivemos sob a esfera do capitalismo desregulamentado. Foi nesse ambiente sem regras em que foi criado o mercado mundial, confirmando a tese que Marx havia escrito. Um mercado mundial sem restrições para as operações do capital, que pode, com base nele, "produzir e realizar a mais valia" num "processo de centralização de lucros em escala verdadeiramente internacional". O capital pode ter uma mobilidade nunca vista e "organizar em escala universal o ciclo de valorização", com a vantagem adicional de provocar a "concorrência entre os trabalhadores de todos os países" , transformando o exército industrial de reserva (uma multidão de sobrantes, excluídos, degradados socialmente) e uma escala mundial, principalmente nas periferias do sistema.

Nas fronteiras de uma produção para a produção, segundo Marx. Com uma contradição grave para o capítal: nas condições de desemprego e empobrecimento dos trabalhadores, o acesso limitado das massas a esta produção dificulta a valorização do capital, para o capital em seu conjunto, e para capital em particular. É nestas condições que se acentuam e se tornam mais determinantes, no mercado mundial, as leis cegas da concorrência, tão fortes em nosso tempo. Ainda Marx: A produção capitalista aspira constantemente a superar os limites imanentes a ela, mas só pode superá-los recorrendo a meios que voltam a levantar ante ela estes mesmos limites, só que com maior força
Nos próximos anos, conforme Chesnais (2008), assistiremos a um desenvolvimento cuja base é o mercado mundial intuído por Marx. Com a particularidade de que, ao contrário do passado (quando eram semicoloniais), China e Índia - e o Brasil, devemos acrescentar - são agora participantes de pleno direito de uma economia mundial única, uma economia mundial unificada em um grau desconhecido até esta etapa da história.
O outro meio para superar os limites para o capital nas economias centrais foi o recurso à criação de formas totalmente artificiais de ampliação da demanda efetiva, e que, somando-se a outras formas de criação de capital fictício, geraram as condições para a atual crise financeira . Capital fictício é, citando Marx, a acumulação de títulos que são sombra de investimentos já feitos e que aparecem com uma dupla feição: para seus possuidores, eles são capital real que pode, numa situação normal, render juros e dividendos; para o sistema como um todo, não são. Nas crises, seu caráter fictício se revela: é capital que não existia.
Por isso é que se pode ler, às vezes, nos jornais, que tal ou qual quantidade de capital desapareceu em quedas nas bolsas: são somas que nunca haviam existido como capital propriamente dito... (Ruy, 2008). Um agravante desta situação, hoje, o fato de que, em muitos países, os sistemas de aposentadoria estão baseados em capital fictício, com a pretensão de participar nos resultados de uma produção capitalista que pode desaparecer nos momentos de crise. Segundo Ruy (2008) quando os governos conservadores e neoliberais se prestam a rejuvenescer o sistema financeira por meio de um intervencionismo estatal, reforça-se o caráter de classe do Estado."O governo do estado moderno não é mais do que uma junta que administra os negócios comuns de toda a classe burguesa". (Marx)

Em momentos de necessidade emerge sua essência. Injetar bilhões e bilhões de dólares ou euros para evitar uma catástrofe financeira supõe orientar politicamente as decisões. Da mesma forma, leva-se a salvar os grandes empresários e as multinacionais. O horizonte é recuperar o sistema. Não se busca uma crítica sobre as causas que motivaram se chegar a tal ponto. Não se perguntam sobre as origens de uma ordem social fundada na exploração dos recursos naturais, na degradação do meio ambiente e em uma continuada e constante perda de direitos sociais, políticos e econômicas da maioria da população. Ou seja, não se trata de dar um giro de 180 graus.
A resposta à crise consiste em velar sua causa, a irracionalidade da exploração do homem pelo homem e do homem sobre a natureza. Em ocultar o benefício das empresas multinacionais, donas das tecnologias e patentes, primeiro, de deixar com fome continentes inteiros e, depois, de levar à morte milhares de crianças para aumentas rendimentos em condições de monopólio. Empresas patrocinadoras de guerras espúrias, de venda de armas, de trabalho infantil e de imigração ilegal. Fatores que colaboram para tornar mais baratos os custos de produção e aumentar seu controle sobre governantes corruptos e dóceis.
A relação capital-trabalho se assenta sobre a expropriação do excedente econômico produzido pelo trabalhador em condições de apropriação privada. Assim, quem paga essa conta são os de sempre. As classes exploradas e oprimidas do campo e da cidade. Salvar a ordem econômica, sem modificar sua estrutura e sua organização, leva a um aumento da desigualdade social. O método do capital para superar seus limites, isto é, a liberalização e a livre circulação mundial do capital - se transformou em fonte de novas tensões, conflitos e contradições, indicando que uma nova etapa histórica se abrirá através desta crise
Ora, " a burguesia despojou da sua auréola todas as atividades que até ai passavam por veneráveis e dignas de piedoso respeito. Converteu o médico, o jurista, o padre, o poeta, o sábio em assalariados ao seu serviço.A burguesia rasgou o véu de emocionante sentimentalismo que cobria as relações familiares e reduziu-as a simples relações de dinheiro." (Marx., Manifesto Comunista). Mais que isso, " a história de todas as sociedades que existiram até aos nossos dias é a história da luta de classes.Homens livres e escravos, patrícios e plebeus, senhores e servos, mestres e oficiais, numa palavra: opressores e oprimidos, em oposição constante, travaram uma guerra ininterrupta, ora aberta, ora dissimulada" ( Marx, idem.)

Sobre os laços de solidariedade, fraternidade e ética, Marx afirma que o capitalismo, "esmagou-os sem piedade para não deixar subsistir outro vínculo entre os homens que o frio interesse, as duras exigências do "a contado"... Afagou o sagrado êxtase do fervor religioso, o entusiasmo cavalheiresco e o sentimentalismo pequeno-burguês nas águas geladas do calculo egoísta...Fez da dignidade pessoal um simples valor de troca; substituiu as liberdades tão afetuosamente conquistadas por uma liberdade única e impiedosa: a liberdade do comércio". (Marx, ibidem).
Nenhum grande capitalista irá pela cadeia. Nem serão submetidos à condenação pública, nem manifestarão vergonha ou constrangimento com o que fizeram. Esses poucos inescrupulosos causaram esse desastre. Nem não houver mobilização, denúncia e luta social dos trabalhadores, buscarão reformar o sistema, e manter a exploração, e o capitalismo retomará se rumo, só que com o agravante, conforme Mészáros, a sua lógica destrutiva condenará o próprio planeta, e a existência humana nele, à completa destruição. Ao contrário da civilização, o capitalismo na sua etapa atual é portador da barbárie. Hoje mais do que nunca Marx tinha razão
Ação política dos trabalhadores, estudantes, dirigentes e militantes dos sindicatos, entidades dos movimentos populares, movimentos de lutas pelos direitos, devem se pautar não na "reinvenção" do capitalismo, como sugerem os meios de comuncação e seus articulistas, e os analistas da atual crise. Ao rememorar a revolução russa, utilizamos da teoria e da política marxista, na luta do movimento operário contra o capitalismo, na batalha pela construção de um novo modo de produção da vida, da sociedade, da economia, enfim, da existência humana, que está na ordem do dia, como tarefa para todos os que são contra a barbárie incivilizatória e degradante, que é o capitalismo.
Este artigo tem referência em Marx (O Capital, livro 3) e Marx/Engels (Manifesto Comunista), José Carlos Ruy (O debate da crise) e Chessnais (Artigo publicado na revista marxista argentina Herramienta)

Helder Molina é historiador/UFF, mestre em Educação/UFF, doutorando em Políticas Públicas e Formação Humana/UERJ, professor da faculdade de Educação da UERJ, assessor de formação do SINDPD-RJ e da CUT-RJ.
Helder Molina

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