quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Sindicalismo no Brasil: Origens históricas, concepções, estrutura e desafios atuais

Sindicalismo no Brasil:
Origens históricas, concepções, estrutura e desafios atuais

Helder Molina


Que os sindicatos são instituições consolidadas na vida dos trabalhadores, isso já está claro. No entanto, poucas pessoas sabem da fundamental importância que eles possuem e como foram constituídos até que se tornassem a expressão máxima dos trabalhadores.

É importante resgatar o surgimento das organizações sindicais, desde a República velha, passando pelo sindicalismo no período Vargas, o surgimento do Novo Sindicalismo e também os desafios e problemas enfrentados pelo sindicalismo contemporâneo. É através do estudo da História que se obtém a compreensão do presente e a construção de um projeto de futuro.

A transição da escravidão ao trabalho assalariado

A classe trabalhadora é produto histórico das contradições geradas pelo capitalismo, da expropriação da força de trabalho do trabalhador, da exploração de classe, da violência física e moral imprimida pelos patrões para produzir lucros e acumular riquezas.

No Brasil a classe operária, depois as outras classes trabalhadoras, surgiu com o final da escravidão, no período pós 1880, e depois com a abolição e o surgimento do trabalho assalariado, em fábricas, em larga escala, no século XX.

No início do século, o país sofreu forte influência das lideranças anarco-sindicalistas socialistas e comunistas. A influência das experiências européias entre os trabalhadores vieram com a chegada de muitos estrangeiros, que eram trabalhadores qualificados e artesãos.

Houve um predomínio dos anarquistas no início do século XX, que foi decisivo para o nascimentos do movimento operário organizado no Brasil (aqui conhecidos por anarco-sindicalistas). Estes eram militantes operários que procuravam( e procuram), a partir das lutas sindicais, derrubar o regime capitalista, o Estado e toda forma de opressão.

O pensamento anarquista se origina na Itália, Espanha e França. Eles só reconhecem a autoridade de uma assembléia. Eles não se submetiam a qualquer poder delegado ou toda representação que retire do trabalhador a autonomia de decidir e se auto-organizar.

Contrários à herança dos partidos comunistas, eles recusam e combatem toda forma de organização centralizada. Nos sindicatos,priorizam o trabalho no campo da educação e das atividades culturais , com isso buscam despertar os trabalhadores não somente para a luta por seus interesses específicos, mas para a transformação radical da sociedade. Combatiam, portanto, a luta meramente economicista e corporativa, que visavam apenas à defesa coletiva de seus interesses, contra a exploração do trabalho.

As concepções políticas e ideológicas


No início do século XX, com a chegada dos imigrantes, as primeiras lutas operárias, o enfrentamento contra o novo patronato capitalista, que saiu da casa grande para a fábrica, mas continuou tratando o trabalhador como escravo, levou à criação dos sindicatos e da COB.

Em 1908 é criada a Confederação Operária Brasileira (COB) que reunia cerca de 60 núcleos operários, círculos e sindicatos, associações de classe das principais cidades brasileiros; Rio, São Paulo, Salvador, Recife, as com maior números de operários fabris.

Assumem uma concepção anticapitalista, e de combate contra as arbitrariedades policiais, organizam fundos e mobilizações de solidariedade às lutas em outros países, a operários em greve, a operários estrangeiros expulsos.

Essas lutas se materializam em atos públicos, passeatas e manifestações. Os anarco-sindicalistas são laicos, e antireligiosos, e combatem a influência do clero nos assuntos políticos e do Estado, principalmente as associações clericais e suas práticas assistencialistas e beneficentes.

Outra concepção importante eram os comunistas, principalmente após a Revolução Russa de 1917, que influenciou o movimento operário mundial, juntando as idéias de Marx (pensador e militante comunista alemão) às idéias operárias contra o capitalismo.

A fundação do PCB em 1922 foi o ponto alto da herança comunista e de sua presença no movimento sindical nas primeiras décadas do capitalismo brasileiro Os socialistas também foram importantes, pois entendiam que a organização de sindicatos e de greves deviam ser associadas às lutas pela participação eleitoral e parlamentar, para transformar o Estado numa perspectiva de atender aos interesses históricos e imediatos das massas trabalhadores.

Os trabalhistas, corrente do início do século, também de grande importância, lutavam na defesa dos interesses dos operários com objetivos de melhorar as condições de vida dos trabalhadores e de conquistar e garantir os direitos deles.

Os primeiros 30 anos foram de intensas lutas e enfrentamentos. A República no Brasil foi construída desrespeitando e agredindo violentamente o povo trabalhador. As elites escravocratas que tiveram que fechar as senzalas transferiram a exploração para o chão da fábrica, dando continuidade a mentalidade escravista, não garantindo direitos e considerando os trabalhadores como simples objetos de produção e instrumentos de lucros.

Repressão ao sindicalismo revolucionário e independente,
tutela e atrelamento do sindicato ao estado

A Era Vargas e a ditadura militar

O período que vai de 1930 a 1945 é conhecido na história brasileira como Era Vargas ou Estado Novo. Nesse período o Estado é o principal instrumento da industrialização e da urbanização do Brasil, um projeto de nação capitalista, de conciliação entre o capital e o trabalho, tendo o Estado como árbitro. Portanto, uma nova etapa na história do movimento sindical, das lutas sociais e, especialmente no que se refere aos sindicatos, com uma crescente integração dos sindicatos ao controle do Estado.

Isso se dá mais claramente a partir da criação do Ministério do Trabalho, por Vargas, em novembro de 1930. Em março de 1931 é publicada a lei da Sindicalização, esta legislação tinha como objetivo submeter à atividade sindical ao controle do Estado. A lei proibia, entre outras questões, toda propaganda ideológica no sindicato.

O Estado e a política trabalhista desenvolvida por ele estimulam o corporativismo, isto é, que os sindicatos sejam organizados por categoria profissional e não por ramo de atividade econômica. Em 1932 são promulgadas várias leis sociais e trabalhistas, definindo critérios da aposentadoria, da jornada de trabalho de 8 horas, proteção do trabalho das mulheres.

Enfim, conquistas alcançadas após longos anos de luta dos trabalhadores, sob a direção dos comunistas, anarcosindicalistas e socialistas anarquistas, implementadas pelo governo Vargas, com o intuito de criar uma base social operária para o Estado.

Em 1935 ocorre a formação da Aliança Nacional Libertadora e ocorre o levante comunista de 1935, com uma repressão brutal da polícia e de outros órgãos de repressão sobre o movimento operário. O Estado Novo empreendeu uma violenta repressão aos comunistas e a eliminação do quadros operários.

No período 1930-45 se dá uma profunda mudança na composição da classe operária, devido a seu crescimento de 500%. A ampla maioria dos trabalhadores são de origem rural, fruto da migração do campo para a cidade.
Nesse período se consolidam várias garantias sociais (CLT: salário mínimo, aposentadoria, estabilidade para operários com mais de 10 anos de serviço) ao proletariado industrial são um avanço inegável: apoio de muitos trabalhadores e Vargas. Na CLT se inserem várias vantagens trabalhistas conquistadas pelos sindicatos e que se estendem a toda categoria profissional, independentemente do trabalhador ser ou não sindicalizado.

Ela também garante a tutela do Estado nas negociações entre empregados e empregadores. Sua estrutura se mantém no corporativismo, que impedia que os sindicatos de diferentes categorias de uma mesma localidade se articulassem entre si, garantindo assim, que não houvesse uma grande formação de trabalhadores organizados numa central sindical. Estrutura vertical e subordinada ao Estado.

O Estado dirigia o funcionamento da organização sindical nos 3 planos: desde o sindicato, federação e confederação. A Constituição de 1937 e a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), de 1943, confirmam a Lei de Sindicalização de 1931.

O elemento fundamental da nova estrutura consiste no imposto sindical, onde cada operário é obrigado a pagar o correspondente a um dia de trabalho ao ano, sendo sindicalizado ou não. Esse imposto é recolhido pelo Ministério do Trabalho e uma porcentagem dele é distribuída aos sindicatos através da subvenção social ou seja, a transferência de recursos financeiros públicos para organizações de caráter assistencial e sem fins lucrativos.

Com isso, os sindicatos converteram-se em instituições de assistência social, fornecedores de serviços sociais (serviços médicos, colônias de férias etc.).
A intenção era manter uma burocracia sindical política e economicamente vinculada ao Ministério do Trabalho, já que o Imposto sindical trazia para o Estado e para as corporações boa quantia de recursos financeiros. No entanto, a utilização desse dinheiro era vetada para fundos de greve e para propaganda política. Cria-se, assim, uma relação de dependência entre o movimento operário e o Estado.

A estrutura sindical construída no Estado Novo se manteve no pós Segunda Guerra Mundial. Entre 1945 e 1964, período conhecido como nacional desenvolvimentista, em que o Estado se associa ao grande capital internacional, para ampliar as bases da industrialização e da expansão ao interior. Um projeto nacional de infra-estrutura para a consolidação do modo de produção capitalista baseado na indústria. Cresce, com isso, a importância da classe operária, principalmente nos grandes centros, tendo o ABC em São Paulo como seu núcleo mais dinâmico.

Os sindicatos continuam subordinados ao poder do Estado e controle se dá principalmente pelo imposto sindical, extraído compulsoriamente dos trabalhadores e transformado em recursos financeiros nas mãos dos patrões e dos sindicalistas pelegos (termos que se refere àqueles que utilizam a estrutura sindical para “amortecer” a luta de classes, e transforma os aparelhos em ”anteparo” dos conflitos, feito um acolchoado no lombo dos cavalos, para amaciar o atrito e facilitar a montaria do cavaleiro).

É corrente entre os estudiosos da história política e social brasileira identificar esse período como o a “redemocratização”, pois estamos saindo de um período de ditadura, marcado pela repressão policial, coopatação ou atrelamento do movimento sindical, cassação dos direitos políticos e prisão das lideranças que se alinhavam contra Vargas e o Estado Novo. Essa ditadura teve seu auge nos anos 1937- 1945. Mesmo com a chamada redemocratização, os instrumentos de controle e repressão permaneceram.

O movimento sindical, pelo menos nos seus setores majoritários, permaneceu atrelado ao imposto sindical e ideologicamente não se buscou o rompimento dos laços orgânicos que subordinavam os sindicatos ao Estado.

Em 1945 os comunistas tentam impulsionar uma ruptura do sindicalismo com o Estado. Essa busca de alternativa se materializa na criação do Movimento Unificador dos Trabalhadores (MUP). Eles reivindicam uma reforma sindical, nos aspectos mais importantes da estrutura oficial, como o direito de organizar sindicatos independentes da chancela do Ministério do Trabalho, e uma maior autonomia política para suas ações.

Apesar dessa busca de autonomia, os comunistas continuam participando da Frente Democrática Antifascista, no período inicial da “Guerra Fria”, em aliança com os setores ligados ao Varguismo. “Guerra Fria”; é a denominação que se dá ao processo de trégua capitaneado pelos EUA e URSS com o fim da segunda guerra mundial, em que se divide o mundo em dois grandes blocos geopolíticos “ o bloco comunista, ou do leste europeu, sob liderança da URSS, e o bloco capitalista, na Europa ocidental e Américas, com hegemonia dos EUA.

Em 1947 o Partido Comunista Brasileiro é colocado na ilegalidade e a repressão aos comunistas volta com toda força. Mesmo assim, ao arrepio da legislação trabalhista e sindical, o movimento sindical busca se organizar de forma autônoma, surgindo várias organizações sindicais independentes, sob forma de plenárias, movimentos horizontais, articulações interestaduais. Criada na década de 1950, a Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT) foi a mais importante, consolidada no início dos anos 1960, já no governo de João Goulart (1961-1964).

No contexto nacional desenvolvimentista, nos anos 1950 até início da década de 1960, o movimento sindical se fortalece. Os sindicatos se transformam em interlocutores importantes dos trabalhadores diante dos patrões e do Estado.
Essa influência institucional crescente torna o sindicalismo participante da vida política nacional.

No entanto, os sindicatos ainda não haviam conseguido se organizar e tão pouco superar a dependência do Estado. A crescente industrialização e a conseqüente urbanização, como produto desta, levam a um processo de declínio do campesinato e do trabalho no setor agrário da economia. A classe operária e o trabalho nas fábricas assumem um protagonismo que tem como desdobramentos a maior influência dos sindicatos operários e urbanos como força política de vanguarda nas lutas e movimentos políticos, principalmente no início dos anos 1960. Os fenômenos da industrialização e urbanização e expansão para os estados do interior (Centro Oeste, Norte) fortalecem outros grupos e camadas sociais, como as classes médias, os empresários industriais, burocracia estatal, os militares e os segmentos da intelectualidade brasileira.

Consolida-se uma sociedade civil diferenciada, urbana e incorporada ao espírito da indústria, do comércio e do consumo. A classe dominante, e as classes médias, como acontecem historicamente, se torna protagonista dos valores conservadores e individualistas, agora alimentada pela possibilidade de maior consumo No governo de João Goulart há um acirramento dos conflitos de interesses entre esses diferentes grupos. Os embates políticos se aguçam na medida em que o espaço público se alarga.

Os sindicatos assumem a ponta desse processo de confrontação, intensificando as lutas salariais e em defesa de diretos trabalhistas, e questionando a crescente dependência econômica do Estado brasileiro aos capitais externos. A classe operária e os setores do funcionalismo público, como os professores, e os estudantes (o movimento estudantil é, nesse contexto histórico, um importante sujeito político coletivo) intensificam as jornadas de lutas e as exigências por reformas de base, principalmente nos campos da educação, saúde, moradia, emprego e reforma agrária. Os comunistas, lideranças independentes vinculadas aos setores progressistas da Igreja, e intelectuais nacionalistas assumem abertamente a defesa das reformas, da ampliação das lutas sociais, da ruptura com a dependência econômica e política externas e, por conseqüência, a defesa do governo Goulart.

Pressionam o Estado para obter ganhos econômicos, sociais e políticos. A correlação de forças, aparentemente, possibilitava o avanço dos movimentos sociais, e o governo sinalizava favoravelmente nessa direção. O movimento sindical busca maior autonomia, formando uniões sindicais independentes, como o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT, mas não confunda com a outra, que era Confederação), fundado em 1962, no auge das lutas operárias e estudantis. Intensifica-se a participação dos sindicatos na vida política nacional.

Perigosamente, essa crescente influência não resultou em maior aprofundamento da autonomia, fortalecimento coletivo e formação política dos trabalhadores. Não se constituíram movimentos independentes e desatrelados do Estado, mas sim vinculado aos interesses deste. O apoio de Goulart aos sindicatos, essa aliança do sindicalismo com o Estado, produziu uma ilusão de poder, uma subestimação das reais forças da classe trabalhadora.


Os sindicatos foram estimulados a radicalizar nos discursos e nas ações políticas, indo muito além do que suas próprias forças garantiam. Um sindicalismo de vanguarda, sem a suficiente retaguarda das massas. Não se nega a necessidade e a coerência de se buscar as lutas de massas e as reivindicações coletivas como instrumentos essências aos trabalhadores na busca de seus direitos e na transformação do Estado. O que se questiona é se as direções compreendem a realidade objetiva e a correlação das forças em disputa no terreno da luta de classes. A nosso ver, a capacidade de reação das classes dominantes e dos setores médios urbanos foram subestimados, eivados de conservadorismo e outros valores burgueses.

O fantasma vermelho, a ameaça do comunismo e o medo do barulho nas ruas tão largamente vociferados e ardilosamente fermentados pela direita brasileira, não foram devidamente dimensionados pelas forças da esquerda social e política nos anos 1961-1964. Veio o golpe fascista, executado pelos militares, sob patrocínio do grande capital estrangeiro e do governo dos EUA. Uma lição que mais tarde seria apreendida pelo movimento sindical pós ditadura militar, que as direções não podem substituir as massas, ao contrário, só o movimento concreto da classe pode garantir conquistas e poder político.

Ressurgimento do sindicalismo combativo:
da transição da ditadura ao neoliberalismo

A fundação da CUT Brasil foi produto histórico da luta organizada de um múltiplo e diversificado leque de forças sociais e políticas que resultou num amplo movimento de contestação e combate ao regime militar, suas doutrinas e práticas violentas e autoritárias e pelo resgate do Estado democrático de direito. A existência da CUT significou, no campo sindical, um rompimento concreto com os limites da estrutura sindical oficial corporativa, e um profundo avanço dos trabalhadores na conquista de direitos humanos, civis e sociais.

Dados do Censo Sindical, produzido pelo IBGE de 2002, atualizados pelo DIEESE em 2006, indicam que os sindicatos ainda enfrentam os problemas produzidos pelo vendaval neoliberal que varreu o mundo contemporâneo arrancou raízes, destruiu identidades, disseminou o individualismo e esvaziaram os processos, coletivos de produção da solidariedade de classe dos trabalhadores.

A ofensiva neoliberal nos anos 90 e sua lógica destrutiva produziram profundos e extensos estragos nas economias, nas sociedades e principalmente nos movimentos sociais organizados no Brasil e no mundo. Dentre estes, os sindicatos sofreram profundas derrotas. O campo combativo e classista que se forjou na década de 1980.

A CUT não ficou imune a essa ofensiva. A maioria de suas lideranças ficou dividida entre a perplexidade, a resistência fragmentada (setores e correntes minoritárias no interior da CUT), e a “adesão propositiva”.

Da agenda neoliberal faziam parte a remoção do “excesso de proteção” ao trabalho e do “arcaico corporativismo sindical ” herdado da Era Vargas. A flexibilização dos direitos trabalhistas, vistos como obstáculo à livre negociação conduzida pelos interesses do mercado, é, para os neoliberais, a garantia de relações trabalhistas “modernas e livres”, portanto sem a necessidade de intermediações dos sindicatos e de “interferência indevida” do Estado. A consequência direta da flexibilização é a precarização do emprego, o subempregro e o desemprego.

Um dos principais obstáculos à consolidação das políticas neoliberais do grande capital internacionalizado no Brasil foi, sem dúvida alguma, a resistência dos trabalhadores, especialmente os setores mais organizados e combativos, com experiências acumuladas de lutas, reunidos em torno da CUT. Para as classes dominantes, era urgente construir uma ferramenta que fosse instrumento de disputa de hegemonia dentro do próprio mundo do trabalho. Não bastava só atacar os sindicatos e as organizações populares, era necessário disputar no próprio campo.